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Psicopatia: A complexa relação de uma existência sem sentimentos

marcada pela ausência de sentimentos"

Por Luan Julião

10/11/2024 - 8:00 h
A violência, muitas vezes atribuída a esses indivíduos, não é uma regra
A violência, muitas vezes atribuída a esses indivíduos, não é uma regra -

A psicopatia, frequentemente retratada como um comportamento ligado à violência extrema, ainda carrega um estigma profundo. Filmes e livros tendem a associar a mente psicopata à imagem de assassinos frios e calculistas, como se todo psicopata fosse inevitavelmente um monstro em potencial. No entanto, a realidade é bem mais complexa. Nem todo psicopata é um assassino, assim como nem todo assassino é psicopata. A psicopatia é uma condição multifacetada, e compreender como indivíduos com esse transtorno se relacionam com a sociedade exige uma análise profunda da mente humana e dos fatores que moldam o comportamento.

Para iluminar esse universo, conversamos com o Dr. Antônio Freire, professor do Departamento de Neurociências e Saúde Mental da UFBA, professor de Psiquiatria da Bahiana, e diretor da Clínica inSIDE e do Hospital Nelson Pires, que desvendou as complexidades da psicopatia. Em sua entrevista, ele nos guiou pelos meandros da formação desse transtorno, explicando como fatores genéticos, ambientais e neurobiológicos podem interagir para produzir comportamentos tão variados. A discussão também abordou as diferenças entre psicopatia, sociopatia e outros transtornos de personalidade, sempre com uma visão clínica e humana, desafiando os estereótipos que tanto prevalecem na cultura popular.

Dr. Antônio Freire, professor do Departamento de Neurociências e Saúde Mental da UFBA; Professor de Psiquiatria da Bahiana; Diretor da Clínica inSIDE e do Hospital Nelson Pires
Dr. Antônio Freire, professor do Departamento de Neurociências e Saúde Mental da UFBA; Professor de Psiquiatria da Bahiana; Diretor da Clínica inSIDE e do Hospital Nelson Pires | Foto: Arquivo pessoal

A violência, muitas vezes atribuída a esses indivíduos, não é uma regra, mas um dos possíveis caminhos em que podem se inclinar, muitas vezes impulsionados por uma combinação de traumas na infância, falta de empatia e uma visão distorcida da realidade. Casos como o de Suzane von Richthofen e o "Maníaco do Parque" são emblemáticos, mas representam apenas uma faceta da psicopatia. Eles nos forçam a questionar: o que leva uma mente a se curvar para a violência? Será o distúrbio da empatia, o vazio interior, ou as circunstâncias que, em um momento crucial, desencadeiam um comportamento insano?

Suzane von Richthofen esteve envolvida no assassinato de seus pais, Manfred e Marísia von Richthofen, ocorrido em 31 de outubro de 2002. Ela foi condenada a 39 anos de prisão pelo crime.
Suzane von Richthofen esteve envolvida no assassinato de seus pais, Manfred e Marísia von Richthofen, ocorrido em 31 de outubro de 2002. Ela foi condenada a 39 anos de prisão pelo crime. | Foto: Flavio Grieger/Folha Imagem

A natureza do comportamento

O Dr. Antônio Freire começa esclarecendo a complexidade da personalidade humana e como ela pode se desviar para transtornos. Segundo ele, "a personalidade de cada pessoa é única, e esse limite entre uma personalidade normal e uma personalidade que pode ter algum transtorno não é um limite claro". Para ele, não é possível estabelecer uma linha divisória precisa entre uma personalidade normal e uma patológica. O que orienta o diagnóstico, portanto, é o sofrimento causado pelo comportamento do indivíduo".

"Se a forma de um indivíduo existir no mundo, a forma dele ser, de sentir, de se relacionar com outras pessoas, causa sofrimento para ele ou para essas outras pessoas, isso pode indicar que existe um transtorno da personalidade", explica.

