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CASO CRISTAL PACHECO

"Tentando sobreviver", diz casal após condenação de assassina da filha

Cristal Pacheco, de 15 anos, foi morta durante assalto em 2022. Mãe e irmã mais nova testemunharam crime

Por Gabriel Gonçalves

04/05/2024 - 6:00 h
Pais de Cristal se dizem preocupados com a possibilidade da diminuição da pena da assassina da filha
Pais de Cristal se dizem preocupados com a possibilidade da diminuição da pena da assassina da filha -

“A gente está tentando sobreviver ao dia-a-dia, pedindo forças a Deus para continuar seguindo”. “A gente tenta não sofrer com o dia-a-dia. Essa é a nossa batalha. Mas a lembrança e a saudade ficam”. Os relatos são de Sandra e Sérgio Pacheco, pais da adolescente Cristal Pacheco, morta a tiros quando tinha 15 anos, durante um assalto ocorrido em 2022, no Centro de Salvador. A segunda acusada de cometer o crime foi condenada na última quarta-feira, 01, a 24 anos de prisão - a outra recebeu a mesma pena em 2023.

Cristal estava a caminho da escola, a poucos metros de casa, acompanhada da mãe e da irmã mais nova, à época com 11 anos. Elas foram abordadas por duas mulheres que exigiram celulares, o anel e o relógio de Sandra, porém, mesmo sem as vítimas reagirem, uma das criminosas atirou no peito de Cristal, que não resistiu.

Cristal foi morta a tiros, durante um assalto, quando tinha 15 anos
Cristal foi morta a tiros, durante um assalto, quando tinha 15 anos | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Um ano e nove meses depois, com as duas acusadas condenadas, Sandra e Sérgio contam que travam uma luta diária para não sucumbirem à saudade da filha mais velha.

“A lembrança e a saudade são as coisas mais… Não sei se confortam ou se entristecem. Porque você lembra sempre. Vira e mexe, se eu olhar cada canto [da casa], aquilo ali foi ela quem escolheu, aquela flor, aquele elefante branco foi ela quem escolheu numa viagem que a gente fez. Conviver com a lembrança é inevitável, agora sofrer com ela que é a batalha. A gente tenta não sofrer com o dia-a-dia. Essa é a nossa batalha. Mas a lembrança e a saudade ficam. Não tem como”, diz Sérgio.

“Fotos mesmo eu ainda não consigo ver. Eu não consigo pegar uma foto dela para ver, um vídeo dela”, acrescenta Sandra.

O pai de Cristal destaca que a sensação é de que a perda da filha ocorreu recentemente. “Parece que foi ontem. O sentimento é como se fosse recente. A gente só está aprendendo a conviver com essa falta e com essa saudade, mas que é forte, é. Parece que não tem como diminuir”, fala.

O casal conta que, para os dois, a condenação de Andreia Santos Carvalho, na última quarta-feira, aponta para o fim de um ciclo, mas que a possibilidade da defesa das duas condenadas recorrer da decisão é uma fonte de preocupação.

“[A condenação] dá um certo alívio, porque é como um ciclo que se fecha, é você estar finalmente vendo o resultado da Justiça, mas a gente fica meio apreensivo, porque cabe recurso, e aí você fica sempre naquela coisa: ‘Será que vão reduzir a pena?’, ‘daqui a pouco vai para o regime semiaberto?’. A gente quer que seja uma coisa definitiva, mas na incerteza você acaba ficando inseguro´. Mas, de certa forma, deu um alívio, porque foi concluído o caso. Só desejamos que mantenham a pena”, afirma Sérgio.

“Queremos que se mantenha [a pena de 24 anos]. Que não haja relaxamento, que não haja nenhum outro tipo de empecilho que diminua essa pena”, ressalta Sandra.

O casal conta que, além da falta de Cristal, o crime transformou a rotina e os hábitos da família. Programas simples, como caminhar pela região ou levar a filha mais nova na escola, já não acontecem mais.

“A gente não leva mais nossa filha para escola a pé. A gente contratou um carro que leva ela e traz, e a gente pega ela na porta. Às vezes a gente ia na Avenida Sete, e a gente já não faz isso mais. A gente tem medo. Eu prefiro entrar com ela num shopping, que é fechado, do que ficar numa área aberta. Tem até uma sorveteria que tem aqui embaixo, que a gente passa lá, pega e traz para casa para tomar aqui. A gente não fica lá de bobeira. Infelizmente, a gente tem medo”, revela o pai de Cristal.

“Tirou nossa liberdade. Privou nossa liberdade totalmente, porque a gente saía. Às vezes a gente ia andando para o Mc Donald’s. Teve uma certa vez que a gente saiu daqui umas cinco e pouca da tarde, deu vontade de comer um Mc Donald’s, e fomos até lá na Vitória e voltamos tranquilamente”, lembra Sandra, que acrescenta que a família consegue enxergar mais uma forma de levar uma vida normal.

