REVERÊNCIA E TRADIÇÃO
Casa de Oxumarê presenteia Iemanjá neste 2 de Fevereiro
Com o tema “Abeocutá: A cidade de Iemanjá” o terreiro prepara a coroa ecológica para Rainha do Mar
Por Lais Rocha
Um dos mais antigos e tradicionais terreiros de candomblé da Bahia, o Ilé Òsùmàrè Aràká Àse Ògòdó, localizado no bairro da Federação, em Salvador, e conhecido como Casa de Oxumarê, escolheu o tema “Abeocutá: A cidade de Iemanjá”, para celebrar o centenário da festa em homenagem à rainha do mar.
Situada no sudoeste da Nigéria, Abeocutá é a capital do atual estado de Ogun. Após migrações forçadas em decorrência das guerras entre as nações iorubás, a cidade foi povoada pelo povo Egbá. Os migrantes levaram consigo seu culto a Iemanjá, os objetos sagrados e os suportes do axé da divindade, mas não foi possível levar consigo o seu rio. Assim, adotaram o rio Ogum como morada do orixá.
“Resgatando o passado, o nosso legado cultural deixados pelos nossos ancestrais, existe na África a cidade de Iemanjá, que se chama Abeocutá”, ressalta a Ekedji Rosy, em entrevista ao Portal A TARDE.
Assim como muitos dos seus filhos, traficados como escravizados nos navios negreiros, a mãe das águas também cruzou o Atlântico, aportando na costa brasileira. A diáspora africana, ocorrida durante os séculos de regime escravagista, trouxe junto para as Américas os cultos religiosos daqueles seres humanos condenados a uma vida de violência. No entanto, a escravização não foi capaz de subtrair a humanidade da população negra, nem a força da sua fé. Essa religiosidade, somada aos ritos dos mais diversos povos que aqui se encontraram, conseguiram meios de se reunir no novo território e deram corpo a uma nova nova forma de ligação com as suas divindades, o candomblé.
Pertencimento
Com mais de dois séculos de existência, a Casa de Oxumarê foi reconhecida, em 2014, como Patrimônio Material e Imaterial Brasileiro. Hoje liderada pelo Babá Pesé, este espaço atravessou o tempo, migrou de lugar, mas manteve viva a fé que alimenta toda uma comunidade.
“Essa casa, há 40 anos não conduz essa cerimônia. Por um determinado tempo, minha avó conduziu. Minha mãe também. Nos cem anos de Iemanjá, ela retorna a este espaço, e digo que não é por acaso, é a vontade de Iemanjá”, disse Babá Pesé, babalorixá da Casa de Oxumarê.
Mesmo com o tombamento, a realidade material da casa ainda é sensível. O pai de santo responsável pelo Ilé Òsùmàrè Aràká Àse Ògòdó, nos conta que os desafios são muitos. "Os terreiros caminham na dificuldade, principalmente quando é pra se manter e cuidar da estrutura, que não é fácil. Aqui tem uma dinâmica diferente todos os dias, pois chegam pessoas de todas as maneiras pedindo ajuda. Gente com depressão, ou com alguma perda, e o terreiro, com a palavra, às vezes do babalorixá, das ebomis, ou dos mais velhos, ajuda aquela pessoa a sair mais confiante e aliviada. Não prometemos cura, não somos uma religião de ilusionismo. Nossa intenção é que a pessoa se fortaleça na fé para continuar. O terreiro abraça a todos, é um espaço de acolhimento.”
Após dois anos de restrições da festa, por causa da pandemia da Covid-19, a celebração que integra o calendário de eventos populares da Bahia voltará a contar com a presença do público, e o bairro do Rio Vermelho receberá devotos e simpatizantes dos mais diversos locais. Para os adeptos do candomblé, essa retomada tem um significado especial, principalmente porque, como pontua a Ekedji Rosy, "a festa de Iemanjá é uma celebração que nos pertence, tem o pertencimento de religiosidade de matriz africana".
O sacerdote da Casa de Oxumarê, Babá Pesé, relembra que nesses dois anos, de algum modo, o povo de santo não pôde parar. "Nós ficamos internamente, louvando, pedindo, rezando, continuando com as nossas funções religiosas, não de forma aberta, porque era o desconhecido, nós não sabíamos como tratar, mas pedíamos força.”
Além da pandemia, outro grande desafio enfrentado pelos terreiros é a intolerância religiosa, esta ação violenta, muitas vezes com um caráter racista, que atenta contra o direito à liberdade de manifestação da fé. O babalorixá da Casa de Oxumarê compreende que "esse preconceito também com religiões de matriz africana, é porque não é uma religião que veio da Europa, é uma religião que veio da África".
Rosas ao mar
A preparação para a retomada dos festejos no dois de fevereiro teve início muito antes de 2023 começar. A liturgia compreende várias semanas de preparação, fazendo os preceitos, para que tudo transcorra positivamente nesse dia tão esperado.
A Ekedji Rosy foi enfática ao abordar o caráter ecológico do presente dado à mãe das águas: "Para agradar Iemanjá hoje, é necessário ter consciência. O que Iemanjá quer no mar? O mar é a casa dela. Sempre queremos a nossa casa arrumada, então, não se pode jogar detritos no mar. Podemos dar flores e perfume, mas sem o frasco, sem o plástico."
O cuidado com o meio ambiente, principalmente com a poluição dos oceanos e a importância de utilizarmos presentes biodegradáveis na Festa de Iemanjá, foi debatido em um seminário que ocorreu na última terça-feira, 31, na própria Casa de Oxumarê, com o tema "Os oceanos nas ondas do mar de Iemanjá". Ao reforçar a necessidade de que os presentes oferecidos sejam sustentáveis, a Ekedji Rosy lembrou de que atentar contra o equilíbrio da natureza é agir contra a vida, e finalizou afirmando que “orixá é natureza viva!”.
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