A TARDE DESTAQUE
Câmeras Corporais da PM dividem opiniões da população; entenda
Temor é de que o uso do equipamento possa inibir e dificultar o trabalho das equipes de segurança
Por Leo Moreira
Promessa de campanha do governador do estado, Jerônimo Rodrigues (PT), a implantação das Câmeras Corporais Operacional (CCO), ou body cams, aos uniformes dos policiais militares é um assunto polêmico, que divide opiniões. Se uma parcela da população, principalmente moradores de bairros periféricos, clama pela imediata instalação do recurso, por acreditar que a medida pode ajudar a esclarecer casos 'obscuros' como o da localidade da Gamboa, onde três pessoas morreram durante uma ação da Polícia Militar, grande parte do efetivo militar não enxerga com bons olhos.
O temor é que o uso do equipamento possa inibir e dificultar o trabalho policial. De todo modo, as câmeras chegam com a missão de mudar drasticamente a segurança pública no estado.
Durante entrevista ao Portal A TARDE, o secretário de Segurança Pública (SSP-BA), Marcelo Werner, revelou que elas começarão a fazer parte do cotidiano do baiano ainda este ano. O titular da pasta reconheceu o receio dos agentes, mas salientou a importância para trazer "transparência" às ações, proteger a população e os próprios policiais.
"É importante ressaltar que a câmara visa dar mais transparência nas ações policiais. Transparência é uma garantia não só do policial, mas do cidadão. É importante que pode servir, inclusive, como meio de prova, não é? Ali já tem às vezes identificado como você [a polícia] chegou a localização, aonde achou aquela droga, aonde localizou aquela arma. Qual foi o tipo de atitude e comportamento daquela pessoa que era meliante ou não. Enfim, visa também a gente poder criar e a melhorar a nossa rotina, a nossa doutrina de abordagem policial, a capacitação policial com base em casos concretos e fazer a valorização e a melhora da capacitação do nosso policial", explicou.
Redução na letalidade
Se a medida é uma solução, ou não, ainda é cedo para dizer, mas, de acordo com um levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a implantação vem dando resultado no estado de São Paulo. Desde o início do 'Programa Olho Vivo', em 2020, os indicadores de uso da força policial apresentaram uma queda significativa. Os estudos apontam que, nas unidades que receberam as câmeras, o total de mortes decorrentes de intervenção policial caiu 80% em comparação aos 12 meses anteriores.
Já conforme a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, essa queda é um pouco menor, porém, ainda expressiva. Este é o menor patamar desde 2001 no estado. Os dados oficiais apontam uma redução de 61% em relação há dois anos, quando as câmeras foram instaladas. Comparado ao ano anterior, essa redução é de 39%.
Os dados ainda apontam que 256 pessoas foram mortas em ações da PM em 2022. No ano anterior, foram relatados 423 casos. Em relação a 2020, a diferença é ainda maior. Na ocasião, foram registradas 659 mortes.
Ainda assim, o uso das CCO gera dúvidas. Nos primeiros dias deste ano, o secretário de Segurança de SP chegou a dizer que iria rever o uso delas. Porém, o governo do estado decidiu pela manutenção da medida.
No âmbito nacional, as câmeras corporais se transformaram na 'queridinha' do Governo Federal. O Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já manifestou a intenção de lançar o programa de câmeras em uniformes de agentes da polícia ainda no primeiro semestre deste ano. O foco seria as polícias estaduais, ou seja, a Polícia Militar, podendo se estender a PRF (Polícia Rodoviária Federal).
Receios da corporação
Apesar da expressividade dos números das pesquisas, não há como ter uma precisão da eficiência de seu uso pela corporação. Para o vice-presidente da Comissão de Direito Militar da OAB-BA, Dinoermeson Nascimento, o assunto é delicado e deveria ser mais discutido antes de sua implementação.
