INOVAÇÃO
Pesquisas aliadas às novas tecnologias geram expansão do agro
Ao longo dos anos, Embrapa e Fundação Bahia vêm estudando formas de aprimorar os resultados do agronegócio
Por Letícia Belém
Mais do que fatores como fertilidade das terras, clima, localização geográfica ou técnicas de irrigação, o Oeste da Bahia virou referência no País pela inovação e adoção de tecnologias que aumentam a produtividade agropecuária. E a região segue em expansão, com intensificação de pesquisas e diversificação de culturas. O Extremo Oeste baiano é considerado um dos maiores celeiros do agronegócio do Brasil e, há mais de uma década, é um dos principais produtores nacionais de grãos e fibras, principalmente soja, milho e algodão.
Um estudo da Embrapa Territorial mostra que a expansão agropecuária foi favorecida pelo domínio tecnológico da produção agrícola em áreas de cerrado. A tendência de alta se consolida ainda mais com o sucesso de setores do agronegócio voltados para o mercado internacional. O volume crescente de investimentos dos próprios produtores e de bancos impulsionou os demais setores da economia e os vários segmentos do próprio agro.
Dentre os aspectos positivos da transformação da região incluem-se a geração de riqueza e renda, o crescimento econômico, o desenvolvimento das cidades, as migrações e a emancipação de povoados e distritos.
Um dos fatores que levam a tamanha pujança – em constante aceleração – é o investimento em pesquisas e inovações tecnológicas feito pela Embrapa e pela Fundação Bahia ao longo dos anos, seja para melhorar a saúde do solo, plantas e raízes ou para erradicar doenças e pragas que acometem plantações, além de desenvolver sementes melhoradas geneticamente e mais resistentes.
Monitora Oeste
Um exemplo é o Monitora Oeste, um aplicativo desenvolvido pela Embrapa Territorial para a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa) a partir da demanda dos produtores. O sistema alerta, em tempo real, sobre o avanço de pragas e doenças do algodão e da soja sobre as propriedades agrícolas do Oeste.
O objetivo, segundo o coordenador do programa, Julio Bogiani, foi disponibilizar uma ferramenta que ajudasse o produtor rural na tomada de decisões do controle de duas doenças que atacam as lavouras, a ferrugem asiática da soja e a ramulária do algodoeiro. O sistema monitora o surgimento dos primeiros sinais da doença, como a presença e dispersão dos esporos no ar, e então dispara os alertas.
“Quanto mais rápida for a visualização por todos os usuários, mais eles terão acesso ao momento certo de aplicação dos defensivos agrícolas, evitando que a doença tome conta da plantação. O Monitora Oeste otimiza a solução, faz uma melhor racionalização do uso dos produtos químicos e possibilita um melhor controle das doenças com a informação organizada, rápida e em tempo real”, explicou o pesquisador.
Uma das vantagens é acabar com a aplicação calendarizada a cada 15 dias, diminuindo a utilização desnecessária e a quantidade de defensivos empregados, com menor agressão ambiental. “O produtor saberá onde e em qual intensidade estão começando as doenças, podendo aplicar produtos somente no momento em que há necessidade, e tendo menos perdas de produtividade causada pelas doenças, de forma mais sustentável”, eplicou Bogiani.
Dentro do Monitora Oeste, é possível realizar consultas on-line por municípios, tipos de áreas de cultivo em todos os locais em que ele precisar, inclusive se estiver offline. O produtor consegue localizar onde ele está no mapa e visualizar o entorno, onde ele precisará fazer a aplicação dos defensivos agrícolas. Além disso, o usuário tem acesso às condições de favorabilidade climáticas para ocorrência da doença.
Bogiani explicou que o software, lançado em 2021, é uma ferramenta interativa que pode ser baixada gratuitamente nos smartphones, e também ser utilizada através de um navegador web. “Em uma segunda etapa, ele passará a integrar também a praga do bicudo do algodoeiro, cujos alertas serão disponibilizados a partir de abril”, informou o coordenador.
O pesquisador informou também que a Embrapa atua com os programas de melhoramento genético da soja e do algodão, com sementes selecionadas que são resistentes a vermes e a veranicos, e ainda está desenvolvendo uma variedade de trigo adaptada ao cerrado. Em paralelo, está criando um projeto nacional de monitoramento de plantas resistentes a herbicidas, que será personalizado para uso na região Oeste da Bahia.