O especialista segue detalhando que todos nós passamos por um processo de formação de personalidade ao longo da vida, começando na infância e se consolidando na idade adulta. "O que eu espero da formação da personalidade das pessoas é que elas consigam, por exemplo, ter empatia, ou seja, entender a perspectiva do outro, se colocar na perspectiva do outro; que elas consigam seguir normas e regras da sociedade", afirma.

Quando esse desenvolvimento não segue o padrão esperado, surge a possibilidade de transtornos de personalidade. "Então, quando falamos de transtorno de personalidade, normalmente estamos falando de pessoas que já consolidaram a formação da sua personalidade. Portanto, vamos falar dessas pessoas que têm 18 anos ou mais", explica o Dr.

No caso dos psicopatas, o Dr. Freire destaca que eles podem ser extremamente sedutores à primeira vista. "Quando alguém tem transtorno de personalidade antissocial, ou é um psicopata, a princípio, ao conhecer essa pessoa, podemos até pensar: 'Olha, que cara gente boa, que pessoa agradável.' No primeiro contato, podem parecer pessoas muito atraentes do ponto de vista do convívio social", observa. No entanto, essa primeira impressão é apenas uma fachada.

"São manipuladoras, têm um certo magnetismo, e uma superficialidade nas relações, mas são extremamente agradáveis", revela o especialista. Mas, por trás desse comportamento superficial, está uma manipulação calculada e sem empatia genuína. "O psicopata não tem empatia, mas conquista a empatia do outro, de forma calculada, porque tem um objetivo, mas sem que o outro perceba que está sendo manipulado", explica.

Em relação ao conceito popular de que todo psicopata é necessariamente perigoso ou violento, o Dr. Freire faz uma reflexão importante: "A gente pensa que o psicopata é sempre perigoso, mas não necessariamente. Convivemos com psicopatas." Ele nos lembra que, em uma comunidade, cerca de 2 a 3% da população pode ter traços psicopáticos. O que torna esses indivíduos especialmente perigosos é a sua capacidade de tomar decisões difíceis, frequentemente em posições de liderança, com uma frieza que pode ser vista como uma vantagem. "Essas pessoas chegam a grandes cargos porque têm frieza. Tomam decisões difíceis com objetivos estratégicos, que às vezes a empresa vê como qualidade, mas não se importam se os funcionários foram prejudicados", explica o especialista.

Por fim, o Dr. Freire salienta que o psicopata possui um comportamento egocêntrico, sem empatia, o que o torna capaz de agir sem considerar os impactos de suas ações nas vidas dos outros. "Esse egocentrismo sem empatia, sem se colocar no lugar do outro... não podemos afirmar que alguém é psicopata por uma característica isolada, mas sim por um conjunto de características", conclui.

Influência da genética e do ambiente

A formação de uma personalidade antissocial, como é o caso dos psicopatas, envolve uma interação complexa entre genética e ambiente. Para o Dr. Antônio Freire, a genética tem um impacto significativo na manifestação de características psicopáticas. Ele explica: "Se eu tenho, por exemplo, um adulto que tem um quadro de psicopatia, ele é um psicopata e, dentro de casa, ele vai ter todo esse comportamento também superficial, de descuido com os filhos, de só querer pensar na sua própria estratégia de mentiras, de se ver em situações embaraçosas e não estar ligando para isso."

Essa predisposição genética, especialmente no caso de homens, pode aumentar as chances de os filhos desenvolverem transtornos de personalidade antissocial. Contudo, o ambiente também desempenha um papel crucial nesse processo. O Dr. Freire observa que "quando eu pego, por exemplo, uma criança que foi adotada por um indivíduo com transtorno de personalidade antissocial, o pai é antissocial, é um psicopata, eu aumento também o risco dessa criança adotada. Ou seja, não é só a genética; o ambiente também influencia na condução para um transtorno de personalidade."

