CULTURA
Quarta que Dança volta com 32 espetáculos e 32 oficinas gratuitas na Bahia
Projeto retorna após 11 anos com R$ 600 mil investidos na cena baiana
Por Manoela Santos*

O Quarta que Dança, projeto promovido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb/SecultBA), volta à cena em 2025 com uma edição especial de Circuitos Artísticos. A programação inclui apresentações de espetáculos de dança e atividades formativas em espaços culturais de Salvador, Lauro de Freitas, Valença, Jequié e Juazeiro.
Com investimento de mais de R$ 600 mil voltado exclusivamente para pagamentos artísticos, oito projetos foram selecionados para compor a temporada. Cada grupo recebeu R$ 80 mil para realizar apresentações e oficinas nas quartas-feiras de agosto (Circuito I) e setembro (Circuito II). Ao todo, serão 32 sessões de espetáculos e 32 ações formativas, conectando artistas, produtores, técnicos e o público em uma rede de trocas e aprendizado.
A primeira rodada de apresentações aconteceu no dia 6 de agosto, simultaneamente nas cidades de Salvador, Lauro de Freitas, Valença e Jequié.
Destinadas a promover o encontro e articulação da rede criativa da dança, estimulando relações de troca, interação e aprendizado, as ações contempladas visam fortalecer circuitos de difusão da dança no estado, conectando uma rede de espaços, artistas, produtores, técnicos e o público.
Gabriela Sanddyego, diretora de Artes da Funceb, destaca que a circulação é essencial para aproximar diferentes territórios e públicos. “Ela gera encontros entre artistas da dança de diversas cidades, e as ações formativas colaboram para um diálogo mais próximo com o público, deixando um desdobramento além da apresentação”, afirma.
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Retorno
O Quarta que Dança foi criado pela coreógrafa e pesquisadora Lia Robato, referência da dança na Bahia, e estava descontinuado desde 2014.
Segundo a diretora de Artes da Funceb, a volta do projeto era um pleito antigo de artistas e agentes culturais do estado. “Retomar esse projeto é de suma importância, porque ele calendariza o encontro do público com espetáculos de dança. É fundamental garantir que esses espaços tenham ações regulares. Essa retomada é muito significativa, ainda que cada cidade apresente seus próprios desafios, especialmente questões de acessibilidade nos espaços e na hospedagem das equipes”, afirma.
Segundo a diretora, os critérios de seleção foram rigorosos: clareza e consistência das informações, trajetória mínima de quatro apresentações, diálogo prévio com o público, singularidade artística, capacidade de estruturação, plano de trabalho com ação formativa e orçamento compatível.
Dança e respeito
Entre os oito trabalhos selecionados para o Quarta que Dança 2025, está KILEZUUUMMMM, criação dos artistas Edu O, João Rafael Neto e Thiago Cohen.
O espetáculo parte de uma livre inspiração no conto Do amor de um pássaro por um lagarto, do ator e escritor Gero Camilo, para refletir sobre amor, entrega, desejo, respeito às diferenças e as restrições impostas socialmente às múltiplas formas de afeto.
Na cena, o encontro improvável entre naturezas distintas, como pássaro e lagarto, se transforma em metáfora para o afeto que modifica e nos funde ao outro, mesmo diante de um sistema que não aceita certas formas de existir.
“Não é só sobre deficiência, inclusão ou superação”, explica Edu O. “É sobre como nossas diferenças artísticas, afetivas e sexuais se encontram, e como a dança também carrega preconceitos que precisamos mobilizar e transformar”.
João Rafael Neto explica que a ideia surgiu de um encontro entre ele e Edu O., motivados pela pesquisa sobre a dança entre as rodas de uma bicicleta e as de uma cadeira de rodas. Com o tempo, esses objetos deixaram de ser centrais, e o conto de Gero Camilo passou a ser o mote principal. Quando Thiago Cohen chegou à direção, em 2018, o trio participou de uma residência artística com o grupo potiguar Giradança, ampliando o diálogo entre vivências pessoais, questões políticas do período e elementos das danças populares brasileiras, como o jongo, cavalo-marinho e samba de pareia.
Thiago lembra que KILEZUUUMMMM é também uma onomatopeia presente no conto: o som que o lagarto faz ao cair, transformado em gesto e movimento coreográfico.
“O conto nos inspira, mas não o transportamos linearmente para o palco. Subvertemos a narrativa, trabalhamos a partir de vivências e criamos um vocabulário próprio, onde palavra e movimento se misturam”, explica.
Além do espetáculo, o grupo apresenta a oficina Fragmento para Aprender a Voar, em que compartilha metodologias de criação desenvolvidas durante o processo do espetáculo. A proposta envolve cuidados com acessibilidade, respeito às diferenças e reflexão sobre como essas questões se incorporam à dança contemporânea. Para os artistas, o espaço formativo também deveria incluir gestores públicos e culturais. “Ao conhecer nossos modos de trabalho, e também de outros grupos periféricos e do interior, gestores podem aprender a evitar o capacitismo e lidar de forma mais coerente com a acessibilidade, algo que ainda enfrentamos como desafio até mesmo no Quarta que Dança”, observa Edu O.
O trio considera fundamental circular pelo interior da Bahia. “A descentralização cultural é essencial. Eu e João somos do interior, e sabemos a importância de levar esses pensamentos para públicos que talvez não teriam acesso a eles”, afirma Thiago.
Para João, o retorno do Quarta que Dança representa um marco para o cenário da dança baiana. “O Quarta que Dança já foi um hábito em Salvador, um evento que mobilizou a cidade. Com o tempo, ganhou força estadual e potencializou o trânsito artístico entre a capital e interior. Essa retomada é de suma importância para a dança”.
Sem pausa
Além de KILEZUUUMMMM, o Circuito Artístico I, que acontece em agosto, contará também com as apresentações de Da Boca de Matilde (Coletivo Balé do Recôncavo), Afrobapho: Corpoemas em movimento e Por que, Zé? (Coletivo OYO). Os espetáculos serão apresentados em espaços culturais de Salvador (Espaço Xisto), Lauro de Freitas (Cine Teatro), Valença (Teatro Municipal de Valença) e Jequié (Centro de Cultura ACM).
Para a diretora de Artes da Funceb, Gabriela Sanddyego, o maior desafio dessa retomada é a ausência de recursos para outras entregas de produção que ampliem a experiência do público. Ainda assim, ela reforça o compromisso de continuidade.
“Não vamos aceitar novas interrupções. Estamos dialogando com instituições de cada cidade para mobilizar público e apresentar a linguagem da dança para novos espectadores”, conclui Gabriela.
Programação Edital Quarta que Dança – Circuitos Artísticos 2025 / Até 24 de setembro / Espaços culturais de Salvador (Espaço Xisto), Lauro de Freitas (Cine Teatro), Valença (Teatro Municipal de Valença), Jequié (Centro de Cultura ACM) e Juazeiro (Centro de Cultura João Gilberto) / Gratuito / Programação e mais informações: ba.gov.br/fundacaocultural
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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