"Você colocar câmera [nos uniformes da PM] vai deixar o policial inibido ao exercício da sua profissão. Porque, se nós observarmos, todo o policial militar responde pelo código penal militar, pelo código de processo penal militar, pelo código penal comum e pelo código de processo comum, além do estatuto da polícia militar que estabelece algumas transgressões disciplinares. Então, você colocar câmera nesse primeiro momento, sem trazer uma discussão com a própria Polícia Militar, aqueles que estão ali na ponta, é uma situação difícil", disse o especialista.
Para ele, as estatísticas que acusam a redução da letalidade da polícia paulista podem levantar outras questões. "Se o policial está inibido no que diz respeito à prestação da sua atividade policial, vão ter determinadas ocorrências que eles não vão. Irão fazer determinados artifícios e não vão. Se não vão para as ocorrências, possivelmente, não vai ter determinados tipos de embate e vai impactar com certeza na quantidade de morte", analisou.
Ainda durante a entrevista ao Portal A TARDE, Werner disse ter ciência dos receios dos agentes, mas reafirmou a importância do equipamento. "Lógico que a gente ouve esse tipo de informação, de sugestão ou preocupação das forças policiais, mas a gente traz esse outro lado da moeda. A gente traz o que vai ganhar a partir daí. Como a gente vai legitimar. A gente confia na nossa força policial. A gente acha que isso vai melhorar a situação. Ainda mais, vai mostrar a realidade”, explicou o titular da pasta, que ainda complementou. "O policial não vai buscar a letalidade, porque ele tem que buscar é o meliante, é a prevenção. Repressão em caso, lógico, de enfrentamento, mas se houver a injusta agressão, se ele tem que fazer o uso da força letal ou do uso progressivo da força, a imagem vai justamente legitimar essa situação.
Clamor da população
Motivo de preocupação e ressalvas entre os agentes, a instalação do equipamento traz um ar de esperança para parte da população. Se as câmeras já estivessem acopladas aos uniformes dos policiais no dia 1ª de abril de 2022, talvez Daniela Guerra não tivesse derramando lágrimas pela perda de seu filho, Marcelo Felipe Guerra dos Santos Rocha, na ocasião com apenas 18 anos.
"Eu tenho certeza que o uso de câmeras na farda dos policiais irá diminuir consideravelmente esses crimes que ficam com a fama da famosa troca de tiros. Eu tenho certeza que se aqueles policiais já utilizassem câmeras na farda, ao invés de eles fazer isso, eles teriam feito um trabalho de contenção. Atirariam no pneu se possível, né? Mas não dá tiro nas costas do meu filho e dizer depois que foi troca de tiro", contou a mãe ao Portal A TARDE.
Segundo a Polícia, Marcelinho, como era mais conhecido, foi morto após efetuar disparos contra uma guarnição do pelotão Asa Branca, da Polícia Militar, na Avenida Presidente Dutra, em uma tentativa de furar uma blitz. A família contesta esta versão.
"Infelizmente nada vai trazer a vida do meu filho de volta, mas isso não me impede de lutar pela justiça. Meu filho sempre preservou o nome dele em vida. Eu não posso permitir que, depois de morto, ele venha ter a sua imagem suja. Não houve confronto algum e sim uma execução", completou.
O Ministério Público estadual apresentou a denúncia contra os policiais militares Jaqson Brito Costa e Fábio Moura Matos pelo homicídio de Marcelo Felipe Guerra dos Santos Rocha, a qual foi recebida, em 30 de março, pela Vara do Júri de Feira de Santana. Segundo o MP, o processo encontra-se em fase de citação dos réus para apresentação de defesa.
As imagens registradas pelas câmeras corporais também trariam à luz outros casos repletos de controvérsias. Ainda no mês passado, quatro policiais militares investigados pelas mortes de Alexandre Santos dos Reis, Cléverson Guimarães Cruz e Patrick Sousa Sapucaia, em março de 2022, durante intervenção policial na localidade de Gamboa de Baixo, foram alvos de uma operação do MP. Cinco mandados de busca e apreensão foram cumpridos nas residências e endereços profissionais em Salvador.
