ERA DIGITAL
Solidão em rede: o impacto da tecnologia nas habilidades de comunicação da geração Z
A TARDE destaque desta semana reflete sobre uso dos celulares atualmente
Por Brenda Lua Ferreira
Em um mundo cada vez mais conectado, a geração Z, nativa digital, enfrenta um paradoxo na comunicação: apesar de estarem sempre online, muitos jovens revelam dificuldades significativas na fluência verbal e escrita.
A geração Z é composta por pessoas nascidas entre 1997 e 2012. Ser nativa digital é nascer rodeada por um mundo com computadores, tablets e celulares, além de ter acesso a uma grande quantidade de mídias e informações, o que a torna ágil, curiosa e polivalente. A geração Z sucede a geração Millennial e antecede a geração Alpha.
Um estudo da Universidade de Stavanger, na Noruega, divulgado pelo portal Minha Vida, revelou que, após apenas um ano focando exclusivamente na escrita digital, 40% dos alunos perderam a fluência na caligrafia. Esses jovens apresentam uma escrita pouco legível, enfrentam desconforto físico ao escrever e se cansam mais rapidamente ao usar papel.
O uso excessivo de celulares nas escolas e a dependência de plataformas digitais têm contribuído para essa tendência, levantando preocupações entre educadores e especialistas sobre o impacto da tecnologia nas habilidades comunicativas dos estudantes.
Em entrevista ao portal A TARDE, o professor de história, Vitor Porto, destaca que os principais erros observados nos estudantes são em abreviações. "O famoso 'internetês' [escrita da internet em provas e trabalhos, atividades para casa], nessa geração, tem apresentado um erro grave na concordância e acentuação, o que dificulta para seu leitor o entendimento da ideia do que eles querem nos passar".
Além das dificuldades em escrever à mão, especialistas afirmam que os jovens têm pouca familiaridade para elaborar ideias complexas em textos. O docente, que leciona principalmente alunos do ensino médio, onde a dificuldade é mais clara, explica que "os estudantes estão muito expostos ao celular e às ferramentas digitais de modo geral. Com isso, alguns vocabulários não permitidos ou inexistentes da língua padrão acabam entrando na escrita, o que tem atrapalhado os jovens, dessa geração, na interação com matérias que exigem deste jovem, bem como a capacidade de reflexão", pontua Porto.
Com a habilidade de se expressar se tornando uma competência vital, a pergunta que se impõe é: existe a possibilidade de reverter esse cenário e preparar as futuras gerações para se comunicarem de maneira eficaz?
"Eu sou um professor que se utiliza de vários recursos para disputar a atenção desse jovem com o celular, mas acredito que a esquematização dos conteúdos em quadro para que o estudante copie em caderno, ainda é bastante útil. Além de orientações feitas em sala de como responder questões abertas", explica Porto.
"Posso tirar foto do quadro?"
A "facilidade" e a praticidade de "tirar foto do quadro", muitas vezes seguida da desculpa de que vai copiar depois, acabam atrapalhando também a motivação dos alunos. Ainda conforme o professor, a mudança nesse comportamento é notável e, geralmente, vem acompanhado de uma resistência, quando se ouve a frase: "É para copiar?".
"Hoje em dia, o estudante tem apresentado resistência em atividades que exigem respostas escritas, o que traduz uma triste realidade e desinteresse pela escrita. Hoje o estudante é bombardeado pela mensagem rápida e instância do WhatsApp e ferramentas afins, o que tem despertado cada vez mais a falta de desejo pela escrita", reforça.
Do ponto de vista da psicologia, a tecnologia associada ao uso das redes sociais provoca dificuldade no desenvolvimento da cognição e chega a impactar diretamente na saúde mental das crianças e jovens. O psicólogo analítico junguiano Matteus Gonzaga detalha que, por mais que possua impactos positivos como a aproximação dos seus pares, seja por gênero ou sexualidade, "socializar também é um aumento na socialização do mundo virtual e de uma criação de vínculos que são intensos e, em alguns momentos, até verdadeiros, em contrapartida a um distanciamento de perdas de interações sociais no que diz respeito ao presencial".
"Principalmente porque essas pessoas estão reféns à conexão vital que foi criada no meio tecnológico. É possível nomear através de estudos científicos a redução significativa da capacidade de concentração, de falta de flexibilidade cognitiva, principalmente no que diz respeito à memória, aprendizagem, atratividade, que são aspectos que são inerentes à cognição do ser humano", pontua o psicólogo, que é especialista em atendimento de crianças e adolescentes.
Já nos aspectos da saúde mental, conforme o especialista, "há um aumento expansivo na dificuldade em compreender as emoções e em desenvolver as habilidades sociais, além de procrastinações em atividades, desgaste das relações, irritabilidade associada ao imediatismo e consequentemente frustração que geram interações suicidas, em alguns casos, auto lesões e que tem um impacto gigantesco na saúde mental e também no aumento de transtornos mentais como a ansiedade e a depressão".
"Devido a esse prejuízo cognitivo e também psicológico, principalmente do que se é consumido, tanto nas redes sociais como em jogos, não fomentam a criatividade e o raciocínio, sobretudo na primeira infância, que é um período bastante importante na estrutura do cérebro. E o que nós temos cada vez mais presenciado e quantificado, cientificamente, é o aumento de uso em crianças na primeira infância, do uso de telas, de redes sociais e dos jovens na geração Z, uma dificuldade de reduzir o uso delas", explica Matteus.
