Centenário da libertação ganhou cobertura especial durante 10 dias | A TARDE
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Centenário da libertação ganhou cobertura especial durante 10 dias

Publicado sexta-feira, 02 de julho de 2021 às 06:04 h | Autor: Cleidiana Ramos
Festa tem perspectiva de celebração oficial | Foto: Arquivo A TARDE | 2.7.96
Festa tem perspectiva de celebração oficial | Foto: Arquivo A TARDE | 2.7.96 -

Dias 2 e 3 de julho de 1923

A expectativa para o grande dia estava chegando. Na véspera da festa, o jornal não circulou, pois ainda não havia a edição de domingo. A edição do dia 2 de Julho tem uma característica de aquecimento com algumas informações mais gerais sobre a história da cidade, como um artigo que tem como ilustração uma planta da cidade em 1640 quando ainda era a capital do Brasil, condição que perdeu em 1763.

A edição do dia 2 de julho deu destaque a textos mais longos, como a reedição do livro Epopeia Itaparicana, de Bernardino Ferreira Nóbrega e que narra as lutas ocorridas em Itaparica. Na página 18 da mesma edição, o destaque foi para a história dos quartéis militares a partir dos combates pela independência.

Mas no dia 3 de julho, as narrativas de uma festa inesquecível começaram a ficar mais nítidas. O clima não ajudou. Foram dias de muita chuva, mas a programação seguiu dentro do planejamento. Na cobertura de A TARDE três eventos ganharam maior destaque: o voo da esquadrilha da Marinha; a inauguração da sede do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) e a saída, em procissão marítima da imagem de Nosso Senhor do Bonfim, da Cidade Baixa para a Cidade Alta.

Imagem ilustrativa da imagem Centenário da libertação ganhou cobertura especial durante 10 dias
Imagem do Senhor do Bonfim causa comoção | Foto: Arquivo A TARDE

Em entrevista concedida ao jornal, o comandante da Marinha, Protógenes Guimarães, contou que houve atraso na saída do Rio de Janeiro das embarcações. Inicialmente, a partida estava agendada para o dia 27 de junho com escalas em portos do sul do Estado. A saída só ocorreu no dia 1º com a chegada no dia 2. Foram, segundo o comandante, dez horas de viagem, das quais 6h15 no trecho entre Vitória e Salvador.

A casa da Bahia

“O palácio internamente deslumbrava de luz, impondo-se a grandiosidade do ‘hall’ monumental, ao centro do edifício correspondendo à cupola, e excelente aspecto do salão. Grande massa popular estacionava em frente, assistindo à entrada dos convidados e ahi permanecendo até o fim das cerimônias quando foi franqueada a entrada a quem quisesse percorrer o prédio”. (A TARDE, 03/07/1923, p.3).

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Edição comemorativa dos 100 anos da independência | Foto: Arquivo A TARDE

O trecho da reportagem descreve a inauguração da sede do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB). A construção do prédio foi resultado de campanha de subvenção, a popular “vaquinha” ou crowdfunding, como se chamam as campanhas de financiamento coletivo por meio das plataformas digitais. O projeto foi coordenado por Bernardino de Souza (1884-1949) que, com a ajuda da mulher e das filhas, percorreu diversas cidades do estado realizando saraus artísticos para divulgar a importância de uma organização dedicada aos estudos de geografia e história e recolher os donativos.

A data para a inauguração foi a celebração do centenário da independência com Bernardino de Souza, declarado secretário perpétuo do IGHB, participando ativamente da comissão que preparou a programação de celebração.  No discurso proferido durante a inauguração, transcrito na edição de A TARDE do dia 4 de julho, o então presidente do IGHB, Teodoro Sampaio (1855-1937) destacou, além da importância de Bernardino, as contribuições realizadas por anônimos e famosos. Dentre estes últimos esteve Alberto I, o rei da Bélgica que em 1920 visitou o Brasil. 

O IGHB ganhou protagonismo na programação da celebração da Independência, condição que mantém ainda hoje. É a instituição que tem a guarda das estátuas dos caboclos que são o centro das atenções no cortejo que celebra o 2 de Julho e que ficam abrigados no chamado Panteão da Lapinha. 

