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Fest Brasília investe em filmes sobre a busca de um lugar no mundo
“Suçuarana” deu início à Mostra Competitiva de longas do 57º Festival de Brasília
Por Rafael Carvalho | Especial para A Tarde*
“Suçuarana”, filme dirigido pelos mineiros Clarissa Campolina e Sérgio Borges, deu início à Mostra Competitiva de longas do 57º Festival de Brasília. A trama acompanha Dora (Sinara Teles), uma espécie de desgarrada que percorre o interior mineiro à procura de emprego e pouso. Mais que isso, ela sonha em encontrar uma pequeno terreno que pertenceu à sua mãe, portanto sua terra de origem e direito.
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Ela possui uma fotografia da matriarca neste lugar, e a legenda atrás da foto o nomeia como Vale de Sussuarana, embora ela mesma não saiba exatamente onde fica e em que situação se encontra no momento. Aparentemente é só esse vestígio de informação que ela possui, o que torna sua busca quase idílica por um lugar que ela imagina como lar.
E talvez mais do que um espaço físico, o que ela busca de fato seja um sentimento de pertencimento diante da vida andarilha que ela leva, quase como uma espécie de retorno ao útero materno – conforto e acolhimento.
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Quando o filme começa, Dora vive num casebre de beira de estrada e trabalha entregando botijão de gás nas redondezas, mas ela já se prepara para deixar o lugar e pegar a estrada. Muito mais adiante no filme, quando alguém lhe pergunta há quanto tempo ela está na estrada, ela responde que “há mais de dez anos”. Ou seja, aquilo que vimos no início é, na verdade, a metade do caminho.
O que o filme faz é nos inserir nessa trajetória continuada que a conta-gotas revela os anseios que cercam essa personagem misteriosa. A paisagem bucólica do interior de Minas Gerais, mais a construção sonora desses ambientes abertos e amplos, dimensionam a solidão errante de Dora.
Tentações
As questões relacionadas à busca de uma identidade familiar e um se encontrar no mundo continuaram dando a tônica dos longas da mostra competitiva do Festival de Brasília. Na segunda noite de exibições, o filme do Distrito Federal “Pacto de Viola” resgatou um arquétipo já muito explorado nas narrativas ficcionais: o do filho pródigo que retorna ao antigo lar, acrescido aqui das dinâmicas relacionadas ao pacto fáustico, pegando caronas nas crendices populares do interior do Brasil.
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O cineasta e roteirista Guilherme Bacalhao adentra o imaginário interiorano não só por fazer do protagonista, Alex (Wellington Abreu), um cantador de viola que tenta emplacar uma carreira musical no universo das modinhas mais tradicionais do sertanejo, mas por contrapô-lo ao pai (Sérgio Vianna) que é um cantador, capitão do Terno de Folia de Reis de sua comunidade, manifestação popular muito comum em diversas cidades do Brasil profundo e rural.
É esse pai que fica muito adoentado na pequena cidade de Urucuia e apressa o retorno do filho para sua região natal. Curioso pensar que não se trata aqui de um embate entre tradição e modernidade – o tipo de música que Alex pratica representa certa tentativa de manter viva uma forma raiz de tocar a viola, tendo ele inclusive gravado um CD para divulgar seu trabalho, nada mais anacrônico nos dias atuais.
Mas ao retornar ao antigo lar de sua juventude, Alex é impelido a seguir a tradição interiorana e se manter naquele lugar, talvez assumindo o posto do pai como tocador na folia.
A isso, o filme acrescenta um outro elemento que pertence ao universo das crenças religiosas. Não só é oferecido ao protagonista a oportunidade de invocar certa relação com forças diabólicas, como iremos descobrir mais tarde que esse tipo de conexão oculta está bem mais presente no seio familiar do que se espera.
A partir de certo ponto, “Pacto de Viola” investe numa atmosfera anticlimática entre o assombroso e a árida realidade sertaneja – o filme se passa no norte de Minas Gerais –, fazendo das possibilidades e tentações sobrenaturais uma forma de discutir os dramas pessoais sobre pertencimento e legado.
*O jornalista viajou para Brasília a convite da organização do evento.
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