BELÉM
COP30: Amazônia vira epicentro climático com Lula, otimismo e ausências chave
Liderança do Brasil, redução do desmatamento, demandas indígenas e o dilema entre ambição e inação global

Por Georges Humbert*

A 30ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP30) iniciou suas atividades nesta segunda-feira na capital paraense, transformando a Amazônia em epicentro global da discussão ambiental.
Sob a presidência brasileira, o evento reúne delegados de mais de 190 países em um cenário marcado por avanços notáveis e lacunas persistentes, refletindo as complexidades de um mundo ainda distante de uma ação climática efetiva. Como observador das dinâmicas ecológicas e sociais, vejo nesta abertura um equilíbrio delicado entre otimismo regional e frustrações sistêmicas, onde o futuro do planeta é negociado em meio a ausências políticas e demandas urgentes.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu os trabalhos com um tom assertivo, defendendo uma “transição justa” e destacando a redução de 50% no desmatamento amazônico desde sua volta ao poder – um feito que preservou cerca de 790 mil hectares de floresta. “É mais barato salvar o planeta do que financiar guerras”, afirmou Lula, em uma crítica velada aos trilhões de dólares desviados para conflitos armados enquanto nações vulneráveis clamam por recursos para adaptação climática.
Esse posicionamento fortalece o papel do Brasil como líder do Sul Global, com ênfase em temas como cidades resilientes, infraestrutura sustentável e gestão de recursos hídricos, que dominaram a agenda inicial.

Entre os pontos positivos do dia, destaca-se a voz dos povos indígenas, que percorreram até 3 mil quilômetros de barco para participar do evento. Representantes de etnias amazônicas exigiram a homologação de territórios tradicionais e o reconhecimento de seus saberes ancestrais, combatendo o que chamam de “racismo ambiental”. Líderes regionais, como o presidente colombiano Gustavo Petro, ecoaram essas demandas, acusando o negacionismo climático de figuras como o recém-eleito Donald Trump de “levar a humanidade ao abismo”.
Iniciativas concretas, como o programa “Amazônia Viva” do Banco Mundial e compromissos de bancos multilaterais para investimentos em descarbonização, sinalizam potenciais parcerias que podem preencher vazios diplomáticos. Além disso, painéis sobre migração climática, promovidos por organizações como a OIM e o ACNUR, humanizaram o debate, integrando histórias de refugiados ambientais em discussões mediadas por figuras como o ator Alfonso Herrera. Para países como a Nigéria, a COP representa uma janela para atrair investimentos em energias renováveis e agricultura sustentável.
No entanto, as sombras do primeiro dia não podem ser ignoradas. A ausência de chefes de Estado chave – incluindo dos Estados Unidos, China, Rússia e outros – marca o menor comparecimento desde 2019, expondo um isolamento diplomático agravado pela vitória de Trump, que planeja retirar os EUA do Acordo de Paris mais uma vez. Essa lacuna abre espaço para influências geopolíticas, como a expansão da tecnologia verde chinesa, mas a custo de dependências questionáveis.
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Os planos nacionais de redução de emissões seguem insuficientes, projetando cortes de apenas 10% até 2035, bem abaixo dos 60% necessários para limitar o aquecimento a 1,5°C. Críticos apontam para a infiltração de indústrias químicas e de combustíveis fósseis nas negociações, transformando o evento em um “teatro climático” de promessas vazias de net-zero.
Contradições entre discurso e prática são evidentes: enquanto delegados chegam em jatos privados - nada contra os jatos, projetos como a rodovia BR-319 - nada contra obras de infra ameaçam intensificar o extrativismo na região, posturas que, longes abomináveis, contraria, na prática, o discurso e as pautas exclusivamente ecológicas - em desequilíbrio e oposição às sociais e econômicas.
O financiamento climático permanece uma piada amarga: os US$ 100 bilhões anuais prometidos nunca se materializaram plenamente, e agora se discute US$ 1,3 trilhão para adaptação – sem garantias reais de entrega. Além disso, o evento ignora “pontos cegos” como o impacto de conflitos armados na sustentabilidade, seja na dignidade social humana, seja no esfacelamento de infra-estruturas, mercados, empreendimentos e economias, seja em razão do dano ecológico direto aos ecossistemas, com guerras na Ucrânia e no Oriente Médio consumindo recursos bilionários.
Vozes palestinas, que não a dos abomináveis terroristas do Hamas, denunciaram o “ecocídio” em Gaza, onde 93% das terras agrícolas foram destruídas, criando zonas de “não-vida” – uma seletividade no discurso global que revela falhas no multilateralismo da UNFCCC.
Quase encerrando o seu primeiro dia, a COP30 estréia com um equilíbrio precário: forças como a liderança brasileira e o foco em adaptação contrastam com fraquezas como ausências e inação prática, hipocrisia e fuga de temas sociais e econômicos, que são bases para a efetiva preservação ambiental.
*Georges Humbert é correspondente especial do Grupo A TARDE na COP30, em Belém (PA).
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