SAÚDE
Toxina botulínica é usada para tratar problemas de bexiga em crianças
Ambulatório da Ufba oferece técnica aos pacientes pediátricos. Substância serve, ainda, para aliviar sintomas neurológicos e doenças como a enxaqueca
Por Andreia Santana
A toxina botulínica terapêutica, que difere dos usos estéticos para a substância, vem sendo usada por médicos urologistas para tratar crianças com disfunções no trato urinário, como a bexiga hiperativa e a bexiga neurogênica. Em Salvador, a terapia é oferecida em clínicas privadas e no serviço público, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes), ligado à Universidade Federal da Bahia (Ufba).
O médico urologista e professor da Ufba, Ubirajara Barroso Jr. explica que esses problemas urinários surgem quando existe uma falha na comunicação entre o cérebro e a bexiga, levando a uma contração involuntária do órgão ou à sensação exagerada de que ele está muito cheio, o que acarreta a urgência para urinar ou mesmo resulta nos escapes de urina. Nos dois casos, além do problema físico, o paciente também passa por constrangimento social e sofrimento psicológico.
“A bexiga não é um órgão autônomo. Existe uma comunicação entre o cérebro e a bexiga e ela funciona obedecendo ao comando cerebral. Esse comando é o que permite a bexiga não se contrair a qualquer momento e é o que nos leva a urinar como um ato voluntário. Você recebe a mensagem no cérebro de que a bexiga está cheia e voluntariamente faz o movimento para a urina sair”, acrescenta.
Mas, continua o especialista, nem sempre essa comunicação é eficiente. “Tem casos em que isso é uma característica principalmente de pessoas muito ansiosas, mais vulneráveis emocionalmente. E, em outros casos, é um problema derivado de doenças neurológicas, problemas na medula ou de paralisia cerebral”, diz.
Em pesquisa realizada pela equipe do professor e que rendeu artigos assinados pelo médico em revistas de ciência e saúde estrangeiras, a urgência de contrair a bexiga involuntariamente afeta de 7 a 10% das crianças de 5 a 10 anos. “Chegamos a esse dado a partir de um estudo de população feito com crianças de Salvador e de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Tivemos um artigo científico publicado fora do Brasil apresentando esses dados”, acrescenta Ubirajara Barroso Jr.
Controle do xixi
O urologista pediátrico explica que as crianças muitas vezes retardam a hora de ir ao banheiro mesmo quando sentem vontade, seja porque estão brincando ou na sala de aula e o professor não deixa sair, ou mesmo porque os pais se preocupam mais com as meninas não urinarem em qualquer banheiro público, por segurança ou higiene.
A criança, nessas situações, acaba tendo escapes, que é quando a urina sai sem a pessoa querer. Nesses casos, explica o médico, apenas uma orientação ou medicação que reduz as contrações involuntárias da bexiga e diminuem a sensação de que ela está cheia pode resolver o problema.
Nos casos em que a medicação falha é que a medicina entra com outras terapias como a toxina botulínica. Ubirajara Barroso Jr. explica que a vontade de urinar é uma situação de ameaça para o organismo, é um evento desagradável para o corpo e que a sensação de alívio após urinar tem origem nesse desconforto que ocorre quando a bexiga está cheia.
“A urgência sem controle acaba virando uma situação desagradável, a pessoa fica exposta aos riscos de eventos constrangedores como a incontinência urinária e aí ela passa a ter uma vulnerabilidade emocional muito grande. A bexiga hiperativa está, geralmente, associada a alguma questão psicológica ou neuropsiquiátrica”.
A toxina botulínica entra nessas situações para relaxar a musculatura e evitar a contração involuntária da bexiga. “Inibe a acetilcolina, que é a substância que faz a bexiga se contrair, então esse órgão relaxa. A substância também age nos receptores que levam a essa sensação de urgência urinária, diminuindo-a em 70% dos casos”.
Como é o tratamento
No ambulatório da Ufba, a terapia é oferecida gratuitamente para pacientes pediátricos após uma triagem daqueles casos mais graves. Como o recurso é escasso, o serviço ainda não consegue atender demandas muito grandes. “Começamos a usar um pouco da toxina botulínica que a equipe de neurologia já tem para tratamentos de saúde na área neurológica. Então, por enquanto, ainda não há como expandir”.
