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13 DE MAIO

Negros libertos, mas não incluídos: entenda as feridas da abolição

Professor explica como o fim da escravidão ainda impacta na vida da população negra do Brasil

Por Isabela Cardoso

13/05/2025 - 19:21 h | Atualizada em 13/05/2025 - 19:53
A abolição da escravatura: quadro de 1849 de François-Auguste Biard
A abolição da escravatura: quadro de 1849 de François-Auguste Biard -

Neste 13 de maio, data que marca os 137 anos da assinatura da Lei Áurea e o fim oficial da escravidão no Brasil, não há muito a se comemorar. A libertação de negros escravizados no país ocorreu sem qualquer medida de reparação, inclusão social ou garantia de direitos. O fim da escravidão foi formal, mas a desigualdade estrutural segue viva até hoje na população negra.

“O Estado brasileiro não inclui o negro após a abolição”, afirma Bira Carlucio, professor de Geografia no Instituto Federal da Bahia (IFBA), mestre em Educação e Relações Étnico-Raciais. Ele lembra que antes mesmo da abolição, medidas legais já delimitavam o lugar da população negra.

“A gente tem 1837 que proíbe o acesso à educação, à instrução, os negros, os descendentes de indígenas, os descendentes dos negros. Já em 1850, a proibição do acesso à terra”, explica, em entrevista ao Portal A TARDE.

Segundo o professor, essas restrições mostram que o processo de exclusão racial foi sistematicamente planejado. Enquanto o Estado brasileiro incentivava a imigração europeia e oferecia terra aos recém-chegados, os negros alforriados eram empurrados para as margens da sociedade. Essa exclusão foi determinando como os negros foram classificados e tratados após a abolição.

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“É nessa perspectiva que eles vão denominá-la de mulato, de pardo. São algumas concessões para que ocorresse a desagregação política dos negros, para que não se entendessem quanto negritude, mas sim quanto pretitude. Então, quanto mais claro você fosse, você sendo negro, teria pequenas concessões para se estruturar politicamente”, afirma o professor.

Isso resultou em um processo que criminalizava práticas culturais negras e associava a população à marginalidade. Sem acesso à saúde e em condições precárias de vida, os negros foram empurrados para os extremos urbanos.

“Quem era que vadiava? Quem vagabundava? Quem era malandro? Eram os negros. Começa a partir daí também um projeto de encarceramento da população negra, sem acesso à saúde, sempre se acometia das doenças, não tinham condições. Foram se criando as habitações, favelas, mocambos, palafitas, cortiços. Vão ser aglomerados subnormais, construídos por essas pessoas que têm uma margem social, econômica e política. Isso porque, se a gente não tem acesso à educação, a gente não tem acesso ao conhecimento. Consequentemente, não tem acesso ao poder econômico”, explica Bira.

A abolição da escravatura: quadro de 1849 de François-Auguste Biard
A abolição da escravatura: quadro de 1849 de François-Auguste Biard | Foto: Wikimedia Commons/Reprodução

Racismo estrutural enraizado

Essa lógica de exclusão atravessou o tempo e se faz presente nos indicadores sociais atualmente. O racismo estrutural, como explica o professor, molda a sociedade brasileira desde o século XIX.

“Você vai ter um racismo que é diferente de preconceito, vai estruturar a sociedade. Esses quase quatro séculos de escravização, vai ter também vários atores institucionais, seja ele o Estado, nessas mais diversas instituições, seja ele a religião. Vão, na verdade, condicionar a religião do negro associando a questões malignas, ao demônio, a cultura negra como subalternizada, a cultura negra como exótica, a beleza negra sendo diferente, o cabelo crespo associado a questões ruins”, diz.

O corpo negro continua sendo lido socialmente como inferior, afirma Bira. “E o pior, dentro da gradação de cores fenotípicas, quanto mais retinto você é, mais você sofre com o processo de negação, de silenciamento, de violência, de agressões. Nunca houve democracia racial nunca houve cordialidade. Tem um pacto narcisístico da branquitude, que ainda que as pessoas brancas não percebam, são beneficiadas”.

As cotas e o reconhecimento tardio

Diante desse cenário, políticas públicas como a Lei 10.639/03 e as cotas raciais são vistas como passos fundamentais para o enfrentamento da desigualdade racial no país. A obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas e o Estatuto da Igualdade Racial são necessárias para a desconstrução.

“As cotas raciais são importantes porque o Estado brasileiro vai reconhecer que não há paridade de armas, que há uma desigualdade no acesso à educação e na educação pública de qualidade. Há desigualdade na disputa no mercado de trabalho, seja ele público ou privado, um acesso à universidade. As cotas são implementadas, dentro de um plano de 10 anos, para dar tempo ao Estado de melhorar a educação básica, por causa do sucateamento da educação pública”, detalha Bira.

Imagem ilustrativa da imagem Negros libertos, mas não incluídos: entenda as feridas da abolição
| Foto: Canva | Divulgação

No entanto, as ações afirmativas ainda são insuficientes diante da magnitude do problema, segundo o professor. “A gente não tem um conjunto ainda de políticas públicas para efetivar a reforma agrária. Normalmente são pessoas negras e que venham ocupar essas áreas mais insalubres nas grandes capitais. A gente tem a necessidade de entender que as políticas afirmativas se são necessárias para o fim de toda essa negação secular do acesso ao direito da população negra”, complementa.

13 de maio: celebrar ou refletir?

Para muitos, o 13 de maio não é uma data de festa, mas de reflexão. A abolição da escravidão foi incompleta, não acompanhada de políticas de inserção ou de reparação.

“As condições indignas, subumanas, subalternizadas, ainda no dia de hoje agridem os espaços de poder. A gente não se vê nos espaços de poder. E, quando um ou outro consegue furar a bolha, esses espaços não estão preparados para nós”, diz Bira Carlucio.

A presença negra ainda é exceção em cargos de liderança, na política, na mídia, na academia. Por isso, para Bira, a data deve provocar inquietação e resistência.

“É muito mais uma data para se refletir, para se inquietar, para pensar, para buscar se inserir dentro do contexto estatal. Não tem como a gente ter um Estado democrático de direito se todos e todas os grupos étnicos, grupos sociais, independente de criança, de raça, de gênero, de orientação sexual, não estiverem representados nos espaços de poder”, conclui.

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Tags:

abolição da escravatura cotas raciais racismo estrutural

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