CULTURA
Salvador recebe dupla exposição que mergulha na natureza e na percepção
Galatea Salvador abre mostras que unem mito, arquitetura e luminosidade em ambientações poéticas

Por Eugênio Afonso

Salvador exibe, simultaneamente, desde ontem, duas exposições distintas em uma mesma galeria. A invenção da maré, de Poli Pierati, e Chuva de prata, de Estela Sokol, podem ser visitadas até 17 de janeiro de 2026 na Galatea Salvador (Rua Chile, Centro Histórico). Ambas convergem em uma investigação sobre espaço