O transtorno de personalidade antissocial só pode ser diagnosticado em indivíduos com 18 anos ou mais.
O transtorno de personalidade antissocial só pode ser diagnosticado em indivíduos com 18 anos ou mais. | Foto: Canva Equipes/Hemera Technologies de Photo Images / Bons Fluidos

O impacto ambiental vai além do contexto familiar. O médico alerta sobre os riscos do ambiente social para as crianças em geral, especialmente em contextos de violência e desigualdade. "A gente não se preocupa muito, por exemplo, com o fato de as crianças estarem convivendo com tiroteios, de as crianças estarem vendo uma pessoa assassinada na porta de casa. A gente não tem tanta preocupação com os maus-tratos que as crianças, de uma forma geral, vão sofrendo nos bairros a cada dia, com as desigualdades sociais, e o quanto isso impacta na formação da personalidade."

Indicadores de psicopatia na infância e adolescência: exemplo do caso de Nova Fátima

Um caso recente, que gerou grande repercussão, exemplifica a importância da intervenção precoce diante de comportamentos violentos em crianças. No dia 13 de outubro, imagens de segurança de um hospital veterinário em Nova Fátima, no norte do Paraná, mostram o momento em que uma criança de apenas 9 anos invade o local, onde havia sido inaugurada uma "fazendinha" com animais de pequeno porte no dia anterior. Durante a invasão, o garoto matou 23 animais, em um ato de crueldade que chamou a atenção das autoridades e da sociedade

O garoto matou 23 animais, em um ato de crueldade que chamou a atenção das autoridades e da sociedade
O garoto matou 23 animais, em um ato de crueldade que chamou a atenção das autoridades e da sociedade | Foto: Reprodução / Redes Sociais

Esse tipo de comportamento é um dos sinais de alerta a que o especialista se refere quando fala sobre a necessidade de intervenção. "Se a gente percebe um comportamento que foge do esperado, que mostra violência, uma atitude de certa forma perversa – como matar animais deliberadamente... é necessário cuidar da saúde mental dessa criança." O médico afirma que este tipo de violência contra animais pode ser um indicativo claro de tendências mais graves, especialmente quando o ato é realizado de forma intencional e sem remorso, o que caracteriza um comportamento preocupante.

"Esse é um caso que chama a atenção, essa criança precisa de apoio psicológico."

O especialista explica que, embora crianças possam, ocasionalmente, se envolver em brincadeiras violentas, quando o ato é deliberado e com a intenção de causar sofrimento, isso exige uma atenção especial. "Ela não necessariamente vai precisar de medicação; pode precisar de psicoterapia, de acompanhamento do serviço social, ou de um acompanhamento de profissionais da saúde mental de uma forma geral, sem precisar de medicação." A intervenção precoce pode ser crucial para evitar que esses comportamentos evoluam e causem problemas maiores no futuro.

O médico destaca ainda que a prevenção é sempre o melhor caminho, pois, sem o apoio necessário, essas crianças podem evoluir para quadros mais graves de transtornos de personalidade. "Com isso, posso evitar um desfecho na vida adulta que traga muito mais sofrimento para essa pessoa, para a família e para a sociedade. Ele explica que, no caso de crianças que já apresentam comportamentos desajustados, como a agressão contra animais, existe o risco de se desenvolverem transtornos de personalidade antissocial. "Se não fizermos nada, há uma chance maior de que esses jovens evoluam para comportamentos mais graves na adolescência ou na vida adulta."

Diferença entre psicopatia e sociopatia

De acordo com o com Dr. Antônio, a diferença entre psicopatia e sociopatia é, na verdade, uma questão de origem e características. O psiquiatra explicou que, na psiquiatria, ambos os termos estão ligados ao transtorno de personalidade antissocial, mas com diferenças sutis na forma como se manifestam.

“Na psiquiatria, esses termos são sinônimos e tratam do transtorno de personalidade antissocial. No entanto, existe uma distinção importante quando falamos da origem desses comportamentos. A psicopatia, por exemplo, está mais relacionada a uma formação biológica, é um transtorno de personalidade com base biológica, mais vinculado a características genéticas e alterações no cérebro. O psicopata já nasce com certas características que o levam a agir sem empatia, remorso ou conexão com os outros”, explicou.

