CRÍTICA
Wicked 2 é bom? Filme tropeça onde ninguém esperava
Longa entrega emoção, mas esbarra em excessos e ritmo desigual

Por Beatriz Santos

A segunda parte de Wicked chega aos cinemas trazendo a responsabilidade de fechar uma história marcada por espetáculo e grandes expectativa, cercada por anos de espera e pelo peso de adaptar um dos musicais mais influentes da Broadway.
Se o primeiro filme havia surpreendido ao desafiar não apenas a gravidade, mas também o público, a sequência chega marcada pela inevitável comparação e pelo desafio de alcançar um impacto semelhante.
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O novo filme assume uma atmosfera mais sombria e operística, deixando claro desde os primeiros minutos que a leveza da primeira parte dá lugar a uma narrativa mais densa, politizada e emocional.
Ao ampliar conflitos e aprofundar a trajetória das protagonistas, a produção tenta equilibrar grandiosidade e sensibilidade, mostrando a transformação de Elphaba em uma figura incompreendida e a de Glinda em alguém obrigada a amadurecer diante de um mundo em colapso.
Ainda assim, esse esforço é constantemente atravessado por oscilações narrativas que afetam a fluidez da história. Algumas cenas estendem emoções sem necessidade, enquanto outras avançam rápido demais, quebrando o ritmo e diminuindo o peso de reviravoltas que deveriam soar mais impactantes.
Essa irregularidade se torna ainda mais evidente para quem chega esperando a mesma energia dinâmica e vibrante da primeira metade, energia que simplesmente não encontra equivalente aqui. E, como parte do desafio narrativo, paira ainda a ausência de um número musical tão icônico quanto 'Defying Gravity'. Embora 'For Good' cumpra parte desse papel e alcance momentos de grande emoção, o restante das músicas não consegue manter o mesmo impacto.
Do ideal à perseguição
Com o mundo de Oz em ebulição, Wicked: Parte 2 mergulha na derrocada política que transforma Elphaba em inimiga pública, não por seus atos, mas pela narrativa construída a seu respeito.
A figura da “Bruxa Má” nasce menos das escolhas de Elphaba e mais de um sistema empenhado em fabricar um vilão conveniente. É nesse ponto que o filme adota um tom mais trágico: a protagonista se torna produto da distorção, do medo coletivo e da propaganda cuidadosamente construída ao seu redor.
Essa dinâmica reflete a tentativa — ainda que superficial — de inserir alegorias sobre autocracia e resistência. O longa até sugere essas discussões, mas nunca chega a desenvolvê-las com profundidade. A personagem, que antes buscava apenas justiça para os animais, agora precisa lidar com perseguição, a manipulação das massas e com a solidão crescente que acompanha sua imagem pública.

Essa atmosfera mais sombria intensifica a tensão entre os poderes de Oz e torna os dilemas internos de Elphaba mais complexos. Já a relação com Fiyero evolui de forma abrupta, refletindo a pressa do roteiro em cumprir etapas narrativas.
Há uma carga emocional evidente, mas nem sempre totalmente aproveitada, com algumas decisões chegando com impacto, mas sem o tempo necessário para se desdobrar de forma orgânica. Ainda assim, Cynthia Erivo brilha, trazendo intensidade e nuance à sua personagem, conseguindo transmitir emoção mesmo nos momentos em que o roteiro não permite um desenvolvimento completo.
O ambiente mais tenso intensifica tanto os conflitos internos quanto os externos, mas também evidencia os limites da divisão em duas partes. Passagens que deveriam transmitir urgência se perdem em repetições, enquanto momentos essenciais aparecem comprimidos, como se a narrativa estivesse, ao mesmo tempo, sem fôlego e estendida além do necessário.
A montagem tenta equilibrar o ritmo, mas a oscilação entre cenas longas demais e cortes mais bruscos cria uma sensação constante de irregularidade. Ainda assim, o peso dramático é inegável. Quando Elphaba confronta o colapso institucional, a falsificação da verdade e as consequências de sua própria "fama", o filme encontra seus momentos mais significativos.
Glinda assume o protagonismo emocional
Enquanto Elphaba enfrenta a perseguição e a ruína política, é Glinda quem sustenta o fio emocional da narrativa. A personagem, antes associada a frivolidade, vaidade e leveza, emerge aqui como alguém obrigada a se olhar de forma honesta pela primeira vez.
A pressão de ser o “rosto” de um regime que se torna cada vez mais controlador e manipulado pela máquina do Mágico lança Glinda em uma crise moral profunda. Ela passa a questionar sua própria imagem pública, percebendo a distância entre quem é de verdade e quem precisa interpretar para manter a ordem, e, sobretudo, para não perder o pouco de segurança que lhe resta.
O filme explora essa dualidade com mais maturidade do que a primeira parte: Glinda é simultaneamente cúmplice e vítima do poder. Sua culpa cresce à medida que percebe que sua ascensão está diretamente ligada à queda de Elphaba, e o roteiro acerta ao retratar essa dor como algo silencioso, que se instala aos poucos. A personagem entende que foi usada, e o desconforto com o privilégio passa a moldar suas atitudes futuras.
Essa transição não apenas fortalece sua presença dramática, como também ajuda a equilibrar a narrativa. Glinda se torna, de certo modo, o contraponto emocional de Elphaba. Em vez de servir apenas como alívio cômico ou interesse romântico, ela emerge como uma personagem cuja jornada passa por responsabilidade, arrependimento e coragem.