Combate às pragas
A Fundação Bahia atua como parceira da Embrapa no desenvolvimento de pesquisas e descobertas. De acordo com o gerente geral da fundação, Nilson Vicente, nos anos de 2002 e 2003, a principal doença da soja, a ferrugem asiática, dizimou grande parte das lavouras, gerando um prejuízo de mais de R$ 2 bilhões. “Depois, a ramulária atacou o algodão. Foi o início do nosso trabalho”, contou.
Desde então, o corpo técnico da fundação fez uma rede de ensaios para monitorar estas doenças e começou a desenvolver, em parceria com a Embrapa, pesquisas para diagnosticar, estudar a doença e desenvolver ferramentas que pudessem controlá-la. Ele explicou que, além disso, a fundação também analisa e testa os produtos químicos que podem ser eficazes para uso nas plantações.
“Nosso papel é saber se essas moléculas – e quais delas que compõem os produtos químicos – estão funcionando. Muitas vezes, o produtor acabava usando um produto que não é bom, perdendo tempo, o investimento e a lavoura. A sugestão da fundação é colocar produtos que realmente estão ativos para manejar aquela doença. Cada cultura tem a sua doença predominante”, explicou Vicente.
“As novas tecnologias disponíveis diminuíram o uso de inseticidas e aumentaram a produtividade da soja. Além disso, mesmo se não chover o que é necessário para a lavoura, as inovações possibilitam o mesmo ganho de produtividade e evitam que o produtor tenha grandes prejuízos. Com elas, foi possível melhorar a produção em 40% e alimentar mais pessoas”, disse o gerente da Fundação Bahia.
Ele relata que foi a partir de 2014 que o uso de biológicos ganhou destaque no manejo das doenças da soja e do algodão e começou a ser utilizado com mais intensidade. “São agentes que estão na natureza, micro e macrorganismos que atuam como predadores naturais das pragas. Pode ser um vírus, um fungo, uma bactéria, um inseto. É possível multiplicá-los e usá-los na agricultura, fazendo um controle natural de pragas até então sem controle”, esclareceu.
Vicente explica que o uso dos biológicos é menos agressivo e melhor para quem está aplicando, para o meio ambiente, para a saúde das plantas e para o produtor, além de reduzir o uso de defensivos agrícolas químicos. “É melhor para toda a sociedade. E, a cada dia, as pesquisas estão disponibilizando mais biológicos”, explicou.
A Fundação Bahia pesquisa e utiliza biológicos que possam melhorar o produto químico ou substituí-lo, dando suporte ao produtor rural, além de estudar as variedades da soja e do algodão que têm resistência ou tolerância às pragas. Os pesquisadores também têm trabalhos de solo, de sistema de manejo, de rotação de culturas, de uso de palha para fazer cobertura e proteção do solo, e trabalhos de campo, além de testar produtos e tecnologias que chegam ao mercado para saber se eles realmente são eficazes.
Drone localiza problema e direciona aplicação de produto
A inovação mais florescente hoje no Oeste é o cultivo da cadeia produtiva do cacau, bem-sucedida fora do sistema cabruca (sombreamento na Mata Atlântica), além dos cultivos de mangas e bananas. No mesmo sentido, o diretor executivo da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), Gustavo Prado, informou que, com as tecnologias desenvolvidas pela Embrapa, hoje a Bahia é o segundo maior produtor de algodão do Brasil e possui a quinta maior frota de aviação agrícola do País para pulverização dos defensivos agrícolas em toda a propriedade.
“Agora, são os drones que estão muito fortes entre os produtores”, comentou Prado. “Eles localizam onde há o problema em toda a lavoura, e fazem a aplicação de produtos químicos somente naquela moita que está doente”, explicou. Também monitoram as plantações, fazendo com que o produtor deixe de andar a fazenda inteira. Prado informou que há uma tecnologia sendo desenvolvida já na semente do algodão, para torná-lo mais resistente à praga, aumentando a sua eficácia em mais de 80%.
Como parte da equipe de assessoramento do secretário de Agricultura, Pesca, Irrigação, Aquicultura e Pecuária do estado da Bahia (Seagri), Wallison Tum, o médico veterinário Paulo Emílio Torres explicou que o órgão é parceiro da Abapa, da Aiba, da Fundação Bahia e dos produtores rurais, apoiando e referendando institucionalmente as atividades de pesquisa, além de disponibilizar recursos e implementos agrícolas para o agropecuarista.
Torres explicou que a Seagri “escuta e ausculta” os problemas dos produtores, além de se aprofundar nas demandas do agronegócio baiano para a busca de soluções, através da articulação institucional com os diversos atores do setor.