Já no caso da sociopatia, o Dr. Antônio explica que o desenvolvimento desse transtorno é muito mais influenciado pelo ambiente em que a pessoa cresce. "A sociopatia é muito mais ligada a fatores ambientais, como a negligência, a violência ou a desestruturação familiar. Esses fatores podem contribuir para o desenvolvimento do comportamento antissocial", destacou.

Ou seja, enquanto o psicopata tem uma tendência inata para a falta de empatia e comportamentos manipulativos, o sociopata, segundo o psiquiatra, pode ser resultado de uma adaptação a condições de vida traumáticas ou desestabilizadoras. “O sociopata pode desenvolver seus comportamentos antissociais em resposta a essas circunstâncias externas, e não necessariamente como uma característica biológica”, afirmou.

Implicações Sociais e Culturais

As representações de psicopatas no cinema e na mídia moldam a visão popular sobre o tema, criando um estereótipo muitas vezes exagerado e distorto, afirma Antônio Freire. Segundo ele, essa abordagem é uma escolha comercial das produções audiovisuais, que visam manter a atenção do espectador ao longo de um filme ou série.

Dahmer matou 17 meninos e jovens, muitos dos quais eram negros e gays, entre 1978 e 1991 e sua história virou uma série televisiva.
Dahmer matou 17 meninos e jovens, muitos dos quais eram negros e gays, entre 1978 e 1991 e sua história virou uma série televisiva. | Foto: Reprodução / Netflix

“Eu acho que o cinema precisa vender aquele filme, ele precisa fazer com que o filme seja interessante, ele precisa que a história chame a atenção, mantenha a atenção do telespectador. Se for uma série, você tem que manter a atenção por horas e horas, se for um filme, você tem que manter a atenção por duas, três horas da pessoa”, explica Freire. “Então, é óbvio que essa linguagem do cinema vai ser mais apelativa, ela vai ser mais emotiva e vai pesar em algumas características, criando, às vezes, um certo estereótipo. E isso distorce muito na cabeça das pessoas também o que é a psicopatia.”

O professor ainda destaca que a imagem criada pela mídia contribui para que comportamentos extremos ou cruéis sejam facilmente associados à psicopatia, sem que isso seja necessariamente verdade. “Vai fazer com que qualquer pessoa que cometa algum ato ilícito, bárbaro, pense: ‘É um psicopata’. E não é assim. Nem todo assassino, como você falou, nem todo criminoso é um psicopata. E a maioria dos psicopatas não será assassino ou criminoso.”

Além disso, o especialista ressalta que o próprio termo “psicopatia” carrega um peso estigmatizante, motivo pelo qual muitas vezes é substituído por expressões mais neutras na prática clínica. Segundo Freire, isso facilita o tratamento e a comunicação com as famílias dos pacientes. “Porque se eu digo: ‘Olha, ele é um psicopata’, para a família, isso é como se eu estivesse dizendo assim: ‘Ele é um assassino’, e não é.”

Casos famosos e diferenças entre psicopatas e assassinos em série

Casos de crimes em série frequentemente suscitam associações diretas com a psicopatia, mas essa interpretação simplista pode distorcer o entendimento real sobre esses comportamentos, explica Dr. Antônio. Ele observa que crimes em série possuem características específicas, com um padrão de repetição e “assinatura” que nem sempre se relacionam com a psicopatia.

“Quando a gente tem esse padrão de crime em série, a gente já observa um comportamento muito característico. Esses crimes em série, normalmente, têm uma estratégia, uma forma de agir que se repete; é como se fosse uma assinatura da pessoa”, afirma Freire. Ele destaca que, nesses casos, o criminoso sente um tipo de satisfação pessoal e frequentemente deixa pistas para que a autoria seja reconhecida. “Ou seja, ele quer que as pessoas saibam que foi ele de novo, quer que saibam: ‘Fui eu que fiz isso, fui eu que fiz aquilo’, porque tem a mesma assinatura de certa forma.”

Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, foi condenado a quase 270 anos de prisão pelo assassinato de sete mulheres — crimes ocorridos na década de 1990
Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, foi condenado a quase 270 anos de prisão pelo assassinato de sete mulheres — crimes ocorridos na década de 1990 | Foto: Reprodução / Band

Segundo o especialista, essa necessidade de exposição e repetição diferencia os assassinos em série dos psicopatas, cujo comportamento não segue, necessariamente, esse padrão de repetição ou exibição. “Mas isso é diferente do padrão da psicopatia. Esses crimes em série seguem um padrão, e é um padrão raro, felizmente, mas é um comportamento muito mais desviante e sem uma explicação lógica. A explicação está mais ligada a uma satisfação pessoal de conseguir realizar aquele ato e mostrar para todo mundo que foi ele.”

Freire reforça que a conexão automática entre psicopatia e crimes em série é enganosa, já que nem todos os assassinos em série são psicopatas, e nem todos os psicopatas se envolvem em crimes violentos ou frequentes. Para ele, o comportamento dos seriais killers está mais vinculado à vontade de impactar a sociedade e à necessidade de reconhecimento. “É um padrão diferente de comportamento, no qual há uma necessidade de mostrar para a sociedade que consegue fazer determinadas coisas, deixar pistas, mostrar que é a mesma pessoa. Eles sempre deixam pistas. De certa forma, querem que as pessoas saibam que foi aquela pessoa que fez.”

Psicopatia não é uma doença

A classificação da psicopatia como doença psiquiátrica é uma questão complexa e, para o psiquiatra Antônio Freire, exige cautela, especialmente no contexto judicial. Segundo o especialista, definir o psicopata como “doente” pode gerar interpretações equivocadas sobre sua responsabilidade legal, já que, ao contrário de condições que limitam a capacidade de compreensão, o psicopata é plenamente consciente de suas ações.

“Se eu coloco o psicopata numa categoria de doença psiquiátrica, tenho que ter muito cuidado, porque, quando ele cometer um ato ilícito — qualquer crime — e o juiz me perguntar se ele tem capacidade de entender o que fez, a resposta será: sim, ele tem capacidade de entender”, esclarece Freire. “Se o juiz perguntar se ele tem capacidade de se autodeterminar, ou seja, se ele entende que fez algo errado e que existem regras, a resposta é: sim, ele tem capacidade de autodeterminação.”

Freire argumenta que a capacidade de autodeterminação do psicopata diferencia seu comportamento de doenças psiquiátricas tradicionais, onde a pessoa pode agir de forma alheia à própria vontade ou compreensão. “O comportamento que ele escolhe exercer é uma escolha dele, e não é classificado como doença.”

Para o especialista, a classificação da psicopatia como doença poderia até gerar um efeito adverso, criando uma espécie de “carta branca” para o psicopata se esquivar de punições. “Ele poderia achar: ‘Ah, está bom, então o juiz não pode me prender, não pode me mandar para a cadeia porque eu tenho uma doença’, e isso poderia criar problemas”, alerta.

Ele reforça que, embora o psicopata possa buscar tratamento, não se deve reforçar a ideia de que a psicopatia é uma condição que exime o indivíduo de culpa. “Se eu o considerar doente e disser que ele age dessa forma por causa de uma doença, estou, de certa forma, reforçando esse comportamento nele, como se fosse uma carta branca. ‘Você é doente, então não há culpa em suas ações.’ Por isso, não devemos reforçar essa ideia de que a psicopatia é uma doença.”

Espectros de personalidade e a psicopatia “reversa”

Dentro do grupo B dos transtornos de personalidade, que inclui a psicopatia, o narcisismo, o transtorno borderline e o transtorno histriônico, Antônio Freire aponta que, em alguns aspectos, o transtorno histriônico pode ser visto como o reverso da psicopatia, especialmente no que diz respeito ao “sentir”.

