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Regulamentação de motoristas de apps gera insatisfação em Salvador

PL que garante alguns direitos aos trabalhadores foi remetido pelo Poder Executivo para o Congresso Nacional

Publicado segunda-feira, 11 de março de 2024 às 06:00 h | Atualizado em 11/03/2024, 08:13 | Autor: Jane Fernandes
O condutor cadastrado terá um desconto de 7,5% sobre seu salário de contribuição
O condutor cadastrado terá um desconto de 7,5% sobre seu salário de contribuição -

O tom otimista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao apresentar o Projeto de Lei para regulamentação dos motoristas de aplicativo não tem sido compartilhado pela categoria nem pelos usuários do serviço. Embora a maioria ainda tenha dúvidas sobre a proposta, a expectativa de aumento no preço das corridas - com impacto negativo no volume da clientela - é quase unanimidade entre os condutores e passageiros entrevistados por A TARDE na última semana.

Após quatro anos como motorista de aplicativo, Edvane Pinheiro Viana, 58 anos, pretende abandonar as plataformas caso o Projeto de Lei (PL) seja aprovado. Em sua avaliação, as condições atualmente oferecidas são ruins: “insegurança, valores das corridas muito baixo contra despesas com manutenção, combustível, seguro”. No entanto, ela acredita que a tendência é piorar.

“O que vemos é uma proposta que diminui o valor dos ganhos do motorista, além da tributação do nosso serviço, que só privilegia o governo e os donos de aplicativos”, declara Edvane, que opera com Uber e Indrive, e entrou no mercado para complementar a renda.

Rodando com aplicativos de transporte há cinco anos, após ficar desempregado, Eric Silva dos Santos, 41, diz não perceber ganhos no PL. “Estou vendo que muitos não conseguiram mais trabalhar devido já ter os custos alto, e provavelmente ficará mais caro para o passageiro também. Será um trabalho que ficará escasso com o tempo”, comenta. Atualmente ele trabalha com Uber, 99 e Indrive.

De acordo com o estabelecido no Projeto remetido para o Congresso, a contribuição para a previdenciária torna-se obrigatória e tem participação tanto das empresas quanto dos motoristas. O condutor cadastrado terá um desconto de 7,5% sobre seu salário de contribuição (um quarto do faturamento mensal) e as plataformas de transporte pagarão o correspondente a 20% da remuneração à Previdência Social.

Para o motorista Matheus Phelippe de Melo, a obrigatoriedade dessa contribuição é um dos poucos pontos positivos do PL, desde que seja um “valor justo, um valor real, que considere a nossa realidade do dia a dia, porque a gente não ganha rios de dinheiro”. Prestes a completar três anos rodando com os aplicativos Uber e 99, ele também considera interessante o efeito do PL na criação e reconhecimento de uma categoria de trabalhadores.

Matheus espera que a regulamentação dos motoristas de aplicativo abra espaço para a concessão de benefícios futuros e recorda como ficaram de fora dos programas de auxílio durante a pandemia, ressaltando que taxistas e caminhoneiros foram contemplados. “Em relação ao pagamento dos impostos do carro, o IPVA, por exemplo, a gente não tem nenhum benefício e até o momento o projeto não falou nisso”, comenta.

Matheus Phelippe roda há três anos como motorista
Matheus Phelippe roda há três anos como motorista |  Foto: Rafaela Araújo/ Ag. A TARDE

As dúvidas sobre o real significado dessa regulamentação são as principais motivadoras das preocupações dos passageiros. É o caso do corretor de seguros Nilson Ferreira, 54 anos, ao questionar o reconhecimento de vínculo trabalhista entre os motoristas e as plataformas. Em sua avaliação, a criação desta relação desestimularia a operação das empresas e também tiraria oportunidades desses trabalhadores.

No entanto, o temor de Nilson não tem suporte no previsto no PL, que reafirma o caráter autônomo dos motoristas de aplicativo. “Vocês acabaram de criar uma nova modalidade no mundo de trabalho. Foi parida uma criança no mundo trabalho. As pessoas querem autonomia, vão ter autonomia, mas precisam de um mínimo de garantia”, reforçou o presidente Lula após a assinatura do Projeto.

