ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL
Menina de 9 anos convive com a AME na luta por uma vida normal: "Supera Expectativas"
Doença em Manuzinha foi descoberta quando ela tinha 5 anos. Especialista destaca necessidade de diagóstico precoce
Por Isabela Cardoso
Emanuelle Fernandes Fávero, a pequena Manu, de 9 anos, enfrenta diariamente, desde os 2, o diagnóstico de Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 3, uma doença rara, genética e degenerativa que afeta a capacidade motora. A luta dela e da família ilustra os maiores desafios enfrentados pelos pais de crianças com doenças raras no Brasil: a busca por um diagnóstico preciso e tratamento adequado.
Filha de Vanessa Fávero e Carlos Fernandes, Manu nasceu na cidade de Arceburgo, em Minas Gerais. Ao Portal A TARDE, sua mãe contou que teve uma gestação tranquila e a filha nasceu saudável, sem nenhum sintoma.
No entanto, Vanessa notou que nos primeiros anos de vida, a pequena começou a cair com frequência e não corria como as outras crianças de sua idade. Inicialmente, os médicos cogitaram questões ortopédicas, mas não conseguiram identificar a causa.
“Nos quase dois aninhos, eu fui percebendo que ela tinha um andar diferente, como se estivesse rebolando. Todo mundo achava que era por conta da fralda, fiz o desfralde e levei ela no médico. Ele falou que ela poderia ter uma perninha maior do que a outra. Depois passei em outro, mas ninguém achava absolutamente nada. Todos diziam que ela ia desenvolver, que cada criança tinha um tempo para desenvolver", relata.
Depois eu comecei a ver o segundo sinal, que eram os tremores na mãozinha. Uma coisa bem discreta mas aquilo me incomodava, porque mesmo calminha ela tinha uns tremores. Ela pegava as coisinhas na mão e deixava cair
Vanessa precisou buscar atendimento em várias cidades, por quase quatro anos, até receber o diagnóstico da filha no Hospital das Clínicas, em São Paulo, em 2017. Ela acrescentou que um teste genético foi o responsável por detectar a AME tipo 3.
“Eu me lembro que o médico falou que havia uma luz no fundo do túnel, que o hospital não podia prescrever; mas que tinha um medicamento que havia chegado no Brasil há pouco tempo. Ele me indicou um especialista e a necessidade de entrar com um pedido judicial. Eu tive aquele tempo de luto ao voltar para casa, mas daí começou a nossa luta”, diz.
Assim que descobriu a doença, Vanessa levou um susto e enfrentou um período de “luto” e depressão. No entanto, a necessidade do tratamento de Manu deu forças para continuar.
“O começo foi muito sofrido, muito mesmo. Foram dias de muita angústia, e ela pequenininha. Eu não queria nem comer, nem tomar banho. Eu só queria dormir porque era uma forma de não pensar", relembrou.
Muitas pessoas me ajudaram, foi aí que eu comecei a fazer as coisas, a correr atrás, a pesquisar sobre o medicamento. Na época, o único medicamento pra AME era o Spinraza, que tinha acabado de chegar no Brasil
Depois disso, Vanessa detalhou que recebeu o apoio do atual secretário-chefe da Casa Civil de Minas Gerais, Marcelo Aro, fundador da Casa de Maria, espaço que acolhe pessoas e familiares com doenças raras. Ele foi responsável por assessorar Manu e entrar com o pedido judicial do medicamento Spinraza, que na época custava R$ 3 milhões.
“Ele tem uma filha com uma doença rara, e eles entraram com o pedido de medicamento. Eu tinha ido atrás de alguns advogados que já tinham pego algumas crianças, só que eles cobravam uns R$ 40 mil, e eu não ia conseguir uma coisa rápida. Eu também não pensava em fazer vaquinha para conseguir a medicação, por causa do valor do medicamento”, ressalta.
Luta pelo tratamento
De acordo com Vanessa, o início do tratamento foi difícil por causa dos gastos com hotel, hospital e deslocamento para a cidade de Lorena (SP), onde os procedimentos de Manu são realizados. No entanto, ela destacou que recebeu apoio do advogado Túlio Sansevero, em 2018, para judicializar os custos pelo estado e município.
Foi muito difícil, só que apareceu um anjo na nossa vida, que foi o doutor Túlio, que infelizmente não está mais entre nós. Ele judicializou o estado, que arcou com as despesas do hospital e do médico. O meu município ficou firmado de nos levar lá [Lorena] e [pagar] as terapias contínuas para Manu. O estado dá o hospital e o médico, e o município fica com o suporte das terapias e viagens.
Hoje, aos nove anos, Manu recebe três doses do medicamento no ano e tem uma rotina completa de segunda a sexta-feira: fisioterapia motora com especialista, aula de música e terapia fonoaudiológica, com previsão de começar também a Terapia Ocupacional.
