
Por Andrêzza Moura
Corpos dilacerados por minas, soterrados ou devorados por porcos e cachorros desaparecem no silêncio de uma guerra que transforma a morte de brasileiros e de soldados de outras nacionalidades em lucro e negócio rentável. É esse o cenário que o baiano Rafael - nome fictício -, de 38 anos, descreve ao retornar da Ucrânia, onde atuou por meses como combatente na guerra contra a Rússia.
Em entrevista exclusiva ao Portal A TARDE, Rafael revelou que, além de enfrentar diariamente o inferno da guerra e conviver com o medo constante de morrer ou perder companheiros de front, os soldados ainda lidam com uma prática cruel coordenada por compatriotas: mortos são registrados como ‘desaparecidos úteis’, garantindo pagamentos e benefícios para unidades militares, enquanto famílias vivem o luto suspenso, a angústia do silêncio e a impossibilidade de dar um enterro digno a seus entes queridos.

“O contrato é de três anos. Se não tem corpo, o soldado é dado como desaparecido. Sem corpo, não tem morto. E o comandante continua recebendo o salário”,
Ele afirma que muitos dos corpos não são resgatados de propósito. “Não é porque não dá. É porque não querem. Os corpos não recuperados, muitas vezes, acabam como alimento para animais ou alvo de chacota dos russos. Muitos, os bichos comem", explicou.
Ainda segundo Rafael, os soldados mortos que não têm os corpos recuperados são classificados como missing in action (desaparecido em ação) ou lost in terrain (perdido no terreno). Esse status pode durar até três anos - período do contrato. Durante esse tempo, familiares não recebem informações, documentos, pagamentos ou sequer o corpo da pessoa amada. “Nenhum familiar é comunicado. Eles [comandantes] recebem até três anos, que é quando dá baixa no contrato”, reafirmou.
Mortes cruéis
Rafael explica que a maioria das mortes não ocorre em troca direta de tiros, mas por minas terrestres e drones explosivos, ressaltando o perigo constante que os soldados enfrentam no front. “O drone quando vem explode tudo, não sobra nada. Muitos morrem soterrados. Quando pisa numa mina, explode. Só fica do meio pra cima. Drones kamikazes transformam a pessoa em carne moída”, contou.

Ele relembrou que houve um tempo em que os restos mortais dos soldados eram repatriados, mas isso mudou drasticamente. "Transportar um corpo de lá pra cá é papo de um milhão. Antigamente, incineravam e enviavam só as cinzas. Agora, nem isso", lamentou.
No relato, Rafael contou ainda que muitas famílias só descobrem a morte de seus entes queridos por colegas sobreviventes, mensagens de grupos de WhatsApp, prints de redes sociais ou vídeos que circulam no Telegram.

“É assim que aparecem: uma foto com um X e a frase ‘Brazilian merc down’ [Mercenário brasileiro caído]", diz Rafael, ao citar fotos de soldados mortos. As marcações nas imagens são feitas pelos russos e disseminadas na internet. Segundo ele, os combatentes estrangeiros são classificados pelos russos como mercenários, pessoas que lutam apenas por dinheiro.
Ranking de Mortes: brasileiros na segunda posição
O baiano relatou que, pior semana, cerca de 60 soldados estrangeiros são mortos em combate. Ele acrescentou que existe um ranking de perdas no front, no qual os brasileiros ocupam o segundo lugar, atrás apenas dos colombianos.
No ranking de mortos por nacionalidade, os colombianos lideram, com cerca de 800 mortes, seguidos pelos brasileiros, com aproximadamente 300, e pelos americanos, com cerca de 150. Na extensa lista de brasileiros mortos na guerra, muitos jovens de diferentes regiões do país.

Alguns brasileiros mortos
- Kauã Victor da Silva – Anápolis, Goiás
- Luís Felipe Vieira Toledo – Rio de Janeiro
- Francisco Elton De Araújo – São Luís, Maranhão
- Lucas Lima – São Geraldo, Minas Gerais
- Joas da Rosa Oliveira Serafim – Canoas, Rio Grande do Sul
- Daniel Lucas de Campos – Campinas, São Paulo
- Wendrilli Polga Lopes – Rio Grande do Sul
- Brayan Caldeira Vasconcelos – Rio de Janeiro
- Arthur Santiago da Silva – Governador Valadares, Minas Gerais
- Luís Kauan Marta de Freitas – Rio Grande do Sul
- Raysson Mendes dos Santos – Manaus, Amazonas
- Luís Felipe Martin – São Pedro, São Paulo
- Thiago Paulo Bulhões – São Paulo
- José Nito de Jesus Souza – Maiquinique, Bahia
- João Victor de Brito Valim – Jacareí, São Paulo
- Francisco Alves dos Santos Filho (Zeus) – Teresina, Piauí
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Sistema perverso
Por fim, Rafael denuncia que o sistema criado nos batalhões é perverso e diz que, quanto mais soldados morrem sem que seus corpos sejam recuperados, maior é o desvio de recursos para as contas bancárias dos comandantes, já que eles são responsáveis por receber dos ucranianos os pagamentos destinados aos soldados. “Trabalhei muitos meses lá, mas só recebi salário três meses. O resto ficou com o batalhão”, contou.

Ele acrescenta que “o soldado morto que não tem corpo recuperado continua registrado como ativo, gerando pagamentos e benefícios para a unidade, enquanto nenhuma informação é repassada à família".
O Portal A TARDE procurou, mais uma vez, o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) para saber quais medidas o órgão tem adotado em relação à participação de brasileiros na guerra da Ucrânia, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
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