É nessa reconstrução que Glinda conquista o centro emocional do filme. Quando finalmente se vê obrigada a fazer escolhas difíceis, sua fragilidade se converte em empatia, e a interpretação de Ariana Grande ganha intensidade.
Ao mostrar que a “Bruxa Boa” também é feita de falhas, contradições e medos, Wicked: Parte 2 entrega um arco surpreendentemente humano, e que amarra, com mais delicadeza do que se esperava, a identidade que Glinda assumirá no futuro de Oz.
A política de Oz se mostra mais complexa e cruel do que nunca
A continuação aprofunda as estruturas de poder do reino, revelando não apenas a propaganda institucional, mas os mecanismos subterrâneos que alimentam o autoritarismo. A narrativa expande a ideia de que Oz fabrica monstros para manter a ordem, expondo como discursos oficiais e estratégias de desinformação moldam comportamentos coletivos.
Em meio a esse cenário, Elphaba emerge como produto e vítima dessa maquinaria, e sua trajetória passa a ser definida menos por uma ideia de inevitabilidade e mais por escolhas construídas sob pressões sociais insuportáveis.
O filme tenta equilibrar o drama pessoal dos personagens e o tabuleiro político, com resultados que variam: há momentos de grande impacto, quando a dramaturgia realmente encosta nas contradições morais da protagonista, e outros em que o ritmo parece sacrificar as nuances políticas para reforçar a sensação de urgência.

