Ferbasa sonega documentos em mais uma busca e apreensão frustrada

A novela envolvendo o herdeiro do empresário José Carvalho e a Companhia Ferro Ligas da Bahia, a Ferbasa, teve mais um capítulo na última quarta-feira, 8, e, ao que tudo indica, está longe de um desfecho.

Um novo mandado de busca e apreensão foi expedido pela Comarca de Pojuca, onde a empresa e a Fundação que leva o nome do fundador estão sediadas. O objetivo seria comprovar a movimentação financeira da companhia de 1975 até 2012.

A empresa, no entanto, apresentou apenas cópias dos documentos solicitados, sem os devidos originais para conferência, incluindo entre os volumes encadernados 200 páginas em branco. Nesse mesmo volume, o “termo de encerramento” atesta a existência de 500 folhas numeradas, sendo que apenas 298, de fato, continham alguma informação.

Diante disso, a oficiala de justiça designada para cumprir o mandado, Edlene de Freitas, se recusou a receber os documentos e o mandado, mais uma vez, não foi cumprido.

A TARDE acompanhou ´in loco´ as diligências para cumprimento a ordem judicial, embora a reportagem tenha sido impedida de ingressar nas instalações de ambos os alvos do mandado.

As informações e as fotos dos arquivos apresentados, no entanto, encontram-se disponíveis nos autos do processo. A reportagem tentou contato com os representantes da empresa, os advogados José Lauria e Geraldo Augusto Ramos Silva Júnior, mas os mesmos se recusaram a responder as perguntas de A TARDE.

Veja vídeo do momento em que os advogados da Ferbasa (à esquerda) recebem a oficiala de justiça e o advogado do herdeiro:

O posicionamento da empresa se deu através de nota enviada através de sua assessoria (leia a íntegra ao final da matéria), em que, apesar de admitir a responsabilidade de guarda dos documentos originais, não indica onde os mesmos estariam arquivados.

A TARDE solicitou que fosse informada a localização dos originais, mas a assessoria alegou que a resposta já se encontrava na nota enviada à reportagem. Na certidão lavrada pela oficiala de justiça, no entanto, há o registro de que os representantes da empresa informaram que os originais, em torno de 35 mil páginas, se encontravam na empresa copiadora onde foram realizadas as cópias apresentadas e que não houve tempo hábil para leva-las de volta à empresa.

Herdeiros necessários

Outro ponto levantado na nota da Ferbasa é o fato de a dotação das ações da Ferbasa à Fundação José Carvalho - único caso no país de uma empresa de capital aberto controlada por uma fundação -, foi feita em vida pelo próprio fundador “há quase 50 anos” e que “durante 30 anos não foi contestada judicialmente”.

Em contato com especialistas em direito sucessório, a reportagem apurou que, de acordo com o artigo 1.846 do Código Civil, a doação integral de patrimônio é vedada, uma vez que 50% da riqueza acumulada pertence, obrigatoriamente, aos “herdeiros necessários”, que incluem ascendentes, descendentes ou cônjuges.

Portanto, a menos que o dono da fortuna consiga gastar todo seu dinheiro e dilapidar completamente todo o seu patrimônio em vida, metade do que ele acumulou não pode ser doado e deve, necessariamente, ser repassado aos herdeiros.

Esse é o motivo pelo qual José Eduardo Cabral de Carvalho, único filho vivo e, consequentemente, único herdeiro de José Carvalho, acionou a fundação que leva o nome de seu pai e a Ferbasa para ter acesso à sua herança, da qual alega ter recebido um valor irrisório diante do patrimônio acumulado ao longo de décadas.

Entenda o caso

O litígio entre o herdeiro de José Carvalho e a controladora da fundação que leva seu nome começou em 2007, com a interdição do mesmo. Com o falecimento do patrono, em 2015, a batalha judicial iniciada em 2012 ganhou novos contornos.

A TARDE acompanhou o caso desde o seu início e noticiou as diversas manobras orquestradas pela administração da empresa e da fundação, que buscaram reverter a decisão tomada pelo judiciário.

Ao longo do processo, seis magistrados se declararam suspeitos. Mesmo assim, em novembro de 2022, os advogados do herdeiro conseguiram um mandado de busca e apreensão contra a Ferbasa e a Fundação José Carvalho.

O juiz André de Souza Dantas Vieira, da vara cível de Pojuca, deferiu a ação cautelar a favor de José Eduardo. Os documentos solicitados serviriam para comprovar os direitos do requerente, bem como os atos irregulares praticados por seu pai, José Carvalho, fundador do conglomerado.

A batalha judicial repercutiu entre os acionistas da empresa, que é de capital aberto e tem ações comercializadas na B3 (bolsa de valores). O temor quanto ao teor dos documentos é outro fator que pode ensejar uma queda do preço das ações.

Em uma das tentativas de cumprimento da busca e apreensão, o oficial de justiça se deparou com um cenário de caos. Pilhas de caixas amontoadas, demonstrando total descaso ou uma tentativa desesperada de ocultar as movimentações da empresa.

A Fundação apresentou ainda um pen-drive que alegou conter as informações requeridas, mas se recusou a fornecer a senha necessária para acessar os arquivos. Nesse meio tempo, a empresa conseguiu obter efeito suspensivo junto ao desembargador Manuel Bahia, que posteriormente se declarou suspeito, depois que se tornou pública sua proximidade do advogado Marcelo Zarif, representante da Ferbasa.

Em 18 de dezembro do ano passado, o desembargador José Jorge Barretto, do Tribunal de Justiça da Bahia, cassou o efeito suspensivo e um novo mandado de busca e apreensão foi expedido juiz titular da comarca de Pojuca, Marcelo de Almeida Costa, na última quarta-feira, 8.

Conforme certidão assinada pela oficiala Edlene de Freitas, a empresa se comprometeu a apresentar os originais na próxima terça-feira, 14. Será necessário mais de um oficial de justiça para conferir todo o material.

Nota oficial Ferbasa

A Ferbasa informa que o mandado de busca e apreensão não pôde ser realizado hoje pois o oficial de Justiça não aceitou levar as cópias dos documentos solicitados sem a checagem com os documentos originais. Ficou programada uma nova visita do oficial para a próxima semana. Cópias de todos os documentos já haviam sido colocadas à disposição no dia 02/05/24. Toda essa documentação, que por lei deve ser mantida na sede da empresa, foi mais uma vez disponibilizada no dia 06/05 e só não ocorreu a entrega porque a Justiça não indicou fiel depositário dos documentos (protegidos por sigilo), o que é uma exigência da lei para cumprimento de qualquer ordem de busca e apreensão.

A Ferbasa esclarece que esses são documentos do período de 1975 a 2012, requeridos em ação judicial iniciada em 2012 pelo Sr. José Eduardo de Carvalho. Esta ação trata de acesso a documentos relativos a um outro processo judicial, acerca da dotação das ações da Ferbasa para a Fundação José Carvalho, conforme desejo do Fundador da Companhia. Essa dotação, que ocorreu há quase 50 anos, seguiu todos os ritos legais e durante 30 anos não foi contestada judicialmente. Não obstante, a Ferbasa, que sempre atua de acordo com as melhores práticas de governança corporativa e transparência, cumpre e cumprirá todas as decisões da Justiça, sem prejuízo do exercício de seus direitos em todas as esferas cabíveis para defesa de seus interesses.