SÃO JOÃO
“Levar músicas pejorativas para as massas não é certo”, diz Jó Miranda
Forrozeiro analisou as transformações ao longo dos anos nas celebrações juninas
Por Flávia Barreto
A todo vapor no São João, o forrozeiro Jó Miranda destacou a evolução da festa e do forró em entrevista exclusiva ao Portal A TARDE. O cantor, que analisou a dinâmica da audiência do gênero musical, falou ainda sobre a escolha de artistas e repertórios considerados de baixaria durante o evento.
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Além disso, ele citou como o São João tem se adaptado às novas formas de entretenimento e mencionou os desafios enfrentados na venda de ingressos para shows.
O cantor analisou as transformações ao longo dos anos nas celebrações juninas, reconhecendo a importância de preservar a identidade das festas do interior. “Fazer um trabalho que se encaixe numa festa junina, entendendo que artistas como Luiz Gonzaga, Flávio José e Elba Ramalho, ao longo de décadas, sustentam essa tradição do São João. Isso precisa ser respeitado, mantido e a chama da essência da festa junina deve continuar viva”.
Confira a entrevista completa abaixo:
Como você começou sua carreira musical e o que te inspirou a seguir esse caminho no forró?
Sempre fui apaixonado pelo São João e pelo forró. Quando descobri a sanfona como instrumento, foi a realização de um sonho para mim. Este ano, em 2024, estamos celebrando 15 anos de carreira. Ao longo desses 15 anos, fizemos vários shows em diversas cidades. É uma grande felicidade unir o trabalho com essa paixão, que é o amor que tenho pelo forró.
Hoje em dia, tudo passa por mudanças e o São João tem se adaptado ao que o público pede. Como você avalia a evolução do São João e do forró?
A evolução é sempre bem-vinda, mas o que não me agrada, e talvez a maioria dos forrozeiros concorde, é a exclusão da essência. Na década de 60, o forró era feito apenas com zabumba, triângulo e sanfona, eu acredito nisso. No meu show, o triângulo e a sanfona estão presentes. Mas será que posso substituí-los por bateria, metais, teclado ou efeitos pirotécnicos? Não posso excluir a sanfona do palco, nem substituir as canções de amor e de sertão por músicas que denigrem as mulheres. Especialmente hoje, quando elas estão lutando por respeito.
Infelizmente, algumas prefeituras e contratantes ainda abrem espaço para isso acontecer, o que é lamentável. A evolução é positiva, mas não deve ser acompanhada pela exclusão da essência. Não é porque você leva músicas pejorativas para as grandes massas que está certo. Quando você está no palco, com 15, 20, 100 mil pessoas ouvindo, não deve usar palavras de baixo calão. Para mim, isso não é evolução.
Atualmente, o estilo musical piseiro está muito em alta nos palcos. Como você interpreta essa popularidade? O que você acha sobre essa tendência?
É mais um ritmo que, de alguma forma, surgiu do forró. Há artistas do piseiro que promovem um trabalho lindo sobre a realidade social. Não estou julgando o ritmo, não estou julgando o gênero. Estou simplesmente falando sobre fazer um trabalho que se encaixe numa festa junina, entendendo que artistas como Luiz Gonzaga, Flávio José e Elba Ramalho, ao longo de décadas, sustentam essa tradição do São João. Isso precisa ser respeitado, mantido e a chama da essência da festa junina deve continuar viva.
O que você percebeu que mudou nas celebrações de São João ao longo dos anos?
Como artista, vejo muito o lado capitalista, o lado comercial. Algumas grandes empresas têm artistas que são conhecidos pelo verão, pelo carnaval. Para não perderem dinheiro, fazem uma adaptação superficial do artista para que ele possa participar das festas juninas. Colocam um sanfoneiro ali que não toca de verdade, vestem uma camisa xadrez e, naquele momento, tentam enquadrá-lo como um forrozeiro ou sanfoneiro. Essa invasão de gêneros secundários é puramente motivada pelo lado empresarial e capitalista, visando lucro rápido e direto.
Outra questão relevante é a discussão recente sobre a dificuldade na venda de ingressos para shows. Qual é a sua opinião sobre esse tema? Você acredita que o forró também enfrenta isso?
É um misto de fatores. Eu também promovo o Forró do Talco todos os domingos, há quase 13 anos, então, sinto na pele o que está acontecendo. Realmente, tudo mudou desde a volta da pandemia. Há falta de apoio e também sofremos com mudanças nas licenças. Como produtor e artista, muitas vezes não recebemos as informações necessárias a tempo. Quando as recebemos, já enfrentamos ações pesadas dos órgãos fiscalizadores. Claro que a fiscalização é necessária, mas primeiramente, deveria ser para orientar e ajudar a nos ajustarmos, e não apenas para aplicar multas.
Outra questão é que grandes artistas de nível nacional estão estabelecendo cachês que produtores musicais locais simplesmente não conseguem pagar. Não há como cobrir esses custos com a bilheteria e, ao mesmo tempo, pagar todas as despesas necessárias. Isso fragmentou ainda mais o mercado e criou uma onda em que todos tentam seguir os altos valores estabelecidos por outros artistas. Isso torna cada vez mais inviável realizar eventos. A melhor opção para o produtor, muitas vezes, é recuar.
O que você pensa sobre a mistura de gêneros no São João?
Eu não sou contra outros ritmos estarem presentes no São João. Acho que deveria haver horários e dias específicos para cada um, porque há uma grande massa que consome diferentes estilos musicais. Por exemplo, poderia ter uma banda de samba ou pagode tocando à tarde, em um trio ou arrastão. À noite, o foco seria no palco principal, com o ritmo tradicional da festa junina. Acho que é importante diferenciar as bandas de pagode. Por exemplo, o É o Tchan!, que sempre tem um trabalho voltado para o forró, se preocupa em fazer músicas que não ofendem a família nem desrespeitem as mulheres. Por outro lado, há outras bandas que, ao se apresentarem no São João, trazem letras mais explícitas.
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