Como “desensinar” fake news na escola
A sociedade global ainda padece de vacinas para um problema de tamanha complexidade
“As doações não estão sendo distribuídas”. Esta e um sem número de notícias falsas ainda estão sendo propagadas diante da maior tragédia humanitária da história do Rio Grande do Sul. O preço do novo e terrível patamar das fake news vai além da compreensão ou não dos fatos: pode custar, diretamente, vidas humanas.
As fake news são a segunda pandemia do século. Alimentadas por algoritmos de plataformas sedentas por polêmicas e engajamento, as notícias falsas são combustível para enriquecimento rápido de pseudo celebridades e grupos políticos sem compromisso com a democracia.
A sociedade global ainda padece de vacinas para um problema de tamanha complexidade. E a situação ainda vai piorar muito com o deep fake – geração de imagens e voz idênticas às de outras pessoas, sem permissão.
Esses avanços da tecnologia demandam regulação jurídica e novas estratégias para educação midiática. É urgente que estudantes do mundo inteiro desenvolvam a capacidade de análise crítica das informações e de seus contextos.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já prevê a “Cultura Digital” em seu quadro de competências gerais. Cabe a nós, educadores e gestores públicos, encontrarmos as melhores maneiras de apoiar os alunos nessa jornada.
Lançadas no ano passado, 50 Agências de Notícias na Escola têm proporcionado a 50 professores e mais de 300 estudantes da rede pública estadual da Bahia a experiência de produção e veiculação de conteúdos noticiosos sobre a escola e seu Território de Identidade.
A iniciativa promove o desenvolvimento de capacidades de observação, investigação e expressão em linguagens variadas. Como autores das notícias, os estudantes ultrapassam os muros da escola. Trabalham no “mundo real”, com consequências igualmente reais. Já os professores “aprendem” a ensinar de outra maneira, com seus alunos-repórteres ativamente produzindo o conhecimento. Parte deste grupo se reúne entre 21 e 23 de maio, na sede do Instituto Anísio Teixeira, para uma formação.
O desenvolvimento da competência de apurar os fatos fortalece a leitura crítica do mundo e prepara cidadãos para tempos de desinformação. É uma das mais contundentes estratégias para “desensinar” fake news.
Além dos benefícios pedagógicos e sociais, a implantação das Agências de Notícias inverte o sentido da produção de notícias sobre a escola (em geral, tematizando situações de pobreza ou violência) para uma produção feita pela escola. À frente do processo, a comunidade escolar vai saber falar de suas dores, mas também de suas belezas e conquistas.
O Século 21 anda mais rápido que notícia ruim: cada volta ao redor do sol traz novas enchentes de desinformação. É nosso dever reimaginar a educação na mesma velocidade, com respostas criativas para distinguir a vida das realidades fabricadas.
*Iuri Rubim, diretor geral do Instituto Anísio Teixeira / Secretaria da Educação do Estado da Bahia