TEATRO
Musical “Menino Mandela” transforma vida do líder sul-africano em poesia
Espetáculo infantojuvenil mistura teatro, música e bonecos para recontar a infância do líder sul-africano

Por Grazy Kaimbé*

Antes de se tornar símbolo da luta contra o apartheid e presidente da África do Sul, Nelson Mandela foi Rolihlahla, um menino curioso que cresceu na aldeia de Qunu, cercado por histórias, tradições e ensinamentos dos mais velhos.
E é essa fase da vida do líder sul-africano que o musical infantojuvenil Menino Mandela leva ao palco da Caixa Cultural Salvador.
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A montagem será apresentada em sessões com audiodescrição e tradução em Libras no sábado, 8, às 15h e no domingo, 9, no mesmo horário. Os ingressos custam R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), e estarão disponíveis na plataforma Sympla.
O espetáculo mistura teatro, música, dança e bonecos para reconstruir o universo da infância de Mandela e mostrar como gestos simples e cotidianos podem moldar valores de liberdade e justiça.
O elenco do musical inclui os atores Peter, Aline Valentim, Ella Fernandes, Wladimir Pinheiro e Vanessa Pascale, que também atua como assistente de direção e preparadora corporal. O texto é assinado por Ricardo Gomes e Mariana Jaspe, com direção artística de Arlindo Lopes e direção musical de Vladimir Pinheiro.
Segundo Arlindo Lopes, o projeto surgiu a partir da pesquisa dele, que já havia dirigido o musical infantil As Aventuras do Menino Iogue.
“Eu comecei a fazer uma pesquisa sobre qual livro eu gostaria de adaptar. No meio dessa pesquisa, encontrei várias publicações infantis e infantojuvenis sobre a infância de Nelson Mandela, e isso me chamou a atenção. Por que tantos livros abordavam a infância dele? Então fui ler a autobiografia Longa Caminhada Até a Liberdade e fui entendendo a importância que a infância teve para ele”, contou Lopes.
O diretor salienta a valorização da infância do líder sul-africano, que voltou a morar em sua aldeia natal nos últimos anos de vida e também inspirou a construção do espetáculo.
“Aquilo me tocou muito, um homem idoso querendo se reconectar com a infância. Fez muito sentido para mim pensar nisso e descobrir particularidades da história dele que eu mesmo não conhecia, a relação com a natureza, com a mãe, o pai, a avó, as tias, e como se deu sua primeira formação. Até o momento em que ele ganha o nome ‘Nelson’, na escola”, observa.

Lopes explica também o porquê de fazer um espetáculo para as crianças e a importância dele. “Tinha muita coisa interessante e muita ternura nessa história. Achei que seria muito bonito fazer um espetáculo para crianças, que tivesse também um letramento racial para as novas gerações. E, ao mesmo tempo, que pudesse apresentar aos adultos essa conexão com a infância, algo que o próprio Mandela buscou”, explicou Lopes.
Ele também ressaltou a recepção das crianças ao espetáculo, que já passou por outras cidades e nasceu lá no Rio de Janeiro.
“Lembro especialmente de uma menina de quatro anos. Perguntei a ela: ‘O que você mais gostou e o que não gostou?’ E ela respondeu: ‘Não foi legal a professora mudar o nome dele. Não foi legal ele ser expulso da faculdade. E também não foi legal ele ser preso.’ Achei incrível, porque ela percebeu todas as injustiças que a gente mostra em cada fase da vida dele”, recorda.
O ponto de partida
A narrativa musical parte da criação da personagem Zoe, neta de Mandela, que precisa fazer um trabalho escolar sobre seu avô. Zoe é conduzida por uma “fenda no espaço-tempo” para 1926, onde encontra o menino Mandela aos oito anos.
Segundo o diretor, a viagem permite que o público acompanhe episódios como a mudança de nome de Rolihlahla para Nelson, sua vida na aldeia, a relação com os familiares, o contato com a natureza e, mais adiante, a entrada na universidade e a primeira aproximação com a luta pelos direitos raciais.
“A partir daí, com a magia do teatro, a gente abre esse espaço-tempo, ela viaja para 1926 e encontra o menino Mandela. Acompanhamos, então, essa jornada, um pequeno recorte da vida dele, por meio dessa viagem teatral, que tem a liberdade poética que o palco permite”, detalhou Lopes.
Vanessa Pascale, atriz e assistente de direção do musical, interpreta diversos personagens na montagem e destacou a diversidade de papéis e os desafios cênicos.
“Faço a Graça, que foi a última esposa de Mandela; a avó dele, que no espetáculo se chama Avó Dituba; a professora, que, na vida real, foi quem realmente trocou o nome dele e o chamou de Nelson; e o reitor, o único personagem branco da peça, representado por uma máscara. Ele é a figura que expulsa Mandela da universidade. Tanto a avó quanto o menino Mandela são representados por bonecos, o que também foi um grande desafio para mim como atriz. Precisei aprender a manipular bonecos de tamanho praticamente real, o que trouxe novas possibilidades cênicas”, explicou.
Ela ressalta ainda o resgate da ancestralidade e da cultura africana como eixo central do espetáculo.
“Sobre o conteúdo do espetáculo, eu acho fundamental mostrar como as nossas raízes e bases culturais podem nos tornar pessoas mais fortes e melhores. É muito importante quando a gente se conecta com a ancestralidade e absorve o que os mais velhos nos transmitem. A cultura africana tem essa base linda, de sentar sob um baobá e ouvir as histórias dos anciãos”, conta.
“No Ocidente, infelizmente, o mais velho costuma ser excluído, não é incluído nem valorizado. Já na África há respeito, tradição e hierarquia. Às vezes isso pode ser desafiador, mas, para Mandela, foi algo precioso, a hierarquia e o respeito aos mais velhos ajudaram a formar o caráter e os ideais dele. Acho maravilhoso poder resgatar essa força e essa beleza da sabedoria ancestral”, complementa.