Jon M. Chu intensifica o deslumbramento visual, investindo em composições amplas, detalhadas e marcadas por paletas cuidadosamente construídas. Cada cenário parece concebido para funcionar como um espetáculo isolado, como se o filme buscasse superar a própria escala a cada nova sequência. É um esforço evidente de transformar Oz em um mundo grandioso, vibrante e esteticamente inesgotável.
No entanto, essa ambição nem sempre beneficia a narrativa. O problema não reside apenas na abundância de CGI, mas na maneira como ele interfere no impacto emocional das cenas.
A digitalização excessiva suaviza a fisicalidade dos momentos mais intensos, criando uma camada de distanciamento onde deveria haver atrito, vulnerabilidade e presença. Sequências que pediam humanidade acabam mediadas por efeitos que não dialogam com o peso dramático esperado.
Nesse processo, figuras icônicas como o Espantalho e o Homem de Lata perdem carga simbólica. Transformam-se menos em personagens com história e sofrimento e mais em ideias visuais altamente polidas, quase protótipos animados que funcionam melhor como conceito do que como parte integrada do longa.
Essa distância esvazia a força emocional das transformações e torna alguns arcos menos arrebatadores do que deveriam ser. Quando os efeitos assumem o protagonismo e operam mais como vitrine tecnológica do que como extensão da narrativa, a fantasia perde força. É justamente nesse desequilíbrio que o filme se afasta de seu objetivo mais claro: tornar o extraordinário palpável e humano.
Personagens secundários oscilam entre acertos e limitações
Os coadjuvantes continuam sendo essenciais para movimentar a trama, mas nem sempre recebem a atenção necessária para justificar seus arcos. Fiyero, apesar de estabelecer química com as protagonistas, continua funcionando mais como um gatilho emocional do que como um personagem próprio; seu desenvolvimento emocional é apressado, mesmo quando o ator entrega nuances que sugerem um personagem mais complexo.
Boq e Nessarose enfrentam desafio semelhante. Suas jornadas são decisivas para a mitologia de Oz e carregam implicações profundas, mas a narrativa acelera justamente quando deveria desacelerar. Falta espaço para que suas motivações se expandam e provoquem o impacto emocional que o material sugere.
Michelle Yeoh, por outro lado, compõe uma Madame Morrible marcada pela elegância e pelo controle, mas não consegue escapar do arquétipo da figura manipuladora. Sua atuação acaba soando caricata e previsível, efeito intensificado pela falta de domínio vocal, que torna suas participações nos números musicais particularmente difíceis de assistir.
A ligação com O Mágico de Oz pesa e limita
A ligação direta com o filme de 1939, ainda que inevitável, acaba funcionando como uma das maiores amarras criativas desta sequência. Ao tentar costurar todos os fios narrativos que precisam levar exatamente ao ponto onde a história original começa, o longa abre mão de parte de sua ousadia.
A trama passa a operar sob uma lógica de checklist, em que cada gesto ou revelação precisa corresponder a um destino previamente consolidado no imaginário popular. Esse compromisso afeta o ritmo de forma perceptível. Cenas que pediam amplitude e grandiosidade surgem comprimidas, apressadas a cumprir uma função já conhecida pelo público.
Outras soam como recortes obrigatórios: acontecimentos que precisam existir, mas que não encontram um desenvolvimento orgânico dentro da história que Wicked vinha construindo ao longo dos dois filmes.
A pressão por preencher lacunas e “preparar terreno” também simplifica decisões que poderiam ter maior densidade emocional e complexidade. O filme oscila entre seguir sua própria identidade e se submeter a um mapa já traçado décadas atrás.
É justamente nessa tensão que parte da magia se esvai. A sensação é de que a imaginação expansiva de Wicked, tão evidente na primeira parte, aqui encontra seus limites ao se aproximar demais da sombra de um clássico.
O clímax entrega emoção e o adeus pesa
Quando o longa finalmente se desprende das amarras cronológicas e concentra sua atenção na relação entre Elphaba e Glinda, a narrativa encontra sua melhor forma. Os diálogos ganham profundidade, o ritmo desacelera com propósito e as performances passam a conduzir a história com mais sensibilidade.
O filme entende que a história não é sobre o mito ou o sistema, mas sobre duas mulheres que, ao longo de uma jornada turbulenta, moldaram e remodelaram seus caminhos de forma mútua. O resultado é um encerramento que impressiona pelos visuais e apelo emocional, mesmo que não alcance a perfeição que sua própria ambição promete.
O clímax alcança uma delicadeza surpreendente. A direção se volta para os silêncios, para os olhares e para o peso das escolhas, permitindo que a amizade — cheia de contradições, perdas e reconhecimento — funcione como o centro afetivo do filme.
As falhas permanecem, mas se tornam secundárias diante do peso emocional que emerge no desfecho. É ali, no adeus, que Wicked: Parte 2 realmente cumpre sua promessa de grandeza.
Afinal, vale o ingresso?
Sim, mas com reservas. Wicked: Parte 2 apresenta irregularidades evidentes: a estrutura é fragmentada, o ritmo ora acelera, ora se arrasta e o filme precisa constantemente se ajustar à lógica de O Mágico de Oz, o que limita parte de sua criatividade. Não é um encerramento totalmente harmonioso, nem uma obra capaz de disfarçar seus tropeços.
Ainda assim, quando acerta, acerta com grandeza. Os números musicais continuam arrebatadores, o visual é indiscutivelmente poderoso e a conexão emocional entre as protagonistas sustenta um desfecho que conversa diretamente com quem acompanha essa história há anos, seja no teatro, nos livros ou agora no cinema.
Apesar das falhas, o longa permanece forte, profundamente tocante e digno de ser visto na tela grande. Para quem se conecta com o universo de Oz, a jornada ainda vale cada minuto.
Veja o trailer:
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