VOZES NEGRAS
Djamila Ribeiro leva reflexão e resistência à Biblioteca Central em Salvador
Nova sala será lançada com presença de professora, filósofa, escritora e ativista
Por Manoela Santos*

Em celebração ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e ao Dia Nacional do Escritor, a Biblioteca Central do Estado da Bahia recebe, amanhã, a terceira edição do Encontros Negros. A partir das 18h, estudantes, educadores, artistas e o público em geral são convidados a refletir sobre os caminhos possíveis para a construção de uma sociedade mais antirracista e antissexista.
Com o tema “Por que lutamos?”, o encontro propõe uma escuta coletiva em torno da ancestralidade, resistência e do protagonismo das mulheres negras nas Américas. Para conduzir essa reflexão, o evento terá como convidada especial a filósofa, escritora e ativista Djamila Ribeiro, que participa de uma roda de conversa mediada pela jornalista baiana Val Benvindo.
A programação também marca a inauguração da Sala Mestres e Mestras da Palavra, um novo espaço na biblioteca dedicado à valorização da literatura baiana e de seus criadores. A iniciativa busca reconhecer os nomes que constroem e transformam a palavra em território de memória, luta e identidade.
“O 25 de Julho, que é o Dia da Mulher Negra Caribenha e Latino-americana e o Dia Nacional do Escritor, é celebrado em parceria com a Umbu Comunicação & Cultura, que traz para esse momento a filósofa Djamila Ribeiro e o grande sarau com A Pombagem, o Fala Escritor e o Mestre Bule Bule. A gente consagra esse momento de forma muito potente, simbólica e representativa”, destaca Sandro Magalhães, diretor-geral da Fundação Pedro Calmon, responsável pela organização do evento.
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Djamila com a palavra
Uma das atrações mais aguardadas do Encontros Negros é a presença de Djamila Ribeiro, referência no pensamento negro contemporâneo e autora de obras como Lugar de Fala, Quem tem medo do feminismo negro? e Pequeno Manual Antirracista.
Para Djamila, participar do evento no 25 de Julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, carrega um significado especial, ainda mais sendo realizado em Salvador, capital do estado mais negro do Brasil.
“É uma data muito importante para nós. Estar em Salvador, dialogando nesse território com um público majoritariamente negro, num evento chamado Encontros Negros, tem muito significado. Essas iniciativas são fundamentais para aproximar autores negros do público e fortalecer a troca de saberes”, afirma.
Ela destaca ainda a recepção sempre calorosa que tem ao visitar a cidade. Só em 2025, essa será sua terceira passagem por Salvador, onde suas obras são amplamente lidas e debatidas.
Sobre o papel da literatura no combate às desigualdades, Djamila foi enfática. Para ela, a produção intelectual de autoras como Lélia Gonzalez e Luiza Bairros foi essencial para interpretar o Brasil sob uma perspectiva interseccional. “Durante muito tempo, a classe foi colocada como explicação para tudo. As feministas negras mostraram que é impossível compreender a realidade brasileira sem considerar raça e gênero. Elas nos deram uma nova lente para nomear os problemas e pensar caminhos de superação”, afirma.
Para a autora, essa literatura não apenas combate o racismo e o sexismo, mas oferece instrumentos para a construção de um novo projeto de país. “Mais do que denunciar as mazelas do Brasil, essas obras nos ajudam a entender o país e pensar em formas de transformá-lo. É uma literatura essencial para quem quer construir um Brasil mais justo, plural e consciente de si”.
A autora também comentou a importância da inauguração da Sala Mestres e Mestras da Palavra, iniciativa da Biblioteca Central da Bahia voltada à valorização da literatura e dos autores baianos. Para ela, democratizar o acesso ao livro e à leitura é essencial, sobretudo em espaços públicos.
“Salas como essa são inegavelmente importantes. Uma das autoras que publiquei, Daisy Fatuma, autora de Lesbiandade, contava que estudava nessa biblioteca. Ações como essa ampliam o acesso à leitura, especialmente para jovens de territórios vulnerabilizados”, observa.
Ela reforça que bibliotecas públicas devem oferecer um acervo diverso e representativo, com autores negros, indígenas e de diferentes regiões: “Quando esses jovens acessam livros que refletem suas vivências, criamos possibilidades reais de transformação”.
Inauguração

A Sala Mestres e Mestras da Palavra que será inaugurada amanhã na Biblioteca Central do Estado da Bahia, equipamento da Fundação Pedro Calmon (FPC/SecultBA), nasce com o objetivo de oferecer à comunidade literária e artística baiana recursos estruturais e tecnológicos, integrando-se à política estadual de fomento ao livro, à leitura e à produção cultural.
Com a proposta de ser um centro de referência para escritores, escritoras e produtores de arte, a nova sala buscará estimular a criação, a divulgação e a promoção da literatura local, além de fortalecer o vínculo entre os autores e o público leitor.
