BAHIA
É possível ser cristão e LGBTQIA+? Jovens de Salvador vivem dilema
Iniciativa nascida em Salvador acolhe fiéis LGBTQIA+ que buscam viver a fé católica sem abrir mão da própria identidade

Por Iarla Queiroz

A igreja, mais do que um templo físico, é — ou deveria ser — um lugar de encontro, acolhimento e partilha. Um espaço onde se divide as dores, se aprende a amar o próximo e se busca uma conexão mais profunda com Deus e com o outro.
Nos últimos anos, esse conceito de igreja como abrigo da diversidade tem ganhado força, especialmente com o incentivo do Papa Francisco, que se tornou uma das vozes mais abertas ao diálogo com a comunidade LGBTQIA+ dentro do catolicismo.
“Quando você pede uma bênção, você expressa um pedido de ajuda de Deus, uma oração para poder viver melhor, uma confiança num pai que pode ajudá-lo a viver melhor”, escreveu o pontífice ao comentar sobre a bênção de casais homoafetivos.
Grupo de Diversidade Cristã: pioneirismo na Bahia
Hoje, existem diversos grupos de acolhimento voltados à comunidade LGBTQIA+ dentro da Igreja Católica. Em Salvador, o Grupo de Diversidade Cristã foi o primeiro da Bahia criado com o propósito de acolher e cuidar de pessoas LGBTQIA+ que buscam viver sua fé sem abrir mão de quem são.
Se a Igreja coloca uma alfândega em sua porta, ela deixa de ser a Igreja de Cristo
Gabriela Cunha, integrante do grupo, acredita que, apesar dos desafios, o diálogo tem avançado.
“A Igreja é um espaço muito diverso e amplo, mas a doutrina católica, oficialmente, ainda é bastante negativa em relação às pessoas LGBT. Existe a conotação de pecado, de condenação, um pedido de negação da própria natureza... Mas temos visto progressos.”

Um lugar seguro para viver a fé
O Grupo de Diversidade Cristã nasceu na Paróquia Ascensão do Senhor, localizada no Centro Administrativo da Bahia (CAB), em Salvador. Lá, dezenas de jovens encontram um ambiente seguro, acolhedor e cheio de afeto — um lugar onde as diferenças não afastam, mas unem.
“No sentido pastoral, a Igreja tem se tornado um espaço de acolhimento maior, onde podemos ser quem somos e também vivenciar nossa fé. É um caminho a ser trilhado, muito mais do que um destino pronto”, completa Gabriela.

Para Re Vieitas, mulher trans e paroquiana da Ascensão do Senhor, o grupo é um verdadeiro refúgio. Ela conta que o acolhimento da paróquia tem sido essencial para que siga firme em sua caminhada de fé.
“A realidade de pessoas LGBT no Brasil nos entristece e consome — ainda mais para pessoas trans, num país que mais mata as nossas. É aí que o grupo se torna um lugar de cura, amor e recarga, para continuarmos na Igreja e lutando pelos nossos direitos no mundo.”

Uma rede nacional de apoio
A Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT+ reúne iniciativas que buscam integrar fé e diversidade dentro da Igreja Católica no Brasil. Nascida a partir do Diversidade Católica (RJ), em 2007, a Rede se expandiu por diversas cidades, promovendo acolhimento, oração e diálogo inclusivo. Atua de forma independente, porém em comunhão com a Igreja, conectando fiéis LGBTQIA+ no Brasil e no mundo.
Origem e Expansão
- 2007 – Diversidade Católica (Rio de Janeiro): primeiro coletivo leigo de católicos LGBT no Brasil.
- 2014 – Criação da Rede Nacional: uniu diversos grupos locais, reunindo atualmente mais de 20 coletivos em diferentes cidades.
Leia Também:
Exemplo de grupos integrantes:
- Diversidade Católica (RJ)
- Grupo de Salvador
- MOPA – Movimento Pastoral LGBT Marielle Franco (SP)
- Abraço Cristão – acolhe LGBTs, familiares e amigos.
Missão e Atuação
- Promover espaços seguros de fé, diálogo e convivência para pessoas LGBTQIA+.
- Realizar encontros, formações e celebrações inclusivas dentro da vivência católica.
- Reafirmar que o Evangelho é para todos, sem exclusão.
Parcerias e Comunhão
Atua em comunhão com a Igreja Católica, mas com autonomia organizacional.
Filiada a:
- Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB)
- Global Network of Rainbow Catholics (GNRC)
Mantém diálogo com redes internacionais de católicos LGBTQIA+, fortalecendo a partilha de experiências e espiritualidade inclusiva.

Fé, acolhimento e resistência
Como destacou o Papa Francisco em uma de suas falas mais emblemáticas: “O Evangelho é para todos. Eu também sou um pecador. Se a Igreja coloca uma alfândega em sua porta, ela deixa de ser a Igreja de Cristo.”
Para os integrantes do Grupo de Diversidade Cristã, essa mensagem se concretiza no cotidiano. A experiência de fé, antes marcada por medo e rejeição, tem se transformado em espaço de cura e partilha.
Re Vieitas, integrante do grupo, lembra do início de sua trajetória:
“No início tive meus receios, mas uma amiga me incentivou a ir para a Paróquia... a inserção no grupo foi um mergulho. Acredito que por ser um espaço onde as pessoas compartilham das mesmas dores e vivências parecidas.”
Desde então, sua caminhada tem sido de reencontro e fé:
“A experiência tem sido incrível. Desde que entrei em julho de 2024, já pude participar de vários momentos que me fortaleceram junto ao grupo... momentos de muita emoção e representatividade.”
Hoje, ela realiza a Iniciação à Vida Cristã para o batismo e a Crisma, marcando uma etapa importante na sua história dentro da Igreja. “Tem sido uma trajetória de grandes aprendizados com os catequistas e com as pessoas que estão nessa turma”, conta.

A convivência com o grupo, diz, é o que mantém sua fé viva. “O grupo, junto com a fé, o amor de Cristo e a vivência cristã, é um dos grandes pilares para me dar forças para continuar na minha caminhada católica. Existe um acolhimento poderoso que, em muitos momentos, quando a triste realidade de pessoas LGBTs no Brasil nos entristece e consome — principalmente para pessoas trans, num país que mais mata as minhas"
o grupo se torna um lugar de curas, amor e recarga para continuarmos na Igreja e lutando pelos nossos direitos no mundo
Gabriela resume esse sentimento de pertencimento ao lembrar o que a move a permanecer na caminhada:
“O grupo é um grande incentivo para permanecer na Igreja, para ainda ter fé e para colocar os nossos dons a serviço do Reino de Deus. Ajuda a nos lembrar do amor incondicional de Deus por todos e de como todos temos algo a oferecer em serviço.”

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