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Sede do IGHB foi inaugurada em meio à festa | Foto: Reprodução | 8.2.1984

Visita divina

Outra atividade que mobilizou as atenções em meio a uma programação extensa foi o translado do Senhor do Bonfim a partir da sua igreja para visitar o centro dos festejos do centenário na Cidade Alta.  A imagem foi colocada em uma galeota puxada por um rebocador e tripulada por integrantes da Escola de Aprendizes da Marinha.

No desembarque a imagem foi recebida por representantes das irmandades de São Benedito, Senhor da Cruz, São José do Corpo Santo, Santíssimo Sacramento, Nossa Senhora da Conceição da Praia, Nossa Senhora do Boqueirão, Ordem 3ª do Carmo e Ordem 3ª de São Francisco. A espera reuniu uma multidão, de acordo com o relato da reportagem.

“O poro delirava, pretendendo romper os cordões da polícia. Só a custo se conseguiu ordem no cais. Desembarcado o andor, tomaram as suas varas, os irmãos do Senhor do Bonfim e as autoridades, entre estas, o governador do Estado, tomando-se o cortejo na seguinte ordem: clarins e lanceiros da cavalaria, irmandades, vindo por último o Senhor do Bonfim, cujo andor não era mais sustido pelos que pegavam nas varas, mas carregado, levado pela multidão que se comprimia em derredor”. (A TARDE 03/07/1923, p.3). 

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Reportagem noticiou reedição do livro Epopeia Itaparicana | Foto: Arquivo A TARDE

A imagem do Senhor do Bonfim seguiu em direção à Igreja da Vitória e, pela descrição realizada na reportagem, o trajeto foi marcado por uma comoção popular a cada trecho por onde passou:

“A subida, da Montanha houve atropelos, pois, a multidão não se queria afastar do glorioso padroeiro. Foguetes e bombas eram queimados no percurso, continuando as explosões dos fiéis que batiam palmas, gritavam e davam vivas ao Senhor do Bonfim, um dos espetáculos mais comoventes que a Bahia já assistiu. Ao galgar a ladeira de S. Bento, rompendo um verdadeiro oceano de cabeças, toda aquela multidão delirou. Das janelas e sacadas atiravam-se flores no andor e batiam-se palmas freneticamente. Foi nesse cenário grandioso e inédito que a procissão desfilou até a Graça, acompanhada de uma massa popular raramente vista, em que a maior parte era talvez de mulheres e que a chuva não afastou um instante do sagrado andor”. (A TARDE, 03/07/1923, p3). 

E teve futebol...

Em meio ainda à predominância dos termos em inglês, a programação do centenário da independência envolveu disputas de futebol. O local das partidas, ameaçadas pelas chuvas, foi o chamado Stadium da Graça que reuniu os match  entre os scratchs.

Em bom português, o jogo mais importante foi uma partida entre uma seleção baiana contra os chamados estrangeiros, ou seja, jogadores de outros estados. Foi melhor para os “bahianos”, como grafou A TARDE:

“E não fora a chuva miúda incessante, muitas vezes transformadas em grandes aguaceiros e certamente teríamos uma porfia sensacional e magnífica. Não obstante a performance desenvolvida foi apreciável. A linha dianteira dos bahianos esteve excellente, combinando bem e merecendo a  victoria pelo score de 2X0, pontos esses conquistados por Joaquim às 16 e 22 no primeiro halftime e por Manteiga, no segundo meio tempo, às 17 e 17 de uma entrada magistral”. (A TARDE 03/07/1923, p.3). 

Com a linguagem narrativa ainda presa ao inglês, o team  da Bahia foi formado pelos seguintes players, ou seja, jogadores: Zinho, Mica, Santinho, Adolpho, Popó, Boleiro, Joaquim, Manteiga, Lago, Vivi e Sandoval, o capitão. No lado estrangeiro, ou seja, jogadores de outros estados estavam: Gato, Claudio, Perez, Sampaio, Todd (capitão), Saes, Scott, Alex, José Maria, Barriere e Vellozinho.

A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período. Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE.

*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia 

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