DESCARACTERIZAÇÃO?
Del Feliz: “São João foi espetacularizado e ganhou grandes palcos”
Ao Portal A TARDE, forrozeiro disse que a pressão do poder econômico é natural nas festas juninas
Por Edvaldo Sales
Um dos nomes mais influentes do forró, Del Feliz vai se apresentar em cerca de 20 cidades baianas no São João deste ano, incluindo Salvador, no Parque de Exposições. Em entrevista exclusiva ao Portal A TARDE, o cantor revelou que a sua expectativa para os festejos é a melhor possível.
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“A cada ano a gente faz o melhor São João de todos os tempos, aí no outro ano a gente consegue superar, com uma agenda intensa e extensa. Eu tenho essa marca na minha carreira. A gente ama o que faz e por isso consegue dar conta tranquilamente”, disse.
Questionado sobre a presença de outros ritmos, como o pagodão baiano e o sertanejo, no São João, o forrozeiro pontuou que respeita a diversidade, mas enfatizou que a festa junina “tem uma característica muito forte, que a torna, inclusive, importante do ponto de vista econômico e turístico, já que ela já é naturalmente uma expressão cultural do povo nordestino”.
“Ela só é atrativa, só se torna interessante enquanto ela se mantém original nas suas características específicas que fazem com que não só pessoas de outros estados, mas de outros países, queiram vir conhecer”, destacou Del, que também disse que a festa cresceu e “virou um palco de espetáculos”.
A festa foi espetacularizada e ganhou os grandes palcos. A pressão do poder econômico é natural em qualquer situação. É natural que a gente se preocupe com isso enquanto artista. Precisamos ficar atentos com a dose que é usada para que a festa não seja descaracterizada e a gente não tenha prejuízos.
Na ocasião, Del aproveitou e fez uma comparação do São João com o Carnaval de Salvador. Segundo ele, a primeira tem mais impacto financeiro do que a segunda no estado e nas cidades. “Em algumas cidades o carnaval nem impacta, porque é uma festa específica. Diferente do São João, que é praticamente em todas as cidades”.
Eu acredito que a gente precisa ter uma preocupação na manutenção dessa característica de originalidade para que a festa seja mantida e continue sendo um atrativo para todas as pessoas. Ninguém vem de fora para ver uma festa qualquer
Capital vs interior
Em entrevista recente ao Portal A TARDE, o secretário de Cultura e Turismo (Secult) de Salvador, Pedro Tourinho, afirmou que, apesar de ser na capital baiana, o São João no Centro Histórico vem conseguindo manter uma tradição cultural e musical nordestina que pode ter se perdido no interior devido aos grandes shows.
Ao comentar a fala do gestor, Del pontuou que é preciso ter “prudência nas avaliações”. “Existem situações no interior de cidades que praticamente fazem um São João que não contempla mais qualquer atração do forró tradicional, do mesmo jeito que nós temos várias cidades no interior que fazem festas absolutamente tradicionais, não só mantendo o forró, mas também as quadrilhas juninas, quebra pote e outras tradições relacionadas ao São João”.
É uma alegria para a gente saber que o Pelourinho está enfeitado, que a programação é mais voltada para autenticidade e isso nos honra e nos alegra, mas ainda temos muitas cidades no interior fazendo esse papel de preservação da nossa cultura e das nossas tradições.
Descaracterização
Em 2024, festas como o Forró do Piu-Piu, Forró do Lago, Sfrega e Brega Light, que lotaram espaços de show diversas vezes no mês de junho, anunciaram cancelamentos ou não confirmaram os festejos.
Os empresários justificam os cancelamentos das festas com aumento da quantidade de eventos realizados pelo governo e prefeituras, além de elevados cachês cobrados pelos artistas.
Segundo Del, esse movimento acontece após um longo período de descaracterização do São João. “Antes, tinham as festas tradicionais que estavam sendo descaracterizadas em uma certa dosagem por outras atrações grandes, mas sem nenhum exagero. As grandes atrações iam para os centros, que já reuniam muitas pessoas em volta da festa de São João, que, diga-se de passagem, sempre foi um sucesso. É uma coisa secular”, iniciou.
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“Os empresários aproveitavam e faziam eventos com esses artistas que estavam na grande mídia e ganhavam muito dinheiro com essas festas particulares, o que eu acho que é extremamente legítimo, não há nenhum problema da pessoa querer, dentro de uma festa tradicional, pagar para participar de uma particular e que não tenha nada a ver com a tradição, mas que tinha o apelo da mídia”, explicou.
Del disse que agora o problema “é a dose dessa descaracterização”, pois “as cidades contratam, praticamente, todas as grandes atrações que estão fazendo sucesso no Brasil. A festa continua sendo gigante como sempre foi, mas agora com esse implemento, das grandes atrações nacionais".
Eu estou esperando para ver que horas vão começar a trazer Beyoncé, Madonna e outras outras atrações para cidades. Porque, às vezes, é uma cidade pequenininha trazendo a atração que é sucesso nacional, que a gente acharia impensável, até pelo ponto de vista econômico.
O forrozeiro ressaltou que respeita as escolhas e que a festa não pode ser radical. “Até porque essas novas variações do forró vão continuar aparecendo. A cultura também não é estática, nós teremos diferenças, incrementos, as mudanças são naturais. O que precisamos fazer é apostar no bom senso e ter um respeito por uma certa dosagem para que a festa não vire outra coisa. A festa junina é simbólica”.
De acordo com Del, o forró “tem um grande público, muitos artistas, uma grande gama de projetos sendo executados, de boas músicas sendo produzidas, gente nova chegando, mulheres e jovens apaixonados por essa cultura”.
Mas eu acho que tudo acaba na questão do bom senso, precisa ter um equilíbrio para que tenhamos os interesses econômicos respeitados, mas que a cultura, o turismo, a gastronomia, o artesanato, a arte de modo geral e a essência de um povo não sejam esmagadas.
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