Quando o tratamento é usado nos casos de bexiga neurogênica, ou seja, deriva de sequelas neurológicas, o efeito da toxina botulínica dura de oito a 10 meses. “O efeito acaba e os pacientes retornam para fazer novas aplicações. Os casos de bexiga neurogênica em que não há solução permanente das sequelas neurológicas, quando existem danos permanentes na conexão entre o cérebro e o órgão, usamos para melhorar a qualidade de vida do paciente e para garantir a ele mais autonomia e tirar a fralda, o que ajuda a prevenir também infecções. E, também, para evitar a questão do constrangimento social, pois a pessoa se sente mais independente e autônoma”.
Nos casos em que o problema é funcional e não neurogênico, Ubirajara Barroso Jr. revela que o cérebro aprende o autocontrole com apenas uma aplicação. “A criança tem neuroplasticidade muito grande, é como se déssemos um reset. Tratamos os sintomas de urgência e, muitas vezes, o cérebro já aprende, esquece aquela sensação de urgência e a criança já passa a controlar voluntariamente a saída de urina”.
Para os pacientes que têm a bexiga neurogênica, por conta da falta de sensibilidade nos membros inferiores, em alguns casos, é possível fazer a aplicação em consultório, desde que haja os equipamentos adequados. “Nos outros casos, em que é mais funcional, é preciso ir para o centro cirúrgico, com uma leve sedação”, diz o médico.
A terapia com a toxina botulínica é usada tanto para tratar adultos quanto crianças com bexiga hiperativa ou bexiga neurogênica, problemas que podem acometer pessoas de qualquer idade. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou desde 2009 o uso da substância para tratar pessoas que sofrem com incontinência urinária. Segundo o Ministério da Saúde (MS), o problema atinge três milhões de brasileiros.
Doenças neurológicas e enxaquecas também podem melhorar com terapia
A toxina botulínica terapêutica é usada em diversas áreas da medicina, da oftalmologia à neurologia, passando por urologia e outras especialidades, diz a neurologista especialista em distúrbios do movimento e toxina, Roberta Gomes Kauark, das clínicas AMO - Saúde da Mulher e Neuroliv.
Especificamente na área de neurologia, a substância é muito usada para tratar enxaqueca crônica de forma preventiva. “Nesse caso, a aplicação é subcutânea e ela não é feita para relaxar o músculo, mas para neutralizar os impulsos nervosos que começam em cascata no nervo trigêmeo, levando a resposta de dor ao cérebro. Tratamos as terminações nervosas do trigêmeo para dessensibilizar e assim reduzir a incidência das crises”, explica Roberta Kauark.
A toxina também é usada para tratar a espasticidade, doença provocada pelo aumento exagerado do tônus muscular, o que torna o músculo muito rígido. “Espasticidade gera dor e geralmente é sequela de problemas como traumatismos ou AVCs, entre outros, e com isso podem ocorrer situações, por exemplo, do paciente ficar com o braço o tempo todo numa mesma posição, dobrado, o que atrapalha a reabilitação da função daquele membro e também gera deformidade. Nesse caso, a toxina relaxa esse músculo para impedir que o braço fique rígido”, acrescenta.
A espasticidade pode também atrapalhar a qualidade de vida do paciente e interfere, inclusive, na higiene, como nos casos em que o paciente fica com braço rígido numa posição que impede higienizar áreas do corpo ou, se for um paciente acamado e ficar com as pernas rígidas numa única posição, impede a colocação e a troca de fraldas.
Sialorreia, excesso de salivação que ocorre em problemas como demência, após cirurgia no esôfago ou devido a paralisia cerebral; espasmo hemifacial, contração involuntária dos músculos faciais em uma só direção; hiperidrose, a sudorese exagerada em que a pessoa fica ensopada de suor; neuralgia do trigêmeo, a dor facial intensa, ou as dores neuropáticas após crises de herpes-zoster, são outras doenças que podem ser tratadas com a toxina.
“Quando o paciente não responde à medicação oral ou é refratário a essa medicação, então entramos com a toxina botulínica. O paciente chega com a queixa e, a depender do caso, sugerimos o tratamento. Nos casos de hiperidrose e enxaqueca, as injeções são subcutâneas. Para os outros problemas de origem neurológica, são intramuscular”, diferencia a médica.
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