Segundo o diretor-geral da Fundação Pedro Calmon, Sandro Magalhães, a Sala Mestres e Mestras da Palavra será um lugar de acolhimento, visibilidade e apoio à produção literária baiana. “Iremos disponibilizar uma gama de serviços, como o Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional, a comercialização de obras por meio de exposições permanentes, atendimento direto a escritores e escritoras, além da realização de eventos, como lançamentos de livros. Podemos dizer que será a casa do escritor e da escritora”.
A criação da sala faz parte do programa Bahia Literária, política pública do Governo do Estado que promove a leitura, a escrita e a literatura como ferramentas de transformação social. Entre as metas para o novo espaço estão a articulação com instituições culturais, universidades, centros de pesquisa e organizações negras, e a construção de uma programação contínua e diversa, que destaque especialmente as vozes negras e estimule a produção literária regional.
“Nosso objetivo é consolidar a Sala Mestres e Mestras da Palavra como um espaço de destaque na cena literária baiana e nacional, garantindo que escritores e escritoras negras tenham um lugar de escuta, visibilidade e permanência”, destaca Magalhães.
A iniciativa também dialoga com a atuação da FPC por meio da Bibliorede Bahia, circuito que fortalece bibliotecas públicas e espaços de leitura nos 417 municípios baianos. Através da doação de acervos, suporte técnico e ações formativas, o programa promove o acesso à leitura como um direito cultural.
“As bibliotecas são espaços vivos de aprendizado, inclusão e preservação das manifestações culturais locais. Nossa missão é garantir a memória e a identidade do povo baiano, fortalecendo o conhecimento e o sentimento de pertencimento das comunidades. A nova sala é um passo importante nessa direção”, finaliza o diretor.
‘Encontros Negros’
Idealizado pela Umbu Comunicação & Cultura, o Encontros Negros é um projeto contínuo que articula ações culturais, educativas e políticas a partir de marcos simbólicos da luta antirracista. Desde sua criação, promove rodas de conversa, oficinas, conferências e experiências que visam valorizar a cultura afro-brasileira e o pensamento negro.
Segundo Camilla França, diretora da Umbu, o projeto nasceu da urgência de criar espaços de formação e celebração da cultura negra em sua diversidade. Ela afirma que a inspiração vem da força ancestral que sustenta o povo negro nas Américas e da necessidade de reafirmar, por meio da arte e do pensamento, legados de resistência.
“Desde o início, buscamos fomentar conversas potentes e encontros que valorizem o protagonismo negro em todas as suas expressões”, afirma.
A escolha da Biblioteca Central da Bahia como espaço do evento também carrega um sentido estratégico e simbólico. Para Camilla, a presença de corpos e vozes negras em espaços públicos amplia a potência desses territórios de memória e conhecimento.
“Democratizar o acesso à cultura e ao pensamento crítico é parte fundamental da missão do Encontros Negros. Esses espaços precisam refletir a diversidade do povo baiano e acolher eventos que dialoguem com a realidade da maioria da população”, reivindica.
A diretora também destaca os esforços de articulação entre o poder público, redes independentes e sociedade civil. A Umbu tem estabelecido parcerias com instituições como o Governo do Estado da Bahia, por meio de suas secretarias, além de iniciativas como os portais Umbu, Soteropreta e a Livraria LDM.
No entanto, ela ressalta que a continuidade do projeto depende da valorização de ações culturais como política pública. “Os desafios vão desde a captação de recursos até a logística de produção. É preciso um compromisso coletivo para manter essas ações vivas e frequentes”, adverte.
Com a presença de Djamila Ribeiro, uma das principais intelectuais negras da atualidade, esta edição ganha ainda mais força e visibilidade. A programação também será marcada pela inauguração da Sala Mestres e Mestras da Palavra, iniciativa da Fundação Pedro Calmon que busca criar um espaço permanente para escritores e escritoras da Bahia.
Camilla avalia que o momento é um marco importante para o projeto. “Nossa expectativa é que este encontro seja uma vivência transformadora, que fortaleça o Encontros Negros como espaço de pertencimento, inspiração e continuidade”, diz ela.
Para além de um evento pontual, o Encontros Negros se afirma como uma plataforma de memória, escuta e mobilização. Ao estimular o fortalecimento de redes e ocupar espaços simbólicos com pensamento crítico e cultura negra, o projeto se compromete com a construção de uma sociedade mais justa, plural e consciente de suas raízes.
“Queremos construir um legado. O Encontros Negros é uma forma de recontar a história a partir de outras vozes, as nossas vozes”, finaliza a diretora.
Encontros Negros – Especial 25 de Julho com Djamila Ribeiro / Amanhã, 17h30 / Biblioteca Central do Estado da Bahia – Barris / Entrada gratuita
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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