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Certificação ambiental favorece acesso da produção ao mercado externo

Bahia figura entre os principais produtores e exportadores de alimentos e de fibras do País

Publicado sexta-feira, 15 de março de 2024 às 05:00 h | Autor: Letícia Belém
Cotonicultores fizeram com que o Brasil passasse a ser o País com maior montante de algodão licenciado
Cotonicultores fizeram com que o Brasil passasse a ser o País com maior montante de algodão licenciado -

Um dos motivos do sucesso do agronegócio do Oeste da Bahia é ser aliado da conservação ambiental. Preservar a biodiversidade, a qualidade dos recursos hídricos e a saúde dos solos faz com que a grande maioria dos produtores rurais alcance, cada vez mais, melhores resultados, maior eficiência e produtividade nas suas plantações. As boas práticas agrícolas associadas às pesquisas, inovações tecnológicas e às ações de preservação ambiental e de responsabilidade social fazem a Bahia figurar entre os principais produtores e exportadores de alimentos e de fibras do País.

Produtor de soja, algodão, milho, feijão caupi, cacau e banana, David Schmidt comanda sete fazendas que somam 35 mil hectares nos municípios de Barreiras e Luís Eduardo Magalhães, há 36 anos. Ele explicou que a sua produção de commodities atende não só ao mercado brasileiro, mas a grandes mercados mundiais que remuneram melhor, mas que também são mais exigentes em relação à qualidade do produto e às questões socioambientais. “Para que a gente acesse esses excelentes mercados internacionais e linhas de crédito mais atrativas, precisamos cumprir obrigatoriamente requisitos pré-estabelecidos de sustentabilidade e responsabilidade social, além de sermos certificados por organismos internacionais”, informou.

A primeira certificação do seu agronegócio foi a da soja, ocorrida em 2012. Ele informou que o grupo Schmidt Agrícola possui seis certificações rigorosas, que o possibilitam exportar soja, milho e algodão socialmente responsáveis, que, de forma obrigatória, seguem práticas ambientais criteriosas tanto no cultivo quanto na colheita. Um deles é o padrão RTRS de produção de soja responsável, que garante zero desmatamento ou zero conversão. “Toda a soja exportada para a Europa tem que ter essa certificação, assim como temos a certificação RTRS do milho responsável”, pontua David Schmidt.

A soja e o milho com certificação RTRS cumprem altos requerimentos de bem-estar social e trabalhista, com condições laborais e relações com a comunidade adequadas, trazendo benefícios ao processo produtivo, ao meio ambiente e à qualidade de vida das pessoas. “Para exportar para o mercado europeu, elas são obrigatórias”, explicou Schmidt.

Para obter a certificação de produção de soja responsável RTRS, assim como a de milho, o produtor rural deve cumprir 108 indicadores obrigatórios e de implantação progressiva, reunidos em cinco critérios: cumprimento legal e boas práticas empresariais; condições de trabalho responsáveis; relações responsáveis com a comunidade; responsabilidade ambiental e boas práticas agrícolas.

O grupo Agrícola Schmidt também tem o certificado do Algodão Brasileiro Responsável (ABR) - um dos mais completos do mundo em matéria de sustentabilidade do produto - e também o da Better Cottom Initiative, um parceiro internacional que é a referência global em licenciamento de fibra sustentável. Estes certificados permitem ao grupo exportar para o mercado internacional de algodão, além de adotar o “Plano Agricultura de Adaptação aos Efeitos do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária”, certificação brasileira também exigida na Holanda.

“Para exportar para todos os mercados internacionais, a agropecuária deve atender também a estratégias e práticas agrícolas que podem ser utilizadas como tecnologias de baixa emissão de carbono, contribuindo para uma agropecuária sustentável. São técnicas de manejo agrícola sustentável, que fazem o sequestro do carbono atmosférico no solo. A retenção dos gases no solo reduz a liberação dos gases de efeito estufa na atmosfera”, ensinou Schmidt. Segundo ele, a Europa não aceita importar produtos brasileiros que não façam a retenção dos gases no solo.  

“Nós não temos problema nenhum com a conservação ambiental. A gente concorda com o Código Florestal. Eu me sinto bem. Ninguém está brigando, discutindo e protestando contra isso. A pessoa mais interessada em preservar a nascente dos rios e as áreas de florestas sou eu. Se o meu rio ficar contaminado, eu quebro e tenho que mudar de região”, ressaltou o produtor.

Para Schmidt, que usufruiu do rio a vida toda, o equilíbrio ambiental, o solo saudável e a preservação de toda a área da Bacia do Rio Branco são essenciais para que se obter bons resultados econômicos na agricultura. “O agronegócio brasileiro é a atividade que mais preserva o meio ambiente no País e no mundo. É uma pena que os esforços não são vistos e nem valorizados”, declarou. Mas os números podem confirmar o que diz Schmidt.

