OSCAR DO CARTUM
Cartum: Bahia brilha no Salão Internacional de Humor
Salão Internacional de Humor de Piracicaba termina hoje, com visitação gratuita
Por Eugênio Afonso
O mês de agosto encerrou com a Bahia fazendo bonito na 51ª edição do tradicional Salão Internacional de Humor de Piracicaba, que começou no último sábado e segue até o dia 3 de novembro deste ano na cidade paulista – no Armazém 14 –, com visitação gratuita.
Além de ter na comissão julgadora o cidadão baiano e artista gráfico de A TARDE, Cau Gomez – que por acaso nasceu em Minas –, mais dois cartunistas locais brilharam.
Gilmar Machado, 59, nascido em Presidente Dutra (BA) e radicado em São Paulo – conhecido no mundo das artes gráficas apenas como Gilmar –, foi o vencedor do Grande Prêmio – Troféu Zélio de Ouro. Com uma mensagem sobre a falta de respeito com as florestas e os povos originários, Gilmar também venceu o Prêmio Cartum.
Ele garante que ser premiado duas vezes é inusitado e emocionante. “Realmente, foi uma grande surpresa. Fico muito feliz e realizado, inclusive por ver colegas cartunistas cada vez mais abordando assuntos de cunho político e social em seus cartuns. Abordagem que acho extremamente necessária por conta da carência de senso crítico que temos no Brasil”.
“Estes prêmios foram muito bem-vindos nesse momento, foi uma reestimulada para a continuação do desenvolvimento do meu trabalho. Ele me dá um fôlego e um aquecimento na alma. Além disso, obviamente, este é um salão internacional, que tem uma grande história”, complementa Gilmar.
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Já o soteropolitano Hector Salas, 52, foi agraciado na categoria charge, com uma crítica à precarização do trabalho de entregadores de aplicativo. Ilustrador, artista gráfico e publicitário, Salas diz que o prêmio é um reconhecimento pelos 36 anos de profissão.
“O humor gráfico dentro do universo das charges ou do cartum político é o exercício da observação, do entendimento dos caminhos que a sociedade toma. É uma opinião emitida e a sensação de ver que o que você acredita, como expressão, arte e opinião, repercute em outras pessoas de maneira positiva é fantástica”, conta.
Duas vezes responsável pela criação da marca do carnaval de Salvador, Hector lembra que a charge – um cartum politizado, mais analítico e opinativo – também é arte. “É um misto de gênero jornalístico e expressão artística. É interessante observar charges antigas e rememorar o contexto histórico. Entender que além dos fatos há o sentimento”.
Esta é a segunda vez que o cartunista baiano, apaixonado pelo humor gráfico, é contemplado no Salão de Piracicaba. A primeira foi em 2003. “Vinte e um anos depois, eu conquisto isto de novo. Evolução e adaptação às mudanças é essencial a qualquer profissional de comunicação”.
“Esta sensação de ganhar um prêmio é muito boa, e é ainda maior quando o salão é o de Piracicaba, um dos mais importantes e respeitados no mundo. Não é por acaso que ele está na 51ª edição. Para os cartunistas, é como ganhar um Oscar”, complementa o baiano.
E o reconhecimento, chegou? “Depende do dia. Ainda não tenho um saldo de oito dígitos (risos). Uma vez, um seguidor nas redes sociais começou uma conversa comigo e me agradeceu, relatou que minhas charges e cartuns o ajudaram a sair de um estado de depressão. Neste dia, me senti uma pessoa melhor e passei a ver meu trabalho de outra forma”, reconhece Hector.
Eloquência humorística
Criador do cartaz de 30 anos do Salão, Cau Gomez participa do evento pela segunda vez, agora como jurado e com a exposição Desenhos de Humor, Pressão e Expressão, em exibição na biblioteca de Piracicaba.
Para ele, o desenho de Gilmar é cirúrgico, sintético, objetivo e tocante. “Ele consegue gerar uma inquietação, uma angústia, e faz uma denúncia brutal de como tratamos a questão indígena e também com relação à preservação do meio ambiente. Gilmar consegue imprimir a eloquência da mensagem gráfica”.
Quanto à charge premiada de Hector, Cau acredita que ela é de grande impacto. “A abordagem dele é sobre uma questão urgente, que é dar dignidade aos entregadores de aplicativo (motoboys). Durante a pandemia, eles foram fundamentais e nós assistimos seu esforço heróico. O desenho de Hector vem fazer uma crítica ácida e pertinente”.
Para o cartunista de A TARDE, o Salão de Piracicaba é importante porque privilegia o humor gráfico, de denúncia, aquele que traz uma reflexão bem-humorada do cotidiano. “Esse sentido democrático do Salão reflete diretamente no meu trabalho. A trajetória do Salão é um reflexo da minha própria trajetória ou vice-versa”.
Um destaque desta temporada é a homenagem à cartunista Ciça, uma das fundadoras do Salão de humor paulista, juntamente com o marido – o cartunista Zélio Alves Pinto, irmão de Ziraldo.
“Ela é uma das poucas cartunistas deste País, sua qualidade é gigantesca, e agora está sendo reconhecida. Tem um traço irreverente e traz as questões da representatividade da mulher. Mostra que a mulher consegue atingir notas iguais ou maiores que os homens, que são dominantes neste segmento do humor gráfico. Ela tem um talento absurdo”, frisa Gomez.
Longevidade
Com intensa programação (conferir no endereço aha.ong.br) em diversos espaços espalhados pela cidade, e premiação em dinheiro – R$ 90 mil –, este ano o Salão está celebrando as mulheres, sobretudo as do humor gráfico.
Atualmente, o evento é tido como o maior salão de humor do mundo em longevidade e ininterruptibilidade. “Seu prêmio é considerado o Oscar do humor gráfico. Entre os fundadores, estão os cartunistas do Pasquim: Zélio, Ziraldo, Millôr, Fortuna, Jaguar. Artistas brasileiros, como Laerte, Angeli, Glauco, começaram suas carreiras aqui”, informa Junior Kadeshi, publicitário e diretor do Salão.
Para ele, o trabalho de Gilmar é incrivelmente atual e totalmente desconcertante. “Mostra, com seus belos traços, a situação dos povos originários. Merece, com louvor, receber o Grande Prêmio”.
Junior lembra também que Hector Salas, com seu trabalho abordando os abusos aos trabalhadores de entregas de aplicativos toca em uma ferida aberta e ainda não resolvida na relação empresa/empregado. “Mostra o quanto ainda precisamos mudar e melhorar nas relações trabalhistas. Este trabalho impactou os jurados desde o primeiro olhar”.
Com relação a Cau Gomez, Kadeshi diz que seu traço é inigualável, inconfundível. “Premiado mundialmente, está na lista dos ‘papa-prêmios’ do humor gráfico. Além de suas incríveis caricaturas, é um mestre do cartum e das charges ácidas e verdadeiras. Cau Gomez é um artista incrível”, conclui o diretor.
Patrimônio Cultural Imaterial desde o ano passado, o Salão Internacional de Humor de Piracicaba traz, nesta edição, 453 trabalhos produzidos por 229 artistas de 23 países. São 135 a mais se comparado aos 318 da 50º edição.
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