MESA NO LIBERATUM
Em debate emocionante, Viola Davis pede mais narrativas negras na arte
Mesa da atriz reuniu centenas de pessoas no Festival Liberatum em Salvador
Por Bianca Carneiro
Discutir maneiras de mostrar Salvador, Bahia, Brasil e a diáspora africana para o mundo. Esse foi o objetivo do bate-papo entre as atrizes Viola Davis e Taís Araújo, a empreendedora cultural Melanie Clark, e o ator e produtor Julius Tennon, que ocorreu na tarde desta sexta-feira, 3, no Festival Liberatum. Mediada por Maurício Mota, neto do escritor Nelson Rodrigues, a mesa, intitulada de Afrodiáspora, foi a mais disputada do evento e reuniu centenas de pessoas no Centro de Convenções de Salvador.]
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Integrante do seleto grupo artístico do EGOT (para quem venceu Emmy, Grammy, Oscar e Tony Awards), Viola Davis ressaltou a necessidade de ter diferentes histórias contadas nas grandes produções audiovisuais. "Eu acho que você acaba percebendo que tudo o que te disseram sobre ser uma atriz negra é mentira. As limitações sobre as histórias, sobre o que as pessoas querem ver, eu chamo essas coisas de opressão internalizada. Quando o mundo diz para vocês que apenas uma certa parte da população, da história, é importante. Eu sempre acreditei que quando você faz algo como artista, que é honesto, as pessoas querem ver e isso me empoderou", disse.
Para Viola, a opressão internalizada atinge, principalmente, as mulheres pretas. "Muitas histórias não foram contadas. Especialmente, das mulheres negras. As mulheres têm sido sexualizadas na tela. Elas são vistas como complicadas, como confusas. Muitas vezes, mesmo quando nós contamos as histórias, é ainda na lenda do colonizador. Mesmo quando é uma fantasia, é extraordinariamente limitada, onde você não vê a si mesma, você não se enxerga nela. Precisamos do poder, da autoridade, da coragem para contar histórias de quem somos", completou a atriz, que arrancou aplausos da plateia após o discurso.
Uma das maiores representantes do protagonismo negro na teledramartugia brasileira, a carioca Taís Araújo disse que é preciso discutir como a população negra quer ser retratada e contar as suas histórias. Ela ainda chamou Salvador de “pólo cultural e criativo gigantesco do país”, pontuando que é muito importante que a discussão tenha começado na capital baiana, através do Liberatum.
“Eu quero escutar outras pessoas negras, quero conhecer pessoas novas e depois realizar em cima das ideias que foram colocadas aqui. Se o primeiro ano do evento está sendo assim, tão grande, acho que no ano que vem tem a chance de ser muito maior, de atrair ainda mais pessoas. Então, que o Liberatum cresça mesmo e que seja essa plataforma de narrativas negras", celebrou a artista, que ainda aproveitou para brincar com a ausência do marido, o ator baiano Lázaro Ramos.
Taís ainda citou a mídia como braço essencial para transformar as narrativas, afirmando que a publicidade e os jornalistas são os grandes responsáveis pela imagem que a sociedade tem da população negra. “Eles construíram, durante anos, a imagem que o povo tem da gente. O que eu acredito é que é a hora da gente reconstruir esse imaginário. Eles estão com a caneta na mão”.
Arriscando algumas palavras em português, Melanie Clark pediu para que a história parasse de ser contada sob o ponto de vista dos colonizadores. “Nós nos encontramos trabalhando em uma indústria guiada pelos colonizadores, temos alguns avanços de boas histórias sendo contadas como ‘A Mulher Rei’ [filme de Viola Davis], mas isso leva muito tempo e dedicação”.
Casado com Davis, o ator e produtor de cinema Julius Tennon, responsável por A Mulher Rei, ao lado da atriz, comparou a emoção de visitar Salvador à que teve em Cape Town, na África do Sul, durante as gravações do filme. Ele, que anunciou o lançamento da sua nova produtora em Salvador em evento exclusivo do qual o Portal A TARDE participou, voltou a dizer que vê a capital baiana como uma ponte para Hollywood.
“Nós sentimos que Salvador é uma cidade ponte para o mundo. Eu sinto que é uma grande oportunidade para todos nós, levar em frente a palavra, de forma coletiva. A palavra de que nós devemos fazer isso juntos. E a oportunidade está certa. O poder político também está no momento certo. Então eu sei que nós podemos fazer isso juntos. E nós queremos ser a ponte entre Hollywood e Salvador. Então eu estou muito, muito inspirado”, comemorou.
Confusão
Provando que era de fato, a mesa mais esperada do primeiro dia de evento, o painel sobre Afrodiáspora registrou um princípio de confusão, pouco antes de Viola Davis e das outras estrelas iniciarem a participação. Tudo começou quando a produção do evento liberou a entrada de mais pessoas e que as cadeiras extras fossem colocadas mais à frente do palco, prejudicando quem já estava sentado no lugar marcado antes. Houve correria e reclamações, mas os ânimos do público logo se acalmaram com a entrada da comitiva de artistas.
Mas nem o problema impediu as irmãs Rosy e Simone de aproveitarem o debate. Enfermeira e criadora de conteúdo, Rosy era uma das centenas de fãs que estavam na expectativa de ver Viola Davis. “Ela é uma inspiração pra mim, uma mulher negra forte, potente, a história dela, a trajetória dela”, além da nossa ministra [Margareth Menezes] que eu já vi, fiquei extremamente emocionada, então eu tô bem empolgada”, explicou ela, que pretender ir em todos os dias do evento.
Quem também estava empolgada com o festival foi a psicóloga Simone. Ela contou que a magnitude do Liberatum a atraiu e destacou ainda a importância dele para se discutir questões de raça no Brasil.
“Eu acho que é um evento muito importante pra cidade mais negra fora da África, e termos personagens tão representativos da população negra aqui, não só do Brasil, como fora do Brasil. Então, a Viola Davis, a Angela Bassett são pessoas que são norte-americanas, mas que pra nós tem uma grande representatividade. E ver essa conexão e essa interação com outras pessoas daqui do Brasil negras, eu acho que isso é um primeiro passo para um avanço gigantesco nesse diálogo aí sobre como combater o racismo e promover diversidade”.
O primeiro dia do Festival Liberatum segue com mais uma mesa nesta sexta-feira: “Redesenhando a Cultura Preta no Imaginário Popular”, com o modelo estadunidense Alton Mason, os produtores de moda baianos Pedro Batalha e Hisan Silva e a deputada federal Erika Hilton. Às 20h, será realizado o prêmio e gala de honra cultural Liberatum para a cantora Alcione, em evento exclusivo para convidados.
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