Fruticultura de qualidade

As fazendas de David Schmidt possuem também certificações para a fruticultura, que além de garantir que a fruta atenda aos requisitos de fitossanidade (livre de pragas, por exemplo), atesta também que ela é produzida seguindo determinados critérios de padrão de qualidade e de adesão a práticas sustentáveis. “Uma delas é o tratamento de doenças da lavoura com as moléculas químicas novas e mais específica, que não vão causar efeitos colaterais no ambiente para resolver o problema”, afirmou.

As fazendas do grupo também utilizam a certificação RainForest Alliance para possibilitar uma produção agrícola mais sustentável e cadeias de suprimento mais responsáveis, através de um conjunto direcionado de inovações para auxiliar os produtores a viabilizar melhores cultivos, a se adaptar às mudanças climáticas e a aumentar a produtividade de forma sustentável. Além disso, Schmidt lembrou que todas as propriedades rurais no Brasil têm que, obrigatoriamente, destinar 20% de sua área à preservação ambiental. Ele disse que a grande maioria dos produtores do Brasil possui uma área de reserva legal maior do que a legislação exige, de 30%. Segundo ele, o Brasil é o País que mais preserva a sua vegetação nativa, hoje em torno de 66% em sua área total. A Europa só possui 0,7% de mata original intocada, e os Estados Unidos, apenas 19%.

Pecuária de baixo impacto

O produtor rural Benito Fernandez é um pioneiro na preservação ambiental aliada à agropecuária na região Oeste da Bahia. Há 48 anos, ele comprou uma propriedade de 25 mil hectares no município de Formosa do Rio Preto, e conta que sempre conciliou uma pecuária de baixo impacto ambiental e alta tecnologia com a conservação da floresta no cerrado. Benito Fernandez mantém uma imensa área de vegetação nativa intocada, que corresponde a mais de 80% da sua extensão.

“Eu protejo e defendo os recursos naturais na minha propriedade há várias décadas. Possuo 12 quilômetros de mata ciliar preservada ao longo do Rio Preto dentro da minha fazenda. Ela é uma referência na área ambiental do Oeste da Bahia. E essa é a razão da minha vida”, declarou o economista de 75 anos. “Na década de 1990, eu já praticava o ESG [sigla que define práticas empresariais ambientais, sociais e de governança], já conservava o meio ambiente e gerava recursos financeiros para pagar as minhas pesquisas ambientais. Também levava a melhor genética pecuária para a vizinhança”, declarou Fernandez.

Em 2002, ele fundou o Instituto Bioeste, uma entidade ambiental conhecida por sua contribuição ao desenvolvimento sustentável do Oeste da Bahia. Além de prosperar no agronegócio, o produtor combateu a degradação ambiental, promoveu seminários de sustentabilidade e apoiou projetos de pesquisa de universidades e órgãos públicos, fazendo o uso sustentável da biodiversidade no planejamento e nas práticas do setor agrícola privado.

Como ativista da causa, participou ativamente dos conselhos de representação ambiental na esfera pública, ocupou cargos públicos, se reuniu com lideranças do agronegócio, sentou-se com secretários de Meio Ambiente estaduais, influenciou as políticas públicas de proteção à biodiversidade do cerrado, participou da elaboração do Código Florestal e articulou politicamente para a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Preto.

O foco de Fernandez agora é a restauração de áreas degradadas com o incentivo do mercado de crédito de carbono, uma forma de monetizar o investimento na conservação da biodiversidade. Ele contou que está desenvolvendo uma plataforma de biodiversidade com pesquisadores da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) e prospectando parceiros para monetizar a preservação. “É preciso que todo o agronegócio do Oeste baiano reconheça que tem que proteger o ecossistema. Deve ser criada uma conectividade entre as reservas legais, fazendo corredores de biodiversidade. O trabalho de conservação ambiental tem que ser monetizado”, disse ele.

“Hoje há uma geração de produtores rurais mais novos, que estão com a visão ambiental, e outros que estão adotando práticas sustentáveis porque o mercado exige”, comentou Fernandez. Para este ano, o produtor quer reativar o Instituto Bioeste, com foco na restauração de áreas degradadas e no mercado de crédito de carbono.

Respeito ao meio ambiente é sinônimo de eficiência, diz o professor Erick Rojas

O professor e doutor em Energia e Ambiente da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Erick Rojas, disse que, se o produtor hoje quer ser eficiente, ele tem que respeitar o meio ambiente. Ele citou exemplos de produtores que estão adotando fertilizantes de matéria orgânica ao invés dos químicos, o que também preserva a natureza, além de fazerem controle biológico de suas lavouras.