O virtual se tornou mais atrativo do que a realidade?
Matteus destaca ainda que, para o primeiro passo para a diminuição e até resolução da questão, é necessário entrar no mundo deste jovem para compreender o porquê daquela ferramenta ser mais atrativa do que o mundo real. "Com isso, a gente consegue compreender o entorno do mundo tecnológico para além dos espaços de referência que a gente tem, como a escola", exemplifica. Além disso, é possível identificar quais são os fatores emocionais, sociais e psicológicos que contribuem para esse prejuízo.
As redes sociais nos deixaram preguiçosos, porque a gente faz parte de uma geração do 'aqui e agora'. Temos preferido uma mensagem do que uma ligação, uma ligação do que um encontro presencial.
"Eu entendo que a gente está nesse processo de constante movimento, mas a gente acaba esquecendo das consequências, que podem não ser imediatas, mas quando chegam em alguns casos são devastadoras".
Se do lado da educação existem ações para diminuir e solucionar os danos, o psicólogo acredita que algumas estratégias também podem ser implementadas para melhorar essas habilidades sociais.
"Eu ouso arriscar que através dos meus estudos e da minha prática, o ambiente mais nocivo, violento e perigoso, onde uma criança ou um adolescente podem estar atualmente, é nas redes sociais e no mundo tecnológico. A expansão da tecnologia e a sua permanência é nítida, mas é nítido também que a gente não consegue manusear essas ferramentas de uma forma mais assertiva, então acho que nesse momento a tomada de consciência do uso descontrolado das redes sociais e das tecnologias é o fator primordial para qualquer trabalho do profissional da psicologia", explicou Gonzaga.
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Entre as estratégias apontadas pelo especialista está o incentivo em relacionamentos que proporcionem a desconexão do mundo tecnológico. "É essencial para que eles possam desenvolver relações que envolvam empatia, colaboração, criatividade com atividades que estimulem o cérebro, como o quebra-cabeça, xadrez, que consequentemente proporcionam uma melhora na concentração, na memória e no aspecto cognitivo".
Existem também atividades ao ar livre, que possuem benefícios na saúde física e mental. Estudos como o publicado na revista Environmental Science & Technology mostram que mesmo 20 minutos de imersão em ambientes naturais podem reduzir os níveis de cortisol, o hormônio relacionado ao estresse. Essa desconexão temporária do mundo tecnológico permite um relaxamento profundo, aumentando a sensação de bem-estar e criatividade.
"Realizar atividades artísticas e criativas em grupo como dança, pintura, enfim, essas atividades também estimulam habilidades sociais e o cérebro para promover um senso de realização e também de auto expressão, que é perdido nesse processo", completou o psicólogo.
Papel dos pais nos dois âmbitos
Os pais desempenham uma função fundamental na mitigação dos efeitos negativos do uso excessivo do celular entre os filhos. Além disso, a comunicação aberta sobre os perigos das redes sociais e o uso responsável da tecnologia podem ajudar a cultivar um ambiente familiar mais seguro, saudável e equilibrado. A opinião dos profissionais é assertiva nesse quesito e valida o debate.
"São pessoas que precisam estar presentes, parceiros, com o profissional que esteja cuidando dessa criança para melhorar as habilidades sociais. Estabelecendo limites, tempo para o uso das redes sociais, tecnologias, criando rotinas que incluam momentos de promoção e de um ambiente que seja saudável na interação social dessa criança, desse jovem", afirmou o psicólogo Matteus Gonzaga.
Proibição do uso dos celulares nas escolas
Entre outras medidas, que agora se torna lei após a sanção do projeto, é a proibição do uso do celulares nas escolas. O presidente Lula (PT) sancionou nesta segunda-feira, 13, a medida que vale para alunos das redes públicas e privadas do país.
Com a nova legislação, o uso do equipamento fica vetado tanto durante as aulas como nos recreios e atividades extracurriculares e vale também para os funcionários da academia. O documento abre exceção apenas para fins pedagógicos ou em casos de emergência.
"Quando surgiu esse burburinho por volta de outubro do ano passado, sobre a possível proibição e agora a lei do uso dos celulares nas escolas, muitos pais já se mostravam parceiros da escola e dos professores nessa questão. Então, de modo geral, a gente tem os pais ativos, atentos e parceiros da escola nesse quesito, porque os pais entendem que o celular sem orientação em sala de aula mais atrapalha do que contribui. Então eles dão aval para isso", conclui o professor Vitor Porto.
A aceleração do processo vital contemporâneo traz à tona desafios e reflexões sobre a convivência e a interação nas instituições educacionais. Ao mesmo tempo, abre espaço para debates sobre a integração saudável da tecnologia no processo educacional, incentivando um olhar mais crítico sobre seu papel nas vidas dos jovens.
"A grande questão, acho que gira em torno disso, é que a gente não está se dando conta que estamos acelerando o nosso processo do ciclo vital, tanto de dias pelo excesso de informações sobrecarga de informações, como de consequência. Talvez a gente esteja também fechando o nosso ciclo mais rápido", alerta o psicólogo.
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