EXCLUSÃO E VIOLAÇÃO
Bolsonaro transformou Direitos Humanos em arma contra LGBTs, diz autor
Escritor baiano lança livro em que analisa a linguagem dos direitos humanos e as políticas públicas
Por Eugênio Afonso

Desde que a extrema direita passou a ocupar cargos de comando na política institucional brasileira, a comunidade LGBTI+ tem sido extremamente deslegitimada. Para entender um pouco mais os meandros desta tentativa de enfraquecimento de direitos duramente conquistados pela comunidade das identidades minorizadas, o advogado e ativista baiano Gustavo Miranda Coutinho lançou Direitos Humanos Antigênero - A Racionalidade Jurídica do Governo Bolsonaro nas Políticas LGBTI+ 2019-2022 (Telha, 140 páginas, R$ 45).
Tal comunidade tem visto suas conquistas questionadas sob a justificativa da proteção à família tradicional e da liberdade religiosa e de expressão, algo que Gustavo aborda no livro. “O propósito é apresentar como a extrema-direita, no governo Bolsonaro, se utilizou da linguagem dos direitos humanos para implementar sua política de exclusão e violação de direitos da população LGBTI+”, diz o autor.
Ele avisa que o leitor vai encontrar análises de documentos, falas em eventos importantes, como os das Nações Unidas, assim como políticas públicas no contexto do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
“Além de uma discussão mais jurídica e de um histórico de como esses setores conservadores argumentaram ao longo dos principais debates sobre direitos LGBTI+ no Brasil, sofisticando suas ideias para incorporar cada vez mais elementos dos direitos humanos”, emenda Coutinho.
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Já disponível no site da editora e nas melhores livrarias virtuais, Direitos Humanos Antigênero também expõe a distorção de conceitos como gênero e diversidade, por exemplo, e a promoção de uma agenda política excludente e antidemocrática do período bolsonarista.
Coutinho trabalha em cima da tese de que discursos antes restritos a setores ultraconservadores ganharam sofisticação e espaço institucional, utilizando as ideias dos próprios movimentos sociais, e a linguagem dos direitos humanos, para legitimar discursos de ódio e excluir a população LGBTI+ das políticas públicas.
Para ele, a incorporação de ideias como liberdade de expressão e liberdade religiosa foram usadas como estratégias para admitir posicionamentos explicitamente discriminatórios.
“A lógica que sustenta essas estratégias é a de que a ação pública deve ser direcionada apenas para grupos específicos, em razão da ideologia cristã e da existência de um suposto direito natural que diz que a família deve ser heterossexual, com a mulher submissa em relação ao homem”, detalha o escritor.
País laico

Para tecer suas considerações, o autor mergulhou nos bastidores do bolsonarismo e chegou a se infiltrar em grupos online com o intuito de entender a lógica desses movimentos. A obra aponta para um processo de apropriação dos direitos humanos pelos conservadores como forma de deslegitimar os próprios fundamentos desses direitos e inviabilizar avanços sociais.
“É importante debatermos mais abertamente sobre direitos de minorias sociais, tanto da população LGBTI+ como de mulheres, pessoas negras, indígenas, com deficiência e tantos grupos que ainda não têm sua cidadania resguardada plenamente”, convoca Coutinho.
Ele conta que começou a se debruçar sobre essas questões após tomar conhecimento do Simpósio de Cidadania Cristã, realizado em Brasília em 2021, com a presença de diversas autoridades do governo Bolsonaro.
“Lá, foram debatidos diversos temas como direitos humanos, gênero e diversidade, por exemplo, e se escancarou uma atuação religiosa do Estado. Como pode a cidadania ser cristã, se o País é laico? É uma perspectiva completamente inconstitucional e imoral”, relata Gustavo.
O livro, fruto da dissertação de mestrado do autor em Direito Constitucional, também alerta para os impactos futuros. Segundo Coutinho – que atualmente vive nos Estados Unidos e cursa doutorado –, é preciso compreender a sofisticação desses discursos para enfrentá-los de maneira eficaz, especialmente no campo institucional e legislativo.
Risco de desmonte
Ele acredita que existem dois fatores principais que fazem com que a direita persiga tanto as minorias sociais. “A necessidade de criar um inimigo e de dar uma resposta à destruição das políticas sociais – a comunidade LGBTI+ vira bode expiatório para diversas frustrações com a sociedade e com a política – e a priorização da chamada família tradicional, heterossexual e patriarcal”.
Coutinho lembra ainda que dentro deste grupo tão discriminado, as pessoas trans têm sido o alvo preferencial dos crimes de ódio. “Vemos uma proliferação de projetos de lei que visam proibir cuidados em saúde de adolescentes trans, e até mesmo o uso do banheiro conforme o gênero com o qual se identificam”.
Mas mesmo com tanta violação e exclusão, o autor reconhece que tem havido um crescimento da participação de pessoas LGBTI+ na política, inclusive ocupando cargos eletivos em uma proporção inédita.
“Nunca tivemos tantos parlamentares LGBTI+, e isso mostra também uma reação. E para que tenhamos alguém na presidência, precisamos avançar nos debates públicos e compreender que somos plurais e podemos representar a população na sua complexidade, tanto quanto as pessoas heterossexuais e cisgêneras”, defende o baiano.
“Os movimentos LGBTI+ aglutinam uma série de atores sociais e tem o papel de promover discussões na sociedade sobre suas pautas. Essas discussões precisam ser cada vez mais horizontais, com setores amplos, e levar em consideração outras complexidades como raça, questões ambientais e direitos de trabalhadores”, alinhava.
Radicado em Nova Iorque – e diante de uma onda global de conservadorismo –, Coutinho tem acompanhado de perto os desdobramentos das políticas do governo Trump, que, segundo ele, dialogam diretamente com o recente e nefasto cenário brasileiro.
E faz um alerta: “caso os ultraconservadores voltem à presidência do Brasil, corremos o risco de um desmonte ainda mais agressivo das políticas sociais e de ataques cada vez mais frequente às minorias. Nesses momentos, parte da população se sente ainda mais autorizada a praticar delitos de ódio contra pessoas LGBTI+, mulheres e indígenas”, finaliza.
Minibio
Gustavo Coutinho é mestre e doutorando em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), advogado de direitos humanos com atuação nacional e internacional junto ao movimento LGBTI+.
É também coordenador da ILGALAC – Associação Internacional LGBTI+ para América Latina e Caribe, membro do GADvS (Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero), da Global LGBTQ+ Changemakers Network da Universidade de Harvard e do Human Rights Advocates Program da Universidade de Columbia.
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