“O produtor vai querer melhorar a terra para produzir mais e com qualidade. Ele não pode destruir ou maltratar a própria terra em que ele está produzindo, porque isso torna a produção inviável a longo prazo. Ele sabe que, até economicamente, a sustentabilidade da terra é melhor”, analisou.

Rojas disse que a universidade está trabalhando em um projeto de modelagem, junto com os produtores rurais do Oeste baiano, de geração de recursos financeiros pelo cuidado com a preservação ambiental de áreas em suas propriedades, monetizando a manutenção da biodiversidade. A proposta é orientar os produtores a como acessar instrumentos financeiros internacionais que já existem, como o mercado de crédito de carbono, que é uma atividade rentável da sustentabilidade ambiental.

O engenheiro agrônomo Francisco de Assis Pinheiro, diretor de Desenvolvimento da Agricultura da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura do estado (Seagri), disse que, quando um agricultor quer fazer bom uso do solo, ele tem adotar boas práticas: proteger as matas ciliares que margeiam os rios; fazer a rotação de culturas; cuidar da terra com uma boa adubação de matéria orgânica seca de galinha em vez de usar um fertilizante químico; manter o solo coberto para evitar que o impacto das chuvas cause erosão e assoreamento dos cursos d’água; utilizar máquinas que protegem a terra com mais nutrientes no lugar de herbicidas; e obedecer à regra da ‘carência do produto’, que é quando a aplicação de fungicidas e herbicidas torna-se menos impactante para o ambiente se o produtor esperar alguns dias antes de colher para que as moléculas se dissolvam. Tem que fazer também o vazio sanitário, que é um intervalo de tempo entre uma cultura e outra para eliminar doenças e pragas.

“Na verdade, a conservação ambiental ajuda o agronegócio”, explicou ele. Outras medidas de sustentabilidade, segundo ele, é utilizar poços artesianos e instalar painéis para geração de energia solar e eólica, dispensando o uso de hidrelétricas, o que também reduz a conta da energia elétrica.

Produtores de algodão aderem em peso a programa

Os produtores baianos de algodão abraçaram a sustentabilidade desde 2009, com a adesão de mais de 87% deles ao Programa Socioambiental da Produção de Algodão, que foi ampliado em 2012, se transformando no Programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR) - um dos mais completos em matéria de sustentabilidade deste produto do mundo. Os cotonicultores fizeram com que o Brasil passasse a ser o País com maior participação no montante de algodão licenciado dentre as 26 Nações com atuação do programa.

O diretor-executivo da Associação Baiana de Produtores de Algodão (Abapa), Gustavo Prado, explicou que a participação dos cotonicultores baianos no programa está acima da média dos produtores de algodão do País. Ele explicou que, para as fazendas serem certificadas, elas têm que cumprir 183 critérios dos três pilares da sustentabilidade, ambientais, sociais e econômicos, respaldados na legislação ambiental, sanitária e trabalhista do Brasil.

Dentre eles, a propriedade rural não pode ter trabalho escravo, indigno ou degradante e nem infantil, tem que obedecer ao Código Florestal, garantir contrato de trabalho e liberdade de associação sindical aos empregados, além de proibir a discriminação de pessoas, adotar boas práticas agrícolas e industriais, ter um bom desempenho sustentável e garantir a segurança e a preservação do meio ambiente do trabalho rural. “O número de adesões mostra o alto interesse dos proprietários rurais em tornar ou manter um ambiente de trabalho seguro e adequado para os seus colaboradores”, ressaltou Prado.

Segundo o gerente de Infraestrutura da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), Luiz Stahlke, a irrigação das plantações é feita com muito controle e eficiência pelos 1.300 produtores associados, para que se use somente a quantidade necessária de água. A sustentabilidade também aumentou desde 2012, quando os produtores começaram a usar microrganismos biológicos para o controle de pragas, reduzindo muito o uso de defensivos químicos.

Além disso, continuou ele, todas as fazendas são regidas pela legislação ambiental e trabalhista, que são obedecidas principalmente pelos grandes produtores que comercializam para o mercado internacional. “A mão de obra contratada para trabalhar nas fazendas vem da população local de pequenas cidades e vilas, que melhora de vida e tem os direitos garantidos, em uma ação de responsabilidade social”, destacou.

Os produtores rurais vinculados à Abapa e à Associação Baiana dos Irrigantes da Bahia (Aiba) investem em um projeto de recuperação de nascentes e orientam os produtores nos processos de certificação de sustentabilidade. Eles desenvolvem também outros programas sustentáveis para a agricultura no cerrado baiano.

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