Os agentes são investigados pelas práticas dos crimes de homicídio e fraude processual em um caso cheio de contradições.
No mês passado, um pedreiro, identificado como Rui Andrade, foi baleado e morreu durante uma ação da Polícia Militar. A família diz que a morte foi provocada pelos policiais. Já as equipes, alegam que o pedreiro utilizou uma faca para avançar em um dos agentes. Na sequência, o PM teria atirado contra Rui. Ele ainda foi encaminhado para o Hospital Roberto Santos, mas não resistiu. A PM informou que "de acordo com informações da Corregedoria, o fato continua em apuração".
Leia também: TJ-BA decide que PM não pode investigar mortes de civis
Um levantamento realizado pelo do Instituto Fogo Cruzado, apontou que 172 pessoas morreram e 48 ficaram feridas durante ações e operações policiais nos últimos seis meses de 2022. Este número representa 34% dos mortos e 29% dos feridos mapeados em toda região metropolitana. Entramos em contato com a Polícia Civil para ter acesso aos dados oficiais, porém, não tivemos a solicitação atendida até o fechamento desta reportagem.
Como as câmeras irão funcionar
O Portal A TARDE conversou com o Superintendente de Tecnologia da SSP, o coronel Marcos Oliveira, para entender e explicar ao leitor como irão funcionar as tais câmeras corporais. Inicialmente, a ideia é que sejam adquiridas 3,1 mil câmeras em modo de serviço, ou seja, pagando pela utilização delas. Segundo o coronel, o equipamento será implantado nos grandes centros e se expandirá gradativamente.
"No primeiro momento, a gente vai fazer um saque de mil câmeras. Elas serão colocadas em algumas unidades estratégicas que fazem trabalho diretamente no policiamento de rua com a população. Então a gente vai vendo, testando, melhorando, aprimorando o processo. Até como foi com reconhecimento facial".
O oficial revelou que o processo interno de licitação deve ser concluído nos próximos dois meses e garantiu que, ainda em 2023, elas já estarão incorporadas aos uniformes dos policiais. "De início, o equipamento será implantado em unidades de Salvador, Região Metropolitana e outros grandes centros. A partir daí, após o período de avaliação, será estendido para as cidades menores. No entanto, ainda não há uma previsão de quando todo o estado será contemplado".
As imagens farão parte da "cadeia de custódia de evidências, onde todas as imagens de atuação policial serão preservadas". 25% delas irão transmitir imagens em tempo real para o centro de comando. Já as demais, terão as gravações armazenadas.
Este armazenamento deve acontecer de duas formas. As gravações de ocorrências serão guardadas pelo período de 12 meses. Já as de turno de serviço ficarão disponíveis por 60 dias.
Cada câmera deve custar cerca de R$ 1,4 mil ao mês para os cofres público. Além de imagens de vídeo, os equipamentos também terão a capacidade de capturar áudio e emitir a localização geográfica de onde o agente estiver.
SISTEMA DE GESTÃO DE EVIDÊNCIA:
O software irá controlar os dados produzidos pelas Câmeras Corporais Operacionais (CCO) e outros sistemas de produção de evidência digitais, desde a sua tomada no local dos fatos até o seu compartilhamento ou envio definitivo a outros órgãos, ou eliminação do sistema, garantindo a cadeia de custódia de evidências.
CÂMERAS CORPORAIS:
Câmera individual para uso no uniforme com capacidade de captação, gravação e transmissão de áudio, vídeo e localização geográfica; com armazenamento de dados em nuvens. Será utilizada junto ao corpo (uniforme) do policial ou agente de segurança.
INFRAESTRUTURA DE CONECTIVIDADE:
Ligação em rede de comunicação que possibilita o acesso e a troca de dados e informações entre as unidades e entre estas e os demais órgãos e entidades do Estado.
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