INTERCÂMBIO
Exposição Brasil–França reúne obras de mulheres negras de 10 países
Mostra destaca artistas negras e redefine narrativas

Por Eugênio Afonso
Definitivamente, as primeiras décadas do século 21 estão sendo intensificadas com narrativas que têm como intuito primaz – necessário e mais do que justo – debater, de forma estética, filosófica, política, social, afetiva, identitária, as inúmeras questões da comunidade negra.
A exposição internacional Memória: relatos de uma outra História, que ocupa o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab) até 01 de março de 2026, com obras de artistas negras de mais de dez países, é prova cabal desse momento.
Com curadoria de Nadine Hounkpatin (Benin/França) e da soteropolitana Jamile Coelho, a montagem integra a programação oficial da Temporada França-Brasil 2025, reúne uma multiplicidade de técnicas, entre pintura, têxteis, escultura, vídeo e performances, e marca os 200 anos de relações diplomáticas entre Brasil e França.
Para Jamile, o propósito da exposição é revelar de que forma a memória atua como força viva que ecoa simultaneamente no presente e no passado, articulando uma temporalidade que não é linear, mas espiralar.
“A memória é um canto que entoamos agora, mas que reverbera em outras épocas, lembrando-nos de que, em algum futuro, nós também seremos ancestrais. Pensar o nosso tempo é reconhecer que não existe possibilidade de construir qualquer narrativa – estética, histórica, política ou afetiva – sem considerar profundamente a contribuição das mãos negras para a formação subjetiva, epistemológica e identitária do Brasil”, ressalta Jamile.
“O que propomos aqui é romper com leituras fragmentadas ou secundarizadas da produção de mulheres negras e, em seu lugar, apresentar essas artistas como centrais na elaboração de outros modos de ver, de sentir e de compreender o mundo”, alinhava a curadora.
Ela diz ainda que é a partir dessas provocações – mobilizadas por perspectivas femininas de diásporas francesa, brasileira e de matrizes africanas – que nasce a exposição. “Na chegada ao Brasil, e especialmente ao Muncab, o projeto se expande e ganha novas camadas com minha co-curadoria, aprofundando diálogos entre mulheres que transformam suas vivências em potência estética, política e sensível”.
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Ancestralidade

No recorte apresentado em Memória, estão reunidas obras de artistas fundamentais para entender a presença feminina negra na história da arte brasileira, como, por exemplo, Yedamaria, Madalena dos Santos Reinbolt e Maria Lídia Magliani.
“Ao lado delas, apresentamos produções contemporâneas de Luma Nascimento, Luisa Magalhães e Luana Vitra, mulheres que atualizam e tensionam essas narrativas, ampliando a relação entre ancestralidade, corpo, território e imaginação”, alinhava Jamile.
Com a instalação Corpo de lembrar que chão também é memória, a soteropolitana Luma Nascimento explica que sua obra é formada por uma costura dividida em três colares escultóricos feitos manualmente com miçangas de vidro da África do Sul, cerâmica de Maragogipinho, porcelana e pérolas.
“Minha participação traz a investigação que desenvolvo sobre a miçanga como linguagem e o chão de quilombo como arquivo, articulando corpo, território e memória através dessas matérias”, explana Luma.
É um trabalho pensado para ativar lembranças, segundo a artista. “Entendendo miçanga, vidro, cerâmica e terra não como materiais neutros, mas como elementos que carregam histórias, deslocamentos, economias e afetos que sustentam a articulação preta no Brasil”.
O conjunto das cerca de 50 peças expostas na exposição estabelece uma constelação de vozes e gestos que reafirma a urgência de revisitar, reescrever e reinscrever memórias que foram silenciadas - agora apresentadas como parte fundamental de outra história possível.
“A mostra evidencia a potência criativa de mulheres negras de diferentes tempos, cujas obras afirmam presenças, memórias e imaginários fundamentais para a arte e a cultura brasileira, mesmo quando historicamente invisibilizadas”, lembra Jamile.
“Em síntese, o que se encontra na exposição é um espaço de ressonância – onde cada obra funciona como caminho, voz e semente – convidando cada pessoa a se ver, sentir e se reconhecer dentro dessa grande trama de memórias, presentes possíveis e futuros”, arremata a curadora.
Como diretora e artista à frente do Muncab, Jamile complementa, afirmando que “nosso papel é abrir caminhos para que essas narrativas emerjam com força, complexidade e legitimidade, reconhecendo que elas não apenas completam a história. Elas a transformam e a reordenam”.
Multidiversidade

Oriundas do Senegal, Gana, Zimbábue, República do Congo, Argélia e Madagascar, as artistas convidadas trazem influências franco-camaronesas e de territórios como França, Itália, Estados Unidos e Brasil. Memória já foi exibida nas cidades de Bordeaux (França), Abidjã (Costa do Marfim), Iaundé (Camarões) e Antananarivo (Madagascar).
As obras expostas trazem a assinatura de Amélia Sampaio (Brasil/França), Barbara Asei Dantoni (França/Itália/Camarões), Barbara Portailler (Madagascar/França), Beya Gille Gacha (França/Camarões), Dalila Dalléas Bouzar (Argélia/França), Enam Gbewonyo (Gana/Reino Unido), Fabiana Ex-Souza (Brasil/França), Gosette Lubondo (República do Congo).
Além de Josèfa Ntjam (França/Camarões), Luana Vitra (Brasil), Luma Nascimento (Brasil), Luisa Magaly (Brasil), Madalena dos Santos Reinbolt (Brasil), Maria Lídia dos Santos Magliani (Brasil), Myriam Mihindou (França/Gabão), Na Chainkua Reindorf (Gana/EUA), Selly Raby Kane (Senegal), Charlotte Yonga (França/Camarões) e Tuli Mekondjo (Namíbia) e YêdaMaria (Brasil).
Memória: relatos de uma outra História é uma realização do Ministério da Cultura, Petrobras e Embaixada da França no Brasil, em parceria com o Muncab, sob a gestão da Amafro (Sociedade Amigos da Cultura Afro-Brasileira).
Memória: relatos de uma outra História / até 01 de março de 2026 / Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab) – Rua das Vassouras, Centro Histórico / gratuito
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