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Medicina, o mito

Publicado quarta-feira, 07 de março de 2007 às 16:02 h | Autor: Nelson Barros Neto

Como explicar o fascínio que a profissão de médico exerce sobre as pessoas? Tem gente que sequer se imagina andando de jaleco branco por aí [como eu, filho e neto de pediatra]. Mas medicina é, e continua sendo, a opção mais disputado nos vestibulares de norte a sul do País.



Na Bahia, o curso liderou a concorrência da Ufba com o maior índice dos últimos quatro anos: 31,4 candidatos para cada uma das 160 vagas. Direito, o segundo colocado, registrou 20,6. Os números também impressionam nas três universidades estaduais e nas duas particulares, com sede em Salvador, que oferecem a graduação [veja quadro abaixo].



A procura é tão grande que dá para encontrar quem vai tentar pela quinta vez. "Se Ivo Pitanguy pode, por que não eu?", indaga a estudante Fernanda Oliveira, 24, referindo-se a um dos maiores cirurgiões plásticos do Brasil. Reza a lenda que ele precisou de sete tentativas antes de ser aprovado na Federal de Minas Gerais.



No terceiro ano de cursinho, Andrei Vieira, 20, não se importa em esperar tanto para seguir os passos do tio e da avó: "Só vou desistir quando passar". O pensamento é o mesmo da namorada, Carolina Rezende, 20, que André conheceu durante as aulas, em 2006. No quarto ano de pré-vestibular, ela escolheu medicina porque acha que o mercado de trabalho é bom. “Tem que imaginar algo que dê retorno”.



Aluno do sexto semestre da Ufba, Victor Lisboa, 22, concorda com a idéia do bom mercado. Para ele, “médico nunca fica sem emprego”. Mas o estudante lamenta que muitos colegas na faculdade esqueçam os princípios básicos da profissão. “Falam em dinheiro e até em ser prefeito da cidade natal”, conta. Médico no interior, acrescenta, é visto como Deus. “O problema é que algumas pessoas deixam de estudar e ficam desatualizadas. Aí, quando chega um remédio novo, não sabem nem para que serve”.



Novos planos – Pode parecer absurdo, mas muitos alunos de medicina têm buscado orientação vocacional quando já estão na faculdade. “Antes era muito raro, mas os estudantes, por diversos motivos, começaram a repensar a escolha”, diz o psicólogo Jorge Sales, que coordena centros de escolha profissional na Ufba e na Faculdade Ruy Barbosa.



Sales observa que, ao invés da vocação médica, alguns alunos se inscrevem apenas porque conhecem alguém que ganha um supersalário ou pelo simples fato de ser esse um grande desafio, o que ele chama de desejo pelo extraordinário. “É uma forma de o jovem se auto-afirmar. Ele acha que não fazer isso pode ser um sinal de fraqueza”.



Para o especialista, há quem escolha essa carreira apenas para usá-la como desculpa, em caso de reprovação. “É o famoso ‘perdi, mas fiz medicina‘”. Sales lembra do caso de um garoto que fez medicina na Federal e engenharia no Instituto Tecnológico de Aeronáutica [ITA], considerado o processo seletivo mais difícil do Brasil. “Esses álibis foram a melhor justificativa para a sua derrota”, avalia.



Mudar o mundo – Laura Fontes, 21, não faz parte deste grupo. O que a levou a fazer medicina foi “a vontade de ajudar as pessoas”. No sexto semestre da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública [EBMSP], a menina sonha em entrar na organização Médicos Sem Fronteiras [MSF], mesmo achando que a idéia não é tão comum entre os estudantes brasileiros.



Nessa entidade humanitária internacional, há 30 anos, médicos de vários países atendem vítimas de catástrofes, guerras e epidemias pelo planeta. “Você vai para fora do País e trabalha em troca de comida e moradia”, explica a estudante, que quer ir para a África depois da residência em oncologia.



Laura conta que tem se preparado apenas psicologicamente, mas admite que uma de suas metas é aprender a falar francês. “A vida na África será sofrida, mas gratificante”.



Formação – Quanto ao currículo oferecido pelas universidades brasileiras, o recém-formado Ricardo Heinzelmann, 25, é bastante crítico: “O curso é estruturado como se todos os recém-formados fossem abrir seus consultórios particulares para atender a classe média-alta”.



Na opinião de Ricardo, que representou a União Nacional dos Estudantes [UNE] no Conselho Nacional de Saúde, a realidade é muito diferente disso, com uma alta porcentagem de profissionais que precisa trabalhar no Sistema Único de Saúde [SUS] e enfrentar uma série de problemas que os clínicos particulares não conhecem.



O diretor da Faculdade de Medicina da Ufba, José Tavares Neto, afirma que uma reforma curricular está em andamento e deve modificar isso. Atualmente, a graduação é composta por três ciclos de dois anos. O primeiro, básico, é dedicado à disciplinas como anatomia, fisiologia e aproximação da prática médica. No segundo, o aluno se divide entre a faculdade e unidades de saúde. Por fim, no internato, 80% das aulas acontecem em hospitais, acompanhando o tratamento de doentes, sob supervisão de um professor. Há ainda espaço para pesquisa científica.



Instituição | Sede | Vagas | Concorrência*

Universidade Federal da Bahia (Ufba) – Salvador – 160 – 31,4

Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) – Ilhéus – 40 - 53,7

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) – Vitória da Conquista – 30 - 77,4

Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) – Feira – 30 - 58,5

Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) – Salvador - 100 - 24

Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) – Salvador – 50 - 12

*último vestibular

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