Segundo divulgado pelo governo federal, o PL é resultado de um grupo de trabalho, criado em maio de 2023, com a participação de representantes do governo, trabalhadores e empresas. Em nota, o Sindicato dos Condutores Autônomos Cadastrados em Aplicativos da Bahia se opôs ao Projeto, entre as mudanças que desejam está o pagamento pela combinação de quilometragem rodada e tempo gasto, em lugar da hora trabalhada tomada por base no texto enviado ao Congresso.

A assistente social Mariana Silva, 32 anos, tem achado o serviço oferecido pelas plataformas cada dia pior e teme que os preços aumentem se o Projeto for aprovado. “Já está bem difícil agora, a gente pede um carro e cancelam várias vezes”, reclama, acrescentando que mesmo com os problemas, se deixar de ter será pior.

Enquanto usuários parecem preocupados com a reação das plataformas, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) afirma que o PL “confere segurança jurídica para as empresas investirem no Brasil e agrega benefícios para os trabalhadores, como inclusão no sistema previdenciário”. As empresas Uber e 99 integram a entidade.

Entre os motoristas, uma dúvida comum é quanto à fixação de uma remuneração horária, calculada com base no salário mínimo vigente no país. Circula entre os trabalhadores, a informação de que R$ 32,09 seria um valor limite para cada hora rodada, mas o presidente da Associação Baiana de Advogados Trabalhistas (Abat), Rodrigo Olivieri, esclarece que o Projeto não estabelece qualquer restrição à remuneração máxima para a categoria.

Apenas um quarto da remuneração mínima por hora é computado como salário efetivo e servirá de base para o cálculo da contribuição previdenciária: R$ 8,02. Os outros R$ 24,07 são destinados à cobertura dos custos operacionais, como combustível, manutenção do veículo, seguro, uso do celular e outros.

Projeto põe fim à insegurança jurídica

Na avaliação do presidente da Associação Baiana de Advogados Trabalhistas (Abat), Rodrigo Olivieri, os ganhos oferecidos pelo Projeto de Lei (PL) para os motoristas de aplicativo são pequenos, mas não deixam de configurar um avanço. Os grandes beneficiados em caso de aprovação seriam o governo, que garante arrecadação previdenciária, e as plataformas de transporte, especialmente pondo fim às discussões sobre vínculo trabalhista.

Assim que o PL foi assinado e enviado para o Congresso, a Uber pediu a suspensão de um julgamento de um processo que a própria empresa tinha remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF). O primeiro aplicativo de transporte particular a operar no Brasil tentava mudar o entendimento mais comum da Justiça do Trabalho, que tem reconhecido vínculo na maioria das ações impetradas por motoristas.

O Projeto nega essa vinculação e cria uma nova categoria de trabalhador no país, ao estabelecer que o motorista de aplicativo “será considerado, para fins trabalhistas, trabalhador autônomo por plataforma e será regido por esta Lei Complementar sempre que prestar o serviço, desde que com plena liberdade para decidir sobre dias, horários e períodos em que se conectará ao aplicativo”.

Para Olivieri, o fim da insegurança jurídica acaba sendo positivo de forma geral: “é uma relação atípica de fato, a gente não tem nada que trate sobre esse tipo de contrato de trabalho na nossa legislação. Agora, bem ou mal, vai existir”. Ele ressalta a possibilidade do PL sofrer mudanças durante a sua tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, então a Lei aprovada pode se distanciar do texto remetido pelo Executivo.

Outros pontos previstos no PL

- Inexistência de qualquer relação de exclusividade entre o trabalhador e a empresa operadora de aplicativo.

- Inexistência de quaisquer exigências relativas a tempo mínimo à disposição e de habitualidade na prestação do serviço.

- O período máximo de conexão do trabalhador a uma mesma plataforma não poderá ultrapassar doze horas diárias.

- Criação de sindicato de trabalhadores e patronal, que terão como atribuições a negociação coletiva, a celebração de acordo ou convenção coletiva, e a representação coletiva dos trabalhadores ou das empresas nas demandas judiciais e extrajudiciais de interesse da categoria.

- Permite a aplicação de normas e sanções pelas empresas com objetivo de garantir a segurança de todos e garantir a qualidade dos serviços, além da oferta de cursos e treinamentos, sem que isso configure relação de emprego.

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