DESAFIOS
Preconceito impede mulheres negras de atingirem cargos de liderança
No Brasil, apenas 10% de mulheres negras conseguiram alcançar posições de chefia em empresas
Por Carla Melo
Atualmente CEO do Wakanda Educação Empreendedora, Karine Oliveira sentiu desde cedo as dores da invisibilização e do preconceito por ser mulher negra e periférica em uma posição de liderança em uma instituição corporativa.
Estar à frente da sua própria empresa não foi empecilho para que a empresária fosse “descredibilizada” com frases que colocaram em dúvida o seu potencial devido a sua idade ou a ausência de uma certificação de especialização em empreendedorismo.
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Ela não está só neste cenário. No Brasil, 96% das mulheres ouvidas na pesquisa “Mulheres Negras na Liderança”, realizada em parceria entre o Pacto Global da ONU no Brasil e a pesquisa 99jobs, afirmaram que consideram que ainda existe preconceito no mercado em colocar mulheres em posições de liderança.
Não só isso. A ausência de mulheres em cargos de liderança reaquece a discussão sobre o papel das empresas no enfrentamento às barreiras para ascensão da representação feminina. Isso também é uma problemática corporativa: 81% das empresas brasileiras têm, no máximo, 10% de mulheres negras em cargos de chefia e outras 70% das mulheres negras são lideradas por homens.
Desafios
Para essas mulheres, portanto, os desafios para alcançar cargos de liderança são ainda maiores quando esses espaços são finalmente conquistados. A manutenção nessas posições de liderança costuma vir acompanhada com um esforço máximo para ser ouvida e ter autonomia das funções nas corporações.
“Existe toda uma pressão para que ela tenha comportamentos que são completamente aceitáveis no mundo masculino, como, por exemplo, ser assertiva e ser firme nas suas próprias decisões, o qual é muito cobrado para a mulher que ela não tenha esse comportamento, ou, enfim, ela vai sofrer mais retaliações. Então, os desafios só aumentam quando você aumenta um cargo de gestão”, explica Karine Oliveira
Essa também foi a realidade de Dayane Barbosa Oliveira, atualmente sócia e head de Atendimento e Comunicação, da Asminas Conteúdo Digital.
“Infelizmente não somos a imagem que reflete liderança, isso dói dizer, mas a partir da minha experiência senti que nada parecia ser suficiente, formação, projeto premiado, boa relação atributos positivos que não foram suficientes para me enxergar como uma potencial líder da área, e isso nos adoece aos poucos”, conta ela.
A pesquisa confirma isso. Entre as cinco dificuldades mais frequentes citadas pelas entrevistadas para chegar a um cargo de liderança estão o racismo estrutural (52%); machismo institucional (48%); conciliar objetivos com atividades pessoais (43%); acesso a experiências (34%) e conciliar objetivos com atividades familiares (30%).
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Esses desafios, entretanto, desenvolvem algo que as empresárias apontam como síndrome da impostora - condição que afeta especialmente mulheres e é caracterizada por pensamentos que reforçam a falta de confiança e a sensação de que o sucesso atingido não foi merecido.
“Então geralmente a gente acaba colocando muito que essas mulheres, elas têm que estar sempre prontas, sempre preparadas, sempre 100%, e não existe nenhum tipo de líder que nunca tenha errado. Então acaba que é uma parte das mulheres que ficam muito insegura por conta de conseguir arriscar em alguns outros cargos”, complementa Karine Oliveira.
Como mudar
Apesar de ser uma problemática enraizada e difícil de ser extirpada devido aos percalços históricos de desigualdade de gênero e o preconceito, a solução é simples. As empresárias apontam que um importante passo a ser tomado pelas instituições corporativas é a negociação com as pessoas que geralmente estão nestes lugares de poder: homens.
“É importante conversar com esses homens em cargos de gestão para que eles comecem realmente a pensar no seu legado através das qualidades, através das habilidades dessa pessoa. Acredito que é preciso sensibilizar cada vez mais, porque a minha parte dos cargos de gestão são ocupados por homens, e homens contratam pessoas com que se pareçam com eles, muitas vezes fisicamente”, explica Dayane.
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O administrador e especialista em gestão de pessoas, Bruno Omeltech, tem uma explicação para isso, e atribui essas dificuldades, além dos relatos trazidos pelas empresárias, aos vieses inconscientes das lideranças dessas corporações. Para ele, essas pessoas tendem a estar mais próximas, promover e selecionar as pessoas que são mais parecidas
“Esse é o ponto principal porque vai em todo o ecossistema de gestão de pessoas, desde recrutamento e seleção, até avaliação de desempenho, até geração de oportunidade e promoção. Então, quanto menos pessoas enviesadas nós tivermos nas organizações, melhor serão as oportunidades”, disse ele.
Políticas
Para driblar essas diferenças, grandes corporações têm investido em programas de diversidade, mas segundo o especialista, essas ações não são suficientes para diversificar e proporcionar esse aumento das mulheres negras na liderança. Além disso, o especialista aponta que é importantes extinguir esses vieses inconscientes, e para isso, aponta duas formas para aplicá-las.
A primeira diz respeito à capacitação de mulheres, que têm se mostrado expressivas no mercado de trabalho. Em 2023, a ocupação feminina alcançou o recorde histórico, ao totalizar 43.380.636 mulheres, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílio (Pnad), e capacitar mulheres negras para lideranças corporativas é sinônimo de preparação para melhora de resultados. Outra política importante para ser colocada em prática, é a mudanças de cultura da empresa.
“Precisamos treinar internamente as pessoas sobre cultura, sobre como diminuir os vieses inconscientes e como construir processos e políticas que deem chance para todos da empresa participarem. A capacitação é fundamental neste processo, e estruturar a cultura da empresa, para que ela deixe de ser uma empresa com uma cultura muito tradicional e que vem da revolução industrial, para transformá-la em uma cultura do mercado atual, em uma cultura do século 21. Transformar a cultura para uma cultura de resultado, uma cultura de meritocracia, uma cultura de análise e avaliação de competência, desempenho, é fundamental para dar a oportunidade para todo mundo”, explica o especialista.
Outra importante etapa a ser feita, é incentivar as mulheres a conquistarem esses espaços. As empresárias Karine Oliveira e Dayane Barbosa, defendem que na ausência de políticas de capacitação a essas mulheres, é importante que essas pessoas
“É preciso que as mulheres se fortaleçam em outros grupos como mentorias e consultorias, mas principalmente comecem a arriscar mesmo não estando prontas. Ninguém nunca estará 100% pronto para uma vaga. Se for realmente esperar ficar 100% pronta, alguém com mais coragem vai poder fazer antes. A gente incentiva que as mulheres arrisquem mais e confiem na sua maior habilidade e aceitem que tem outras que ela vai aprimorar com o tempo”, diz Karine.
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