ARTES CÊNICAS
Peça da Broadway ganha nova montagem gratuita em Salvador; saiba onde assistir
Clássico do teatro moderno será apresentado em temporada gratuita de 25 a 28 de setembro

Por Manoela Santos

Essa semana, o público de Salvador terá a oportunidade de assistir a um clássico do teatro moderno. A Morte do Caixeiro Viajante, peça escrita originalmente por Arthur Miller, em 1949, será apresentada de quinta a domingo (25 a 28) de setembro no Teatro Martim Gonçalves.
Com entrada gratuita, a montagem é resultado da pré-formatura da estudante Fernanda Behrens, do curso de Direção Teatral, da Escola de Teatro da Ufba. O enredo acompanha Willy Loman, caixeiro viajante que dedicou 36 anos à mesma empresa, sustentando o sonho americano de sucesso e reconhecimento. Aos 63 anos, já debilitado e esquecido, ele se vê descartado por um sistema que ajudou a sustentar.
A obra reflete sobre fracasso, opressão econômica, conflitos familiares e a busca por sentido, questões que, segundo Fernanda, permanecem urgentes. Escrita em 1949, a peça mantém forte diálogo com a atualidade ao abordar temas como a compreensão do fracasso e a alienação diante da realidade enquanto fenômenos sociais.
A diretora explica que sempre se interessou por dramaturgias que colocam o indivíduo em confronto com seu tempo. “Eu sempre escolhi textos que falem dessa perspectiva social, de colocar o sujeito no meio da sociedade e entender como fatores econômicos, políticos e sociais interferem nas relações humanas”.
Para ela, a peça de Miller é instigante justamente por abrir espaço para múltiplas leituras. “O que mais me encanta nessa escolha é justamente esse leque de coisas que o texto aborda”.
Espaço social
Fernanda defende o teatro como uma arte de troca e reflexão. Ela afirma que não enxerga a cena apenas como espetáculo estético, mas como espaço de discussão.
“A grande riqueza do teatro é não levar respostas, mas questionamentos. É provocar o público, fazê-lo sair balançado, emocionado, e não só pela beleza, mas também pelas inquietações que ficam”, argumenta Behrens.
Para a jovem diretora, a função social do teatro está na sua capacidade de alcançar lugares que nem sempre outras práticas políticas e sociais conseguem tocar. “A arte teatral tem essa potência de provocar transformações”, completa.
Aos 22 anos, pertencente à chamada geração Z, Fernanda também relaciona a escolha do texto à sua experiência pessoal. Ela reconhece como o avanço tecnológico transformou a vida dos jovens, muitas vezes afastando-os de experiências humanas fundamentais.
“Nós fomos tomados pela ideia do progresso constante, mas não conseguimos acompanhar. Percebo que isso impacta nossas relações, o contato com a natureza e com as pessoas. Gosto de obras que falem sobre isso”, ressalta Fernanda.
Leia Também:
Apesar da sua admiração pela obra, Behrens descreve a montagem como uma das experiências mais difíceis de sua trajetória acadêmica. Ao longo de seis meses, enfrentou limitações orçamentárias, falta de espaço e dificuldades de conciliar a agenda de um elenco numeroso.
“São os desafios do fazer teatro universitário: a verba reduzida, a falta de um prédio próprio, a disputa pelo uso do palco. Mas, para mim, o mais importante foi o aprendizado que ficou”, avalia.
Além dos obstáculos práticos, ela destaca a complexidade da dramaturgia e dos personagens. “Cada fala tem muito peso, e discutimos bastante como evidenciar certos aspectos sem perder a densidade do texto. É difícil dar conta de toda a complexidade humana que Miller traz porque nós também somos contraditórios, inseguros, cheios de frustrações e sonhos”, afirma.

Sistema impiedoso
Para o ator Gil Teixeira (O Santo e a Porca), intérprete do protagonista, dar vida a Willy foi um exercício árduo e prazeroso. Ele destaca que o personagem é um homem comum esmagado por um sistema impiedoso.
“Will é um sujeito humano, pulsante, que construiu família, que trabalhou, mas não conseguiu lidar com seus abismos. Ele acredita no sonho americano e é iludido por ele, até perceber que o preço cobrado é a própria vida”, detalha Teixeira.
O ator ressalta a dificuldade de encarar a complexidade psicológica do personagem, que transita entre momentos de lucidez e delírio. “Ele vai perdendo o controle diante das pessoas, mesmo tentando disfarçar. Trazer isso para a cena exige muito porque não é fácil lidar com a densidade psicológica e física ao mesmo tempo”, explica.
Ainda assim, Gil considera que o processo trouxe aprendizados importantes. “Esse trabalho nos lembra da importância de revisarmos convicções e de nos prepararmos para o novo. Will não entendeu isso, e essa talvez seja sua maior tragédia”, reflete.
Ele espera que a história de Willy Loman desperte no público uma reflexão sobre valores. “É preciso cuidado com as armadilhas da sociedade, que colocam o ‘ter’ acima do ‘ser’. Essa peça nos faz lembrar da importância de viver a essência humana, aquilo que realmente somos, e não apenas do sucesso como referência”.
Último ato
Já Fernanda confessa que é no desfecho da obra que mais se sente tocada. “Honestamente, me sinto muito emocionada com o final. O próprio título já anuncia o que vai acontecer, mas o que me comove não é a morte em si, e sim toda a configuração familiar sufocada pelas dinâmicas sociais, políticas e econômicas”, explica.
Para ela, a família Loman vive a contradição de uma classe média baixa iludida pelo consumo e pelo crédito, que busca preencher vazios com a promessa de prestígio e felicidade, mas permanece endividada e deslocada no sistema.
“O que me emociona é ver as tentativas desesperadas dessa família de sair do sufoco. É uma emoção que não é apenas beleza, é também catástrofe, é perder o fôlego junto com eles”, pontua Behrens.
A diretora descreve que a sensação é a de perder o fôlego ao assistir a personagens que se afogam enquanto tentam alcançar a margem, agarrando-se a esperanças frágeis. Essa densidade, segundo ela, é o que deseja compartilhar com o público.
“Espero que as pessoas se sensibilizem com o discurso da obra, com os conflitos apresentados, com a visualidade, com a música e, claro, com a interpretação de cada ator. Que saiam tocadas e provocadas, dispostas a refletir sobre aquilo que assistiram”, comenta Fernanda.
“Essa é uma peça muito rica, que cada vez mais se enriquece nas discussões e descobertas. Eu espero que o público se emocione como nós nos emocionamos ao criá-la. Que consigamos sensibilizar, tocar profundamente, como o teatro deve fazer”, finaliza.
A Morte do Caixeiro Viajante / 25 e 26, às 19h - 27 e 28, às 18h / Teatro Martim Gonçalves / Gratuito – os ingressos serão distribuídos na bilheteria a partir de 1 hora antes da sessão / Classificação: 16 anos
Siga o A TARDE no Google Notícias e receba os principais destaques do dia.
Participe também do nosso canal no WhatsApp.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes