ALÉM DAS TRILHAS
Rotas Especiais da Chapada Diamantina revelam turismo rural e experiências autênticas
A TARDE embarcou em uma imersão que celebrou a gastronomia quilombola, a produção de óleos essenciais, chocolate bean to bar e a agricultura familiar

A Chapada Diamantina, mundialmente famosa pelo ecoturismo de aventura, agora revela uma nova e rica faceta: o turismo rural e as experiências sensoriais. Essa nova Rota Especial celebra a cultura, a produção local e a agricultura familiar. A convite do Sebrae Bahia, o Portal A TARDE embarcou em uma jornada de descobertas por esses roteiros, que foram lançados oficialmente durante a RuralTur, realizada entre 25 e 27 de setembro em Mucugê.
A iniciativa destaca que o turismo na Chapada vai muito além das trilhas e cachoeiras, englobando a gastronomia de raiz, produção artesanal de alta qualidade e o contato direto com empreendedores que estão transformando o interior da Bahia.
Sabores e tradição quilombola
A imersão cultural e gastronômica começou na Comunidade Quilombola Barra II, em Morro do Chapéu. No Restaurante Boa Vista, a chef Enelzita do Espírito Santo e seu filho, Francisco, proporcionaram uma autêntica experiência gastronômica de raiz. Cozidas no fogo à lenha, as opções são variadas e regionais.
Os visitantes puderam provar purê de milho, pirão de palma, cacto típico da região, que é usado em diversos pratos. Destaque para a tradicional galinha caipira e o godó de banana verde, receita que carrega a história do garimpo na Chapada Diamantina.

Francisco ressaltou o carinho no preparo: “A comida aqui do Restaurante Boa Vista não é aquela comida feita ‘nas carreiras’. É preparada para o cliente chegar e gostar, e sair satisfeito”. Localizado em Morro do Chapéu, o restaurante opera sob agendamento prévio pelo telefone: (63) 99116-3787.
As abelhas, a vanguarda sensorial e o cacaueiro
A jornada seguiu explorando a diversidade produtiva da Chapada, com foco na sustentabilidade.
Akã Óleos Essenciais
Na Akã Óleos Essenciais, João Cerqueira, dono e idealizador, comanda um processo produtivo exemplar. O local transforma folhas colhidas do jardim sensorial em óleos essenciais puros, livres de produtos químicos. O processo de destilação é lento — podendo durar de 3h30 a 7h — e gera pouco resíduo, que é reutilizado como adubo. A pureza e concentração impressionam: são necessários 1000 kg de folha para produzir apenas 1L de óleo.
Por trás da produção da Akã, existe uma história encantadora de retorno às raízes. Apesar de ter nascido em Morro do Chapéu, João viveu em Salvador desde os 15 anos, mas o amor pela terra o trouxe de volta. "Trabalhei a vida toda e há pouco tempo nos aposentamos e já tínhamos decidido que não queríamos mais morar lá [em Salvador]. Ana [minha esposa] sugeriu que a gente morasse aqui na Chapada", conta ele.
O retorno à cidade natal, porém, exigiu uma atividade: "A cidade é pequena para morar sem ter uma atividade... Plantamos primeiro a lavanda, com a ideia original de fazer um lavandário, e depois surgiram outras ideias", descreveu, sobre o nascimento da Akã Óleos Essenciais.

"Com estudo junto à assessoria do Sebrae, que nos ajudou muito a viabilizar técnica e economicamente o projeto, resolvemos fazer uma empresa de extração e comercialização de óleos essenciais de plantas aromáticas", explica João.
O projeto foi adaptado para receber visitantes. "Fizemos uma reforma boa no prédio e criamos um jardim sensorial para que as pessoas pudessem conhecer as plantas sem ter que ir tão longe".
No local, turistas podem sentir o aroma natural das ervas direto da plantação. As visitas são realizadas de sexta a domingo, sob agendamento, com o valor de R$20 por pessoa.
Significado de Akã
O nome da marca carrega um simbolismo profundo. Akã tem origem tupi-guarani e significa "ramo" ou "galho", remetendo à parte da planta que alimenta e conduz a seiva. Inspirado nesse conceito, o negócio busca ser um "caminho de bem-estar para as pessoas por meio das plantas". Seja pela pureza dos óleos essenciais ou pela experiência sensorial oferecida aos turistas, a Akã atua como um elo entre a riqueza botânica da Chapada Diamantina e o bem-estar do consumidor.

Bee Origem
Na reserva Bee Origem, liderada por Marcos Adriano e seu pai em Mucugê, o foco é a preservação de diversas espécies de abelhas sem ferrão (meliponicultura), essenciais para a biodiversidade da Chapada. O local oferece uma experiência sensorial única, onde o turista pode ouvir o som das abelhas dentro das caixinhas e fazer uma degustação guiada de méis de diferentes espécies, cada um com um sabor peculiar e específico.

"Trabalhamos hoje com seis espécies, promovendo educação, mostrando a importância de cada uma delas, abrindo a colônia e fazendo degustação", explica Adriano. O tour guiado dura cerca de uma hora e inclui uma lojinha de produtos e vivências do local. A Bee Origem também oferece a meliponoterapia (terapia através das abelhas) e a experiência de ouvir o som relaxante das colônias.

"Cada abelhinha tem uma historinha que cada visitante se empolga em conhecer. O propósito da Bee Origem é levar o conhecimento sobre a real importância das abelhas", complementou Adriano.
A visita custa R$ 25 e pode ser combinada com um almoço opcional, feito em forno a lenha e preparado pela mãe de Adriano, Dona Maria, reforçando o turismo de experiência e o acolhimento familiar.

O sítio oferece ainda uma padaria de imersão, onde Andreia, irmã de Adriano, fabrica pães de fermentação natural usando os produtos das abelhas. Os sabores incluem licuri com mel, pesto e tomate seco. É mais uma experiência para que o visitante possa passar o dia na propriedade.
Adamas Chocolates
A Adamas Chocolates recebe mais de 14 mil visitantes anualmente em um cenário inusitado para a produção bean to bar (da amêndoa à barra). A dona e criadora, Letícia Oliveira, utiliza cacau de Ipiaú e cafés locais (Latitude e Igaraçu, de Mucugê) para criar chocolates puros, sem cruzamento ou gordura.
A experiência sensorial é o carro-chefe, com sabores surpreendentes: do tradicional 80% ao chocolate com queijo grana padano italiano maturado por oito meses, e a inusitada opção ao leite com polvilho. Letícia também idealizou um Clube de Chocolate onde o cliente pode criar o seu próprio sabor personalizado.
A Chapada sempre revela histórias surpreendentes, e a de Letícia não é diferente. “Eu comecei o chocolate para me curar de uma depressão. Com um ano e meio, eu já estava curada, fazendo chocolate no pilão e vendendo nas ruas”, detalha. A ideia era criar um chocolate Adamas — que significa "diamante eterno" em grego — de alto padrão em qualidade, natural e sem química. Com essa filosofia, Letícia não tem medo de inovar com combinações inusitadas como: chocolate com presunto parma e alho, por exemplo.
A criadora da Adamas Chocolates defende a inovação como resultado de paixão: "Chocolate comum já tem muito no mercado. Você tem que fazer algo saudável, que eu boto frutas. Umas são orgânicas, outras não têm glúten".

A matéria-prima local é totalmente valorizada. O cacau de Ipiaú e os ingredientes como frutas vermelhas e café de Mucugê são usados para impulsionar a marca e a própria cidade. "A gente trabalha com isso porque leva o nome de Mucugê. E aí eu trouxe a Adamas para cá, para que as pessoas viessem conhecer e ficassem também na cidade, consumindo aqui".
A produção bean to bar segue um método tradicional que garante a pureza: "A gente torra o cacau e quebra. Pega a manteiga de cacau, derrete e a gente bota na pedra. Depois a gente joga a amêndoa e fica três, quatro dias batendo", descreve Letícia.
Ela ressalta que o batimento em pedra garante um produto de melhor qualidade e livre de indução de chumbo. Para os entusiastas, o Clube de Chocolate oferece uma experiência exclusiva: "Você se inscreve e a gente faz um chocolate exclusivo só para você", convida, buscando atrair interessados no site ou Instagram da marca.
Do artesanato floral ao sabor curado
A diversidade das rotas se completa com a produção de flores e embutidos artesanais:
Sítio Rosa do Deserto
O agrônomo e professor Júlio Villar, junto com sua esposa Damares, dedica-se à criação da Rosa do Deserto (Adenium). O sítio abriga entre 6 a 10 mil "indivíduos" (termo usado por ele, já que o cruzamento gera inúmeros tipos diferentes, inclusive cactos).
A paixão pelas plantas levou o agrônomo a uma virada profissional inesperada. Durante uma licença sabática, ele buscava aprimoramento em sua área (física de solos e irrigação) no exterior. “Eu tinha um ano de licença premium e na internet, um grupo de cactos — que eu sou fã há muito tempo — estava procurando alguém para propagar planta em San Diego”, conta Júlio.
Ele passou um ano na Califórnia como propagador de cactos e suculentas, onde encontrou a Adenium (Rosa do Deserto) e aprendeu as técnicas de reprodução. Ao retornar ao Brasil, em 2001, iniciou a produção em paralelo à vida acadêmica. Em 2011, após se aposentar como professor de Física de Solos, ele se mudou para a Bahia, unindo suas raízes familiares a Morro do Chapéu, onde vive há dez anos.

Para Júlio Villar, o trabalho no sítio é, acima de tudo, um prazer. “Eu não trabalho, eu me divirto de domingo a domingo, basicamente. Aqui é minha diversão e eu preciso ganhar dinheiro, claro, por isso que eu vendo, mas se dependesse de mim, eu dava”, brinca.
O local, um atrativo para entusiastas da floricultura, demonstra a paixão e a técnica na criação de novas variações de Rosa do Deserto. As visitas são diárias, com um custo de R$10, e incluem o presente de uma planta para cada visitante.

Charcutaria Sabor Latino
Na Charcutaria Sabor Latino, em Morro do Chapéu, Benedito Maciel produz embutidos artesanais de carneiro tipo dorper, porco e frango, valorizando a técnica e a cura lenta. A matéria-prima vem de Feira de Santana e Andaraí.
O processo de salga é rigoroso, podendo ser seco (14 dias para peças maiores) ou úmida (8 dias com injeção do líquido), e feito em câmaras separadas. O proprietário define o estabelecimento como a arte de "fazer a cura da carne, a salga da carne, tudo para poder transformar ele em charcutaria".
"Aqui é uma charcutaria artesanal. Todo o processo é nosso, artesanal, tanto da defumação, como dos produtos que a gente usa, muitas ervas”, explica Maciel, que afirma ser, em escala, "o maior produtor da Bahia". A produção inclui itens gourmet, como o Guanciale (bochecha de porco, ideal para carbonara) e o destaque da casa, o "Ramón Diamantino", um presunto curado.
A precisão técnica é evidente: na sala de defumação, a temperatura é controlada gradativamente, começando em 60°C e elevando-se lentamente a 100°C. O local está disponível para visitação e degustação sob agendamento.

Próxima descoberta: o segredo do café especial
A jornada do portal A TARDE continua explorando os tesouros do turismo rural na Chapada Diamantina. A próxima matéria das Rotas Especiais transportará você para o universo dos sabores premiados. Prepare-se para uma imersão completa no Agrocafé Igaraçu, onde a arte da agrônoma Tadeane Matos revela o verdadeiro segredo por trás do café especial plantado na Bahia, mostrando como a dedicação do campo se transforma em produto reconhecido mundialmente.
Confira páginas para informações sobre os locais visitados:
- Comunidade Quilombola Barra II – Restaurante Boa Vista (Morro do Chapéu)
- Akã Óleos Essenciais (Morro do Chapéu)
- Rancho Rosa do Deserto (Morro do Chapéu) - telefone: (74) 99955-0701
- Charcutaria Sabor Latino (Morro do Chapéu)
- Bee Origem (Mucugê)
- Adamas Chocolates (Mucugê)
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