A atriz também reforçou a dimensão de paz e justiça presente na história do líder sul-africano. “Com certeza, a paz foi algo que Mandela sempre quis plantar, e foi justamente o que o levou a receber o Prêmio Nobel. Que a gente possa viver em paz, porque essa guerra constante, religiosa, racial, continua. Precisamos aprender, de fato, a respeitar a diversidade, as culturas, a amar o que é original no planeta, a água, que é o berço do mundo, e tudo o que nasce dela", disse.
"É importante mostrar essa beleza, esse amor, essa cultura, essa força. Que isso possa nos fortalecer, para que a gente não se deixe massacrar e entenda a nossa própria força e o nosso poder”, completa.
Para Vladimir Pinheiro, diretor musical, arranjador, letrista e também ator no musical, o espetáculo vai além de contar a história de Mandela como figura histórica.“É um espetáculo que se passa em um ambiente de muita ludicidade e afetividade. Ele conta a história do menino Nelson Mandela, o menino Rolihlahla, que mais tarde passa a ser conhecido como Nelson Mandela."
"Dentro desse contexto familiar e comunitário, o convívio com a aldeia, a terra, a natureza e os mais velhos, a gente percebe como a trajetória futura dele começa a se desenhar. Desde a infância, já se revela o grande homem que ele viria a se tornar, com preocupações humanistas, com a justiça social e com a igualdade”, afirmou.
Pinheiro ressaltou ainda o letramento racial como um dos eixos do projeto. “A peça busca promover o diálogo sobre diversidade entre crianças e jovens. Ela fala muito sobre a negritude e sobre a igualdade. Mostra o princípio da luta de Mandela para que pessoas pretas e brancas fossem vistas da mesma forma, com os mesmos direitos e oportunidades”, conta.
Músicas originais
Segundo Vladimir, o musical apresenta ainda músicas originais e canções africanas, coreografias, bonecos e iluminação, aliados a uma narrativa que acompanha a transição de Mandela da infância para a adolescência, incluindo episódios da universidade e o envolvimento com a luta estudantil.
“Tudo é feito de maneira lúdica, não é uma brincadeira, mas um tratamento artístico e sensível dentro de um universo infantil. O espetáculo tem uma virada importante, a partir da morte do pai, o menino cresce, e a trajetória dele começa a se delinear de outro modo", comenta o diretor musical.
"Nesse momento, a música muda, o tom fica mais sério, o texto mais denso, mas ainda é acessível para as crianças. Elas acompanham tudo de ponta a ponta. Às vezes, são até mais rápidas em compreender as camadas da história do que os adultos”, completa.
Segundo Arlindo Lopes, o espetáculo também ajuda a refletir sobre a própria infância e os momentos formativos que estruturam a vida adulta.
“Eu acho que esse espetáculo ajuda a gente a entender a importância dos pequenos momentos de família, dos instantes de intimidade, de aprendizado. Mostra como essas pequenas coisas que vivenciamos ao longo da vida, sobretudo na infância, nos conectam com quem vamos ser no futuro, com quem vamos nos tornar de forma mais real. Sempre penso que esse espetáculo é uma forma de não deixar a nossa criança se perder”, conta.
O diretor Arlindo destacou a importância de Salvador como palco para a história. “No domingo, quando chegamos, fomos andar pelo Pelourinho e eu fiquei profundamente tocado. Sabe quando a gente tem aquela certeza de que o espetáculo precisava passar por aqui? Nas ladeiras do Pelourinho, a gente vê tantas referências, tantos nomes de resistência: Maria Felipa, Mandela, Luther King... E aí a gente vai percebendo o quanto essas histórias se cruzam. É muito importante estarmos aqui em Salvador contando a história desses personagens, porque esse lugar traz uma energia muito forte”, finaliza.
Serviços
Menino Mandela
Data: Sábado (8) e domingo (9), às 15h e 17h
Local: CAIXA Cultural (Rua Carlos Gomes 57, Centro)
Ingressos: R$ 30 e R$ 15
Vendas: Sympla
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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