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ERA DIGITAL

Solidão em rede: o impacto da tecnologia nas habilidades de comunicação da geração Z

A TARDE destaque desta semana reflete sobre uso dos celulares atualmente

Por Brenda Lua Ferreira

15/01/2025 - 7:51 h
Ser nativa digital é nascer rodeada por um mundo com computadores, tablets e celulares
Ser nativa digital é nascer rodeada por um mundo com computadores, tablets e celulares -

Em um mundo cada vez mais conectado, a geração Z, nativa digital, enfrenta um paradoxo na comunicação: apesar de estarem sempre online, muitos jovens revelam dificuldades significativas na fluência verbal e escrita.

A geração Z é composta por pessoas nascidas entre 1997 e 2012. Ser nativa digital é nascer rodeada por um mundo com computadores, tablets e celulares, além de ter acesso a uma grande quantidade de mídias e informações, o que a torna ágil, curiosa e polivalente. A geração Z sucede a geração Millennial e antecede a geração Alpha.

Um estudo da Universidade de Stavanger, na Noruega, divulgado pelo portal Minha Vida, revelou que, após apenas um ano focando exclusivamente na escrita digital, 40% dos alunos perderam a fluência na caligrafia. Esses jovens apresentam uma escrita pouco legível, enfrentam desconforto físico ao escrever e se cansam mais rapidamente ao usar papel.

O uso excessivo de celulares nas escolas e a dependência de plataformas digitais têm contribuído para essa tendência, levantando preocupações entre educadores e especialistas sobre o impacto da tecnologia nas habilidades comunicativas dos estudantes.

Em entrevista ao portal A TARDE, o professor de história, Vitor Porto, destaca que os principais erros observados nos estudantes são em abreviações. "O famoso 'internetês' [escrita da internet em provas e trabalhos, atividades para casa], nessa geração, tem apresentado um erro grave na concordância e acentuação, o que dificulta para seu leitor o entendimento da ideia do que eles querem nos passar".

Além das dificuldades em escrever à mão, especialistas afirmam que os jovens têm pouca familiaridade para elaborar ideias complexas em textos. O docente, que leciona principalmente alunos do ensino médio, onde a dificuldade é mais clara, explica que "os estudantes estão muito expostos ao celular e às ferramentas digitais de modo geral. Com isso, alguns vocabulários não permitidos ou inexistentes da língua padrão acabam entrando na escrita, o que tem atrapalhado os jovens, dessa geração, na interação com matérias que exigem deste jovem, bem como a capacidade de reflexão", pontua Porto.

Com a habilidade de se expressar se tornando uma competência vital, a pergunta que se impõe é: existe a possibilidade de reverter esse cenário e preparar as futuras gerações para se comunicarem de maneira eficaz?

"Eu sou um professor que se utiliza de vários recursos para disputar a atenção desse jovem com o celular, mas acredito que a esquematização dos conteúdos em quadro para que o estudante copie em caderno, ainda é bastante útil. Além de orientações feitas em sala de como responder questões abertas", explica Porto.

Vitor Porto, professor de história do ensino médio
Vitor Porto, professor de história do ensino médio | Foto: Arquivo pessoal | Divulgação

"Posso tirar foto do quadro?"

A "facilidade" e a praticidade de "tirar foto do quadro", muitas vezes seguida da desculpa de que vai copiar depois, acabam atrapalhando também a motivação dos alunos. Ainda conforme o professor, a mudança nesse comportamento é notável e, geralmente, vem acompanhado de uma resistência, quando se ouve a frase: "É para copiar?".

"Hoje em dia, o estudante tem apresentado resistência em atividades que exigem respostas escritas, o que traduz uma triste realidade e desinteresse pela escrita. Hoje o estudante é bombardeado pela mensagem rápida e instância do WhatsApp e ferramentas afins, o que tem despertado cada vez mais a falta de desejo pela escrita", reforça.

Do ponto de vista da psicologia, a tecnologia associada ao uso das redes sociais provoca dificuldade no desenvolvimento da cognição e chega a impactar diretamente na saúde mental das crianças e jovens. O psicólogo analítico junguiano Matteus Gonzaga detalha que, por mais que possua impactos positivos como a aproximação dos seus pares, seja por gênero ou sexualidade, "socializar também é um aumento na socialização do mundo virtual e de uma criação de vínculos que são intensos e, em alguns momentos, até verdadeiros, em contrapartida a um distanciamento de perdas de interações sociais no que diz respeito ao presencial".

"Principalmente porque essas pessoas estão reféns à conexão vital que foi criada no meio tecnológico. É possível nomear através de estudos científicos a redução significativa da capacidade de concentração, de falta de flexibilidade cognitiva, principalmente no que diz respeito à memória, aprendizagem, atratividade, que são aspectos que são inerentes à cognição do ser humano", pontua o psicólogo, que é especialista em atendimento de crianças e adolescentes.

Já nos aspectos da saúde mental, conforme o especialista, "há um aumento expansivo na dificuldade em compreender as emoções e em desenvolver as habilidades sociais, além de procrastinações em atividades, desgaste das relações, irritabilidade associada ao imediatismo e consequentemente frustração que geram interações suicidas, em alguns casos, auto lesões e que tem um impacto gigantesco na saúde mental e também no aumento de transtornos mentais como a ansiedade e a depressão".

