MÚSICA
Ópera ‘Devoção’ traz aspectos históricos e reflexão sobre fé
Obra é encenada no Santuário de Bom Jesus do Matosinho (MG). A TARDE conferiu
Por João Paulo Barreto* | Especial para A TARDE
A noite do último sábado, dia 13 de julho, foi uma ocasião especial para religiosos e ateus que estavam presentes em Congonhas, aos pés do Santuário do Bom Jesus do Matosinho, localizado na bela cidade mineira. Possivelmente, no entanto, o único ateu presente era o escriba que delineia essas linhas em uma tela de computador.
No entanto, é difícil não se sentir tocado pela fé alheia quando diante de símbolos religiosos colocados em uníssono perante o milagre da música. A ocasião em questão foi a apresentação da ópera Devoção, cuja performance aconteceu em praça pública, em frente ao citado santuário.
Escrita por João Guilherme Ripper, executada pela Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, sob a regência de Lígia Amadio, e com direção cênica de Ronaldo Zero, Devoção conta a história de Feliciano Mendes, um ermitão minerador português do século XVIII, que caiu enfermo de modo irremediável. Religioso, se apegou à sua fé em busca da cura. Na esperança de escapar dos braços da morte, prometeu a Bom Jesus de Matosinhos que, caso lhe fosse dada a graça de ser curado da enfermidade quase fatal, construiria um santuário em homenagem ao santo.
A igreja, localizada na cidade de Congonhas, a apenas 80 km de Belo Horizonte, não seria um templo "comum", como os muitos existentes na região, mas, sim, um santuário, semelhante aos existentes no norte de Portugal, região onde nasceu o minerador.
Como confirma a história da fé do português minerador, a graça da cura lhe foi concedida e a empreitada na construção do santuário teve início, com o europeu coletando dinheiro dos moradores para financiar a construção. Feliciano Mendes, no entanto, não viu o templo ser finalizado, tendo morrido, em 1765, aos 69 anos. A completude viria acontecer após a partida dele e contaria com obras de artistas como o escultor Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), além do pintor Manoel da Costa Athaíde (1760-1830).
Considerado pela Unesco Patrimônio Cultural da Humanidade, o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos abriga um conjunto arquitetônico e paisagístico que inclui a Basílica, juntamente à escadaria decorada por esculturas em pedra-sabão dos doze profetas, bem como seis capelas que trazem a encenação da Via Sacra. A Paixão de Cristo trazida pelas capelas conta com 64 esculturas em cedro e em tamanho real.
Espetáculo visual
Com mais de 600 pessoas envolvidas na produção, entre técnicos e artistas, Devoção teve a execução nos degraus do santuário, com a presença dos solistas convidados junto ao Coral Lírico de Minas Gerais e ao Coral Cidade dos Profetas. As diversas vozes guiaram os bailarinos da Cia de Dança Palácio das Artes (BH).
A experiência visual gerou um impacto impressionante diante da beleza da cidade e da basílica. Em frente a ela, um mar de pessoas se estendeu para assistir, provando que a música clássica não precisa ser restrita a uma classe abastada apenas. Autor da partitura, o maestro João Guilherme Ripper falou sobre o seu processo de criação.
“A ideia não era fazer um documentário sobre o Feliciano Mendes, mas fazer uma ficção histórica. Os personagens históricos que estão na ópera são Feliciano Mendes e o padre Antonio Rodrigues. Todos os outros são personagens fictícios que nós criamos para dar equilíbrio à parte teatral. A partir dali, a ideia era criar toda essa ambiência e devoção. Porque a devoção é o personagem principal dessa ópera. Não apenas a devoção cristã, mas a devoção mineira, no seu sentido mais amplo e sincrético. E trazer todo esse quadro que, a partir do qual ou à frente do qual, se desenrola a história de Feliciano Mendes", explica Ripper.
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Dificuldades superadas
Diretor cênico da empreitada ao ar livre, Ronaldo Zero falou sobre a presença musical adequada a qualquer espaço e destinada a qualquer pessoa interessada.
"A música cabe em qualquer lugar. Isso é o mais importante. E ela é acessível. Ela chega às pessoas, ela toca as pessoas de uma forma que, independente de onde ela seja executada, ela vai chegar. Então, não tinha um lugar melhor para a gente fazer do que aqui em Congonhas. Poder contar essa, que é uma história muito abrangente daqui. Ela fala não só dessa devoção desse homem que é um sonhador, que foi o Feliciano Mendes, que veio para cá com um sonho, que enfrentou dificuldades e foi em busca de um novo sonho que foi construir esse templo. A música é acessível e tem que estar em todos os lugares", comemora o profissional.
A regente Lígia Amadio salienta a dificuldade de comandar a orquestra em um local diferente de onde estavam os corais e os integrantes da ópera. “A emoção foi gigante. Antes, eu tive a oportunidade de ir ao museu que fica a uns 100 metros do santuário e que conta toda a história da fundação dessa igreja. A mesma história que nós estamos contando na ópera. Fiquei muito mais compenetrada e envolvida na própria história. A participação de Aleijadinho e de outros grandes artistas. As esculturas aqui ao redor. Tantas coisas tão emocionantes lá dentro. Reger a música depois disso era emocionante. Eu tinha vontade de chorar o tempo todo”, destaca a musicista.
“Mas, [tudo correu bem] apesar das dificuldades técnicas, porque vocês podem imaginar uma orquestra dentro de uma igreja e um coro com solistas e bailarinos do lado de fora. E sem que eu os visse. Eu dava entrada para uma câmera que estava a mais ou menos quinze metros de distância. Tivemos que superar muitas dificuldades técnicas, mas funcionou”, comemora Ligia.
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Após a pré-estreia do último sábado em Congonhas, Devoção será apresentada em Belo Horizonte nos dias 19, 20, 22 e 23 de julho, no Palácio das Artes, com produção da Fundação Clóvis Salgado.
Segundo comunicado da fundação, há planos, mas ainda sem data prevista, para uma itinerância da ópera por outros estados brasileiros, incluindo pelo Nordeste, assim como uma passagem por Portugal, terra do protagonista da ópera.
* O repórter viajou a convite da Fundação Clóvis Salgado
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