“Uma vida normal a gente nunca vai conseguir ter. A partir daquele momento em que ela disparou contra minha filha, contra o peito de Cristal, e que essa bala acertou o peito da nossa filha, o que aconteceu a partir daquele momento? Veio a sentença para mim. A sentença da falta, da saudade, da dor… Dia das Mães está vindo, e Cristal não vai estar aqui; dia 13 de junho seriam os 17 anos dela, e ela não vai estar; ela não vai estar com a irmã, não vai estar com a gente, eu não vou mais sentir o cheiro dela, não vou ter mais nenhum contato com ela. Então, nossa vida nunca mais vai ser como antes”, afirma.

Sobre a irmã de Cristal, Sandra conta que, desde o dia do crime, ela não fala sobre o ocorrido. “Fernanda não toca no assunto, Fernanda não quer que fale nada, e a gente também não diz nada. A gente está respeitando o momento dela. Desde quando aconteceu, ela não fala, não toca no assunto, não comenta nada com a gente, e a gente também evita de falar com ela, e ela está seguindo a vida dela do jeitinho dela”, diz.

Quando perguntados sobre como Cristal era, um sorriso brota nos rostos de Sérgio e Sandra, que decreta: “Era muito puxa-saco do pai. Muito, muito puxa-saco”.

Ainda sorrindo, Sérgio conta que Cristal - que queria ser neurocirurgiã e já tinha até comprado um livro de casos médicos - tinha muita personalidade e relembra momentos com ela.

“Quando os filhos começam a ficar adolescentes, procuram aquela identidade, procuram aquele nicho de amizades, então ela estava nesse nível. Ela sabia quais roupas ela gostava, ela sabia o que ela gostava de ouvir. Então, às vezes a gente ia em uma loja que alguma colega dela recomendou. ‘Vamos em uma loja ali no Dois de Julho que vende CD antigo… Ela comprou discos do Skank, de Michael Jackson. Ela me fez comprar uma vitrola, porque ela queria disco de vinil. Eu dizia: ‘Minha filha, ninguém mais ouve disco de vinil, dá para você ouvir tudo online. Mas ela dizia: ‘Mas eu quero uma vitrola e quero um disco de vinil”, recorda Sérgio.

O sorriso no entanto é apagado, quando ele lembra das últimas compras que fez para a filha.

“Depois ela aprendeu a comprar roupa na Shein. As últimas roupas que eu comprei chegaram depois que ela faleceu. Ela nem viu. A gente comprou em começo de julho, e chegou depois de agosto. Aí eu só fiz tirar o lacre, e coloquei na gaveta. Não servem para ninguém aqui vestir. Algumas poucas roupas, Fernanda veste. Agora, tem uma boa parte das roupas que só cabia nela mesmo. E são do estilo dela mesmo, bem manequim, bem apertada. E aí, está tudo guardado. Tem as roupas da escola, as coisas que ela gostava: os livros, os CDs, os bichinhos de pelúcia. Tudo que tinha no quarto dela está guardado nessa parte do guarda roupa”, fala Sérgio.

A força e resiliência da família é exposta, entretanto, quando eles falam sobre as mulheres que tiraram a vida de Cristal. Sérgio diz que queria que elas tivessem uma vida melhor do que a que de fato possuem.

“A gente tem que desejar o melhor para os outros, porque o melhor para os outros é melhor para mim também, porque se os outros estiverem bem, a vizinhança está boa, a rua está boa, o bairro, a cidade, o estado, o país, o mundo. Então, eu não consigo viver bem, se todo mundo ao meu redor está mal. A gente sofre com isso. Se a gente não sofre diretamente, porque a gente não está passando fome, passando necessidade, a gente sofre porque os outros estão sofrendo e isso está atingindo a gente”, afirma.

No entanto, mesmo um casal com tamanha força sucumbe a uma dor tão forte. “Ultimamente, a gente tem até tido algumas coisas que os médicos dizem ser emocional. Ela mesmo apareceu com uma coisa na garganta, foi no médico e ele disse que era emocional. Eu tive síndrome do pânico - graças a Deus estou bem melhor -, e foi depois disso. A gente está se cuidando, firme e forte. A vida continua, mas não é fácil, não”, conta Sérgio.

“A gente está tentando sobreviver, no dia-a-dia, pedindo forças a Deus para continuar seguindo, para ter forças para cuidar de Fernanda e de nós mesmos”, conclui Sandra.

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Tags:

impacto do crime justiça criminal luto familiar resiliência emocional segurança pública violência urbana

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