“Ela tem uma responsabilidade muito grande durante toda a semana, porque o medicamento é uma janela, tem que ser associado às terapias. Tem que ser feita com especialistas, porque se ela colocar muita sobrecarga, se cansar muito, ela perde tudo e não recupera mais. A AME é uma doença degenerativa e os neurônios vão morrendo a cada instante. Então tudo que morreu não vai se regenerar, segundo a literatura. Os medicamentos vêm para paralisar a evolução da doença”, descreve.
Desde o nascimento, Manu recebeu o apoio de toda a família. Ela cresceu uma menina saudável, educada e que adora cantar, afirma Vanessa.
“A Manuzinha encontra-se muito bem, supera todas as expectativas. A gente faz as coisas certinhas para ela ter uma qualidade de vida, para ser uma criança independente, onde consiga ter a sua autonomia. Não é porque é minha filha, mas ela é uma menina super educada, muito meiga, muito fofa, muito carinhosa e adora cantar”, detalha.
O que é a AME?
A AME é uma doença passada de pais para filhos que interfere na capacidade do corpo de produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis pelos gestos voluntários vitais simples do corpo, como respirar, engolir e se mover, segundo o Ministério da Saúde. O tipo 1 é o mais frequente e a forma mais grave.
A AME é causada por uma mutação no gene SMN1, que leva à ausência de uma proteína que é importante, a SMN, uma proteína de sobrevida do neurônio motor, para manter a função motora da gente. A função de movimento, de deglutição, de respiração, a parte toda de nossa movimentação voluntária
A AME é uma doença com incidência de um a cada 10 mil nascidos vivos e não há cura. De acordo com o Ministério da Saúde, os principais sinais e sintomas são a perda do controle e forças musculares; incapacidade/dificuldade de movimentos e locomoção; incapacidade/dificuldade de engolir; incapacidade/dificuldade de segurar a cabeça; e incapacidade/dificuldade de respirar.
“Em 60% dos casos iniciam sintomas de fraqueza até os 6 meses de idade, com o paciente não adquirindo a capacidade de sentar. Universalmente os pacientes têm uma fraqueza muscular progressiva. É uma fraqueza muscular sem alteração da sensibilidade, com atrofia, hipotonia, diminuição do tônus muscular, sempre de caráter progressivo”, detalha a médica.
Diagnóstico e tratamento
Segundo a Dra. Marcela Costa, o diagnóstico precoce da doença diminui as chances de comprometimento motor da criança. No caso de Manu, foram dois anos até a família saber qual era a causa do quadro de saúde dela.
“Tendo em vista que a gente nasce com a quantidade de neurônio que não regenera então, quando morre, o neurônio motor da gente não consegue recuperar ele. O objetivo de tratar é fortalecer os neurônios que estão ali e fazer uma produção de uma proteína que esse neurônio não consegue produzir através de um outro gene”, ressalta a médica.
A neurologista pontuou que o atraso no diagnóstico é um dos grandes desafios no Centro Especializado em Doenças Neuromusculares da EBMSP, o centro de referência para AME no estado.
>> Dia das Doenças Raras alerta para diagnóstico precoce e tratamento
“Recebemos crianças com AME tipo 1 muito comprometidas, muito próximas do momento em que elas vão ser submetidas a uma ventilação invasiva. A gente trata essas crianças e não tem o melhor ganho delas, porque o atraso no diagnóstico é o que fica marcado para a gente. Essas crianças demoram de chegar, demoram de ser reconhecidas como um bebê molinho, um bebê que não suga bem, tem dificuldade de respirar. Muitas vezes essas crianças ficam com infecção respiratória de repetição nos hospitais e não são investigadas. É um grande desafio pra gente no estado encontrar essas crianças e fazer o diagnóstico muito precoce para que a gente consiga tratar”, destaca a Dra. Marcela.
Em 2019, o Ministério da Saúde incorporou o medicamento Spinraza ao Sistema Único de Saúde (SUS) para tratamento do tipo 1 da AME. Dois anos depois, o tratamento foi incorporado para o tipo 2, porém para os tipos 3 e 4 da AME somente por meio de judicialização.
Atualmente, não existe cura para a AME, mas com a ajuda do tratamento e do acompanhamento multidisciplinar como cuidados respiratórios, ortopédicos, fisioterapia, controle nutricional, é possível que o paciente tenha uma vida saudável.
Para a Dra. Marcela, existem boas perspectivas futuras no diagnóstico e tratamento da doença, com a possibilidade de ampliação do teste do pezinho.
Já existe uma lei federal que bota a AME como uma possibilidade. Vários estados têm lutado e brigado para essa incorporação desse teste do pezinho para AME ser mais precoce. Se a gente diagnosticar essa criança logo quando ela nasceu, mesmo quando ela não tem sintoma, a gente começa a tratar essa criança, e a chance da gente ter uma criança com vida absolutamente normal é muito alta. Sem dependência do ventilador para respirar ou de uma gastronomia para se alimentar
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes