ANCESTRALIDADE
‘Nixi Pãe’: entenda a força espiritual da ayahuasca na visão Huni Kuin
Mais do que uma bebida, medicina pode guiar processos de cura e fortalecimento do corpo
Por Isabela Cardoso

Entre os rios e árvores centenárias da amazônia, vive um dos saberes mais antigos do continente: a medicina da ayahuasca, conhecida pelos Huni Kuin como Nixi Pãe. Mais do que uma bebida, ela pode guiar processos de cura, aprendizado e fortalecimento do corpo e espírito, como afirmam os indígenas.
“Ayahuasca é um espírito vivo, uma força da floresta que nos conecta com nossos ancestrais, com os encantados e com o mundo espiritual”, explica a jovem Shakuany Huni Kuin, ao Portal A TARDE. “O Nixi Pãe ensina através das visões, dos cantos (Txana), dos sonhos e do silêncio também”, completa.
Utilizada há milênios pelos povos originários da bacia amazônica, a Ayahuasca é feita a partir do cipó Banisteriopsis caapi e da folha do arbusto Psychotria viridis. Seu uso alcançou os Andes, o Caribe, o Pantanal e até a Mata Atlântica. No entanto, para os Huni Kuin, seu verdadeiro valor está na utilização sagrada e coletiva.
“A Ayahuasca traz um espelho para dentro da alma. Ela revela o que precisa ser curado, mostra caminhos de reconciliação, reconecta com a verdade do coração. A nível pessoal, transforma hábitos, desperta consciência, alinha o espírito. Na comunidade, ela fortalece a união, pois todos compartilham do mesmo espírito e aprendizado, cantam juntos, curam juntos. Ela une”, detalha Shakuany.
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Na experiência espiritual proporcionada pelo Nixi Pãe, há encontros com o próprio eu, com os animais, com a floresta e com o espírito da terra, segundo Shakuany.
“Espiritualmente, ela abre os portais do mundo invisível. Faz a pessoa lembrar de quem é, de onde veio e para onde está indo. O Nixi Pãe traz o entendimento de que tudo está vivo, o rio, as árvores, os animais, os ventos, a terra. Ele limpa o espírito, cura traumas, desperta dons e fortalece a conexão com a missão de vida. Ensina a humildade e o respeito com tudo que existe”, diz.

Interesses externos: ameaça ou fortalecimento?
Nos últimos anos, o uso da ayahuasca tem crescido em ambientes urbanos, muitas vezes longe dos contextos tradicionais e espirituais. Shakuany explica que é necessário muito cuidado e preocupação com a medicina.
“Muitos não entendem que o Nixi Pãe não é uma bebida qualquer, mas sim um espírito que exige preparo, respeito e orientação. Quando se consome de forma desenfreada, sem guia, sem tradição, corre-se o risco de abrir portais perigosos e de perder o verdadeiro sentido da medicina. A banalização pode causar desequilíbrios espirituais e desrespeito à ancestralidade”, alerta.
O interesse crescente de não indígenas pela ayahuasca pode representar tanto um risco quanto uma oportunidade. A partir do momento que houver lucro e ego, se torna um roubo da cultura.
“Depende de como esse interesse é cultivado. Se for com respeito, escuta, aprendizado com os povos de origem, pode fortalecer, gerar pontes de cura e preservação. Mas se for movido pelo lucro, curiosidade ou ego, ameaça sim, pois desvaloriza a cultura, rouba o saber sem permissão e coloca em risco a integridade da medicina e do povo que são guardiões”, ressalta Shakuany.

As diferenças entre o uso indígena e os contextos urbanos são grandes, segundo a jovem. Para os Huni Kuins, a ayahuasca é a representação da ancestralidade do povo.
“Para nós, o Nixi Pãe está dentro de um contexto ancestral, com cantos sagrados, dieta, pinturas, rezas, jejum e orientações do pajé (neybeya) ou dos mais velhos. Na cidade, muitas vezes falta isso. A música muda, o tempo de preparo também, e o sentido se transforma. Isso não quer dizer que é errado, mas sim que é outro caminho, que precisa de muita responsabilidade e humildade para não se perder da origem”, pontua.
Preparo para a medicina
Participar de um ritual de Ayahuasca exige mais do que vontade. Segundo a sabedoria Huni Kuin, há uma preparação espiritual essencial.
“É necessário entrar com o coração limpo, com boa intenção e com respeito. Jejuar, evitar comidas pesadas, contato sexual, álcool e pensamentos negativos. A mente precisa estar tranquila, o corpo preparado e o espírito disposto a aprender”, pontua Shakuany.
Além disso, ela reforça que é indispensável estar sob orientação de quem conhece o caminho - os pajés, mestres ou anciãos que guardam a sabedoria de lidar com os espíritos despertados pelo Nixi Pãe.

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