“Dentro do próprio grupo, a gente tem um grupo chamado grupo B, pela classificação americana, que é o DSM, né, o manual de diagnóstico e estatística. A gente tem o chamado grupo B do transtorno de personalidade. Nesse grupo B estão a psicopatia, o narcisismo, o borderline e o transtorno histriônico”, explica Freire. Ele destaca que, embora esses transtornos compartilhem o mesmo grupo de classificação, eles possuem características distintas, especialmente no que tange à forma como os indivíduos experienciam e expressam suas emoções.

O transtorno histriônico, por exemplo, é marcado por uma necessidade constante de atenção e uma tendência a exagerar suas emoções, sempre se colocando em uma posição de vítima. “O histriônico pode ter esse excesso, né? Ele sente demais, ele é sempre, ele cuida dos outros, ele ama demais, ele não é reconhecido pelo bem que faz pelos outros, ele se preocupa com todo mundo e ninguém se preocupa com ele. Ele é sempre a vítima da situação.” O especialista descreve esse comportamento como um padrão excessivo de sentir e reagir de forma dramática, com uma necessidade constante de validação emocional.

O contraste com a psicopatia, que se caracteriza pela falta de empatia e emoção, é notável. “Ele é sempre o excesso, então as reações também são muito exageradas, o sentir é muito exagerado, são pessoas mais teatrais, são pessoas que se vitimizam o tempo inteiro e tal.” Assim, o transtorno histriônico, com seu foco no sentimento e na busca por atenção, pode ser visto como uma espécie de "reverso" da psicopatia, onde a ausência de empatia na psicopatia se contrapõe à busca excessiva por validação emocional no transtorno histriônico. “Então, desse lado, também pode ser um transtorno da personalidade.”

O gênero na psicopatia

A questão de gênero na psicopatia ainda é um tema cercado de debate e especulações. Segundo Antônio Freire, a psicopatia é mais prevalente entre os homens, embora as razões para isso ainda não sejam completamente claras.

“Realmente, a psicopatia é mais prevalente entre os homens, né? Mas a gente não tem uma explicação clara do porquê, mas realmente a prevalência...” afirma Freire. Ele observa que, embora a psicopatia seja mais comum entre os homens, a relação exata entre o gênero e esse transtorno ainda não é bem definida.

Uma possível explicação que o especialista aponta envolve a herança familiar, especificamente em relação aos filhos de psicopatas do gênero masculino, que têm um risco maior de desenvolver o transtorno. “Você vê que, até na questão da herança familiar, os filhos de psicopatas do gênero masculino, os meninos, têm um risco maior de evoluir para a psicopatia.” No entanto, Freire ressalta que, apesar de certos padrões observados, ainda não há uma explicação clara e científica sobre os motivos dessa prevalência.

O professor sugere que questões hormonais podem estar relacionadas a esse quadro, com destaque para a testosterona, que estaria associada a comportamentos mais hostis e agressivos. “A gente sabe que a testosterona, por exemplo, está relacionada a padrões de comportamento mais hostil, violento, né? Pode ser que tenha alguma relação com esse padrão hormonal.” No entanto, essa relação ainda carece de estudos aprofundados e conclusivos.

Por fim, Freire também destaca que, em um ambiente familiar comum, as meninas tendem a ter um risco maior de desenvolver transtornos como borderline ou histriônico, enquanto os meninos têm mais propensão à psicopatia. Embora essa diferença seja observada, ele enfatiza que a explicação para essas questões de gênero ainda não é clara. “Menino e menina no mesmo ambiente, porque a menina vai ter um risco maior naquele ambiente de ter uma personalidade borderline, histriônica, e o menino vai ter um risco maior de desenvolver psicopatia. Isso não é claro, mas realmente existe essa diferença.”

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Tags:

Psicopatia sentimentos serial killers. transtorno de personalidade antissocial violência

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