“Às vezes, é um problema de logística, de infraestrutura ou de energia, de crédito no banco, de tributação ou de questões ambientais, e a gente vai conversar com outras secretarias, com a Coelba, com os pesquisadores, com a defesa sanitária, e junta os atores para a resolução dos desafios enfrentados pelo produtor, apresentando soluções”, detalhou Torres.
Eficiência em alta
O superintendente de Inovação, Tecnologia e Desenvolvimento Territorial da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Erick Rojas, que lidera as pesquisas na área, explicou que há muita incorporação de tecnologias no agronegócio baiano que aumentam a competitividade das lavouras da região. Há também muitas inovações mais efetivas nas formas de gestão de todo o processo e na análise de dados que fazem a região Oeste uma das mais eficientes do mundo. “A adoção de tecnologias de inovação permite que você produza com mais eficiência e produtividade na mesma área anterior, sem precisar incorporar novas áreas desmatadas”, comentou.
Além do uso de drones que fazem a captura de imagens nas fazendas para analisar o solo e o uso de tecnologias complexas, como os satélites e maquinárias modernas da indústria 5.0, o professor chamou a atenção para o aparecimento de startups que estão desenvolvendo tecnologias a serviço dos produtores das cadeias de valor que aumentam a produtividade, reduzem os custos, aumentam a competitividade e o crescimento da região, apesar dos problemas climáticos e longas estiagens.
Segundo ele, já há startups fazendo uso da inteligência artificial e há muito talento local que gera novas empresas tecnológicas. “Essa onda de inovações e tecnologias não são só para os grandes produtores. Os pequenos, que cultivam cadeias curtas locais e que não estão no mercado internacional também se beneficiam”, ressaltou.
Ele informou que hoje, há uma grande preocupação com o que fazer com as sobras das plantações, e transformá-las em subprodutos, dando um destino melhor do que o descarte simples. “Já há pesquisas para usar o caroço do algodão para a fabricação de tijolos e pré-moldados”, anunciou o professor.
Sérgio Abud, da Embrapa: ‘Foi o trabalho de genética que permitiu o cultivo’
O supervisor da área de Transferência de Tecnologias da Embrapa Cerrados, Sérgio Abud, explicou que os primeiros trabalhos de pesquisas que a Embrapa desenvolveu foi no solo do Oeste, que era ácido e pobre, passando a ficar fértil com correção de ph que viabilizasse o plantio de uma diversidade imensa de culturas, tendo o milho, a soja e o algodão como principais, no início da década de 1980.
Ao mesmo tempo, após o ano 2000, foram desenvolvidas novas variedades de soja e de algodão adequadas e uma genética de milho adaptada para a região, todas selecionadas com maior adaptabilidade ao cerrado.
“Foi o trabalho de genética que permitiu o início dos cultivos no Oeste da Bahia. E para resolver o problema das condições climáticas com distribuição irregular, foram desenvolvidas tecnologias para manter a umidade do solo”, informou o pesquisador.
O manejo integrado de pragas e doenças com microrganismos biológicos reduziram o prejuízo das lavouras. “A Embrapa busca uma série de inovações que possibilitam maior produtividade e rentabilidade ao produtor, o que significa que ele pode empregar mais pessoas, remunerar melhor a mão de obra e desenvolver economicamente a região”, destacou Abud.
A Fundação Bahia realiza eventos para a transferência de tecnologia aos produtores. “Nós pesquisamos e compartilhamos o resultado das pesquisas com os produtores rurais, engenheiros agrônomos, consultores das fazendas e outras empresas. Todo o nosso conhecimento é de domínio público e gratuito para os produtores, para os profissionais e os estudantes que querem se capacitar e qualificar, e também para as associações. E a Bahia sai na frente, porque os outros estados não têm uma estação do nosso porte. A ciência é a grande força do agronegócio”, afirmou Nilson Vicente, gerente geral da fundação.
GPS a serviço da produção
O gerente de Infraestrutura da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), Luiz Stalke, ressaltou a contribuição para as lavouras de equipamentos como os sensores de geolocalização (GPS) controlados pelo celular, aliado ao monitoramento por imagens de satélite, que controlam com precisão a quantidade de fertilizantes a serem utilizados no plantio da soja, o que traz agilidade e redução de custos. “Às vezes, não é necessário fazer a mesma adubação em toda a área. Assim se consegue aumentar a produção e o rendimento da área plantada, sendo eficiente no uso dos insumos e garantindo a única safra que a soja tem por ano”, explicou. “Sempre buscamos novas variedades, novas técnicas de manejo e novas soluções para os problemas, e a pesquisa traz isso para a gente”, concluiu. Atualmente, são 1.300 produtores cadastrados na Aiba.
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