POLÊMICA
Cinemas de Salvador vão parar de exibir trailers? Entenda nova lei
Nova lei altera horários das sessões e levanta dúvidas sobre o futuro dos trailers; exibidores alertam para impactos culturais e financeiros

Por Beatriz Santos

Uma nova lei municipal mudou a rotina das salas de cinema em Salvador e trouxe uma pergunta que tem dominado as redes sociais: os trailers antes dos filmes vão acabar? A resposta, por enquanto, é não, mas o modo como eles serão exibidos pode mudar de forma significativa e gerar efeitos que preocupam o setor.
A legislação sancionada pelo prefeito Bruno Reis (União Brasil) determina que o filme deve começar exatamente no horário divulgado na programação, sem incluir trailers, propagandas ou conteúdos institucionais.
O descumprimento pode gerar desde advertência até multa de R$ 5 mil e suspensão do alvará por até 30 dias, em caso de reincidência. Com a nova regra, os trailers obrigatoriamente deverão acontecer antes do horário oficial da sessão, o que altera toda a dinâmica que o público já conhece.
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Para responder se os trailers deixarão de existir na prática, e como isso afetará o público e o mercado, o Cineinsite A TARDE ouviu com exclusividade o Circuito Saladearte, uma das principais redes de cinema alternativo da cidade.
O que muda com a lei
O texto sancionado estabelece que “considera-se como horário de início da sessão o momento em que efetivamente se inicia o filme, não sendo computados trailers, propagandas comerciais ou institucionais”. A exibição de conteúdos publicitários deve ocorrer antes do horário comunicado ao público.
A regra é resultado de um projeto do vereador Randerson Leal (Podemos), aprovado em setembro na Câmara Municipal. A fiscalização ficará a cargo da Codecon Salvador, e a lei entra em vigor 60 dias após sua publicação, com até 90 dias para regulamentação das medidas.
Os trailers vão acabar?
Segundo os cinemas Saladearte, a manutenção dos trailers é vital tanto por motivos logísticos quanto financeiros. A rede afirma que continuará exibindo trailers e vídeos publicitários, mas eles terão de ser apresentados antes do horário marcado da sessão, caso a prefeitura exija o início pontual do filme.
Em entrevista exclusiva, a rede revelou que ainda tenta entender como a lei será aplicada na prática: “A legislação não foi discutida com o setor exibidor, e há pontos que precisam ser esclarecidos para que qualquer cinema consiga se adequar de forma responsável. Se a determinação for que o filme comece exatamente no horário divulgado, cumpriremos mas isso exigirá uma reorganização completa do fluxo das sessões e da experiência do público.”
Trailers antes, filme no horário?
Para o Saladearte, a exibição dos trailers continua essencial, e será mantida dentro do possível: “O Circuito Saladearte continuará exibindo trailers e VTs, que, no nosso caso, já ocupam apenas 5 a 7 minutos no máximo, sempre buscando equilibrar a experiência do espectador e a necessidade de divulgar os filmes.”
Mas se o horário anunciado for, necessariamente, o do início do filme, os trailers terão de ser antecipados: “Se o filme começa às 15h30, os trailers teriam de ocorrer por volta de 15h20. E esse é justamente o ponto de incerteza: o público vai entrar às 15h20, para assistir aos trailers e anúncios, ou vai chegar apenas às 15h30, porque este é o horário anunciado como início do filme?”
A possibilidade de o público só chegar no horário exato do filme preocupa os exibidores: “Se as pessoas chegarem somente às 15h30, os trailers e VTs serão exibidos para uma sala vazia, e, nesse cenário, naturalmente os anunciantes vão se afastar, já que não haverá público vendo seus materiais.”
Risco de perdas financeiras e impacto cultural
Os cinemas alertam que a mudança pode agravar uma situação já delicada: “Os cinemas, especialmente os de circuito alternativo, já trabalham com margens extremamente reduzidas e enfrentam as consequências do duro impacto causado pela pandemia, a recuperação tem sido lenta e difícil.”
Além da receita, o setor teme prejuízo cultural: “Existe um prejuízo cultural e estrutural que precisa ser destacado. Os trailers são uma das principais ferramentas de divulgação de filmes no mundo inteiro. O espaço de publicidade antes do filme também ajuda os cinemas a divulgar seu próprio produto e conteúdo.”
O impacto é direto na formação de público: “É nesse momento que o público conhece outros filmes em cartaz, futuros lançamentos, produções nacionais e locais, obras independentes que dependem muito desse espaço para atingir o público.”
O trailer cria desejo, gera interesse e forma público, especialmente para o cinema brasileiro e para o cinema baiano, que não contam com grandes campanhas de marketing ou massificação na TV.
A consequência, segundo o Saladearte, pode ser grave: “Se esse espaço for esvaziado por falta de público presente na sala, perderemos um dos mecanismos mais importantes de circulação e fortalecimento da produção audiovisual no Brasil.”
E há ainda riscos para toda a cadeia produtiva: “Toda a cadeia perde: exibidores, distribuidores, produtores, realizadores, e o espectador perde o contato com novos filmes. Retirar agora mais uma fonte importante de receita, a venda do espaço publicitário na tela, que ajuda a manter a operação funcionando, é agravar ainda mais um setor que já opera sob enorme pressão econômica.”
Se o público não estiver presente na sala durante os trailers, os anunciantes não permanecerão, contratos terão de ser revistos e parte dessa receita pode desaparecer. Isso fragiliza ainda mais a sustentabilidade das salas e impacta diretamente a cadeia audiovisual.
Custos de adaptação e dúvidas sobre a demanda da lei
A rede diz que não haverá aumento de despesa, mas sim risco de perda de receita: “Precisamos observar como o público vai se comportar na prática, se entrará antes ou se chegará apenas no horário exato do filme, o que, pela experiência do setor, é o mais provável. Isso vai definir se ainda fará sentido manter trailers e VTs na programação.”
Saladearte também questiona a origem da demanda: “Outro aspecto que chama atenção é que essa lei não parece responder a uma demanda real do público. Pelo contrário: tudo o que temos visto em comentários, redes sociais e manifestações espontâneas do público é justamente que a lei soa desnecessária e até absurda.”
Ela não atende aos interesses dos exibidores, não atende aos anunciantes, não atende ao cinema como espaço cultural e tampouco parece atender aos espectadores, que em sua grande maioria não reivindicaram essa mudança.
Afinal: os trailers acabam ou não?
Os trailers não devem acabar, mas podem perder relevância caso o público só passe a entrar na sala no horário exato do filme.
Por questões logísticas e financeiras, os cinemas pretendem manter os trailers, mas sua eficácia, e até sua permanência, dependerá do comportamento dos espectadores e da forma como a lei será regulamentada.
No fechamento desta reportagem, o Cineinsite A TARDE procurou outras redes de cinema, mas não obteve retorno até a data de publicação.
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