"Devido a esse prejuízo cognitivo e também psicológico, principalmente do que se é consumido, tanto nas redes sociais como em jogos, não fomentam a criatividade e o raciocínio, sobretudo na primeira infância, que é um período bastante importante na estrutura do cérebro. E o que nós temos cada vez mais presenciado e quantificado, cientificamente, é o aumento de uso em crianças na primeira infância, do uso de telas, de redes sociais e dos jovens na geração Z, uma dificuldade de reduzir o uso delas", explica Matteus.

Matteus Gonzaga, psicólogo analítico junguiano
Matteus Gonzaga, psicólogo analítico junguiano | Foto: Arquivo pessoal | Divulgação

O virtual se tornou mais atrativo do que a realidade?

Matteus destaca ainda que, para o primeiro passo para a diminuição e até resolução da questão, é necessário entrar no mundo deste jovem para compreender o porquê daquela ferramenta ser mais atrativa do que o mundo real. "Com isso, a gente consegue compreender o entorno do mundo tecnológico para além dos espaços de referência que a gente tem, como a escola", exemplifica. Além disso, é possível identificar quais são os fatores emocionais, sociais e psicológicos que contribuem para esse prejuízo.

As redes sociais nos deixaram preguiçosos, porque a gente faz parte de uma geração do 'aqui e agora'. Temos preferido uma mensagem do que uma ligação, uma ligação do que um encontro presencial.
Matteus Gonzaga - psicólogo

"Eu entendo que a gente está nesse processo de constante movimento, mas a gente acaba esquecendo das consequências, que podem não ser imediatas, mas quando chegam em alguns casos são devastadoras".

Se do lado da educação existem ações para diminuir e solucionar os danos, o psicólogo acredita que algumas estratégias também podem ser implementadas para melhorar essas habilidades sociais.

"Eu ouso arriscar que através dos meus estudos e da minha prática, o ambiente mais nocivo, violento e perigoso, onde uma criança ou um adolescente podem estar atualmente, é nas redes sociais e no mundo tecnológico. A expansão da tecnologia e a sua permanência é nítida, mas é nítido também que a gente não consegue manusear essas ferramentas de uma forma mais assertiva, então acho que nesse momento a tomada de consciência do uso descontrolado das redes sociais e das tecnologias é o fator primordial para qualquer trabalho do profissional da psicologia", explicou Gonzaga.

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Entre as estratégias apontadas pelo especialista está o incentivo em relacionamentos que proporcionem a desconexão do mundo tecnológico. "É essencial para que eles possam desenvolver relações que envolvam empatia, colaboração, criatividade com atividades que estimulem o cérebro, como o quebra-cabeça, xadrez, que consequentemente proporcionam uma melhora na concentração, na memória e no aspecto cognitivo".

Existem também atividades ao ar livre, que possuem benefícios na saúde física e mental. Estudos como o publicado na revista Environmental Science & Technology mostram que mesmo 20 minutos de imersão em ambientes naturais podem reduzir os níveis de cortisol, o hormônio relacionado ao estresse. Essa desconexão temporária do mundo tecnológico permite um relaxamento profundo, aumentando a sensação de bem-estar e criatividade.

"Realizar atividades artísticas e criativas em grupo como dança, pintura, enfim, essas atividades também estimulam habilidades sociais e o cérebro para promover um senso de realização e também de auto expressão, que é perdido nesse processo", completou o psicólogo.

Papel dos pais nos dois âmbitos

Os pais desempenham uma função fundamental na mitigação dos efeitos negativos do uso excessivo do celular entre os filhos. Além disso, a comunicação aberta sobre os perigos das redes sociais e o uso responsável da tecnologia podem ajudar a cultivar um ambiente familiar mais seguro, saudável e equilibrado. A opinião dos profissionais é assertiva nesse quesito e valida o debate.

"São pessoas que precisam estar presentes, parceiros, com o profissional que esteja cuidando dessa criança para melhorar as habilidades sociais. Estabelecendo limites, tempo para o uso das redes sociais, tecnologias, criando rotinas que incluam momentos de promoção e de um ambiente que seja saudável na interação social dessa criança, desse jovem", afirmou o psicólogo Matteus Gonzaga.

Proibição do uso dos celulares nas escolas

Entre outras medidas, que agora se torna lei após a sanção do projeto, é a proibição do uso do celulares nas escolas. O presidente Lula (PT) sancionou nesta segunda-feira, 13, a medida que vale para alunos das redes públicas e privadas do país.

Com a nova legislação, o uso do equipamento fica vetado tanto durante as aulas como nos recreios e atividades extracurriculares e vale também para os funcionários da academia. O documento abre exceção apenas para fins pedagógicos ou em casos de emergência.

"Quando surgiu esse burburinho por volta de outubro do ano passado, sobre a possível proibição e agora a lei do uso dos celulares nas escolas, muitos pais já se mostravam parceiros da escola e dos professores nessa questão. Então, de modo geral, a gente tem os pais ativos, atentos e parceiros da escola nesse quesito, porque os pais entendem que o celular sem orientação em sala de aula mais atrapalha do que contribui. Então eles dão aval para isso", conclui o professor Vitor Porto.

A aceleração do processo vital contemporâneo traz à tona desafios e reflexões sobre a convivência e a interação nas instituições educacionais. Ao mesmo tempo, abre espaço para debates sobre a integração saudável da tecnologia no processo educacional, incentivando um olhar mais crítico sobre seu papel nas vidas dos jovens.

"A grande questão, acho que gira em torno disso, é que a gente não está se dando conta que estamos acelerando o nosso processo do ciclo vital, tanto de dias pelo excesso de informações sobrecarga de informações, como de consequência. Talvez a gente esteja também fechando o nosso ciclo mais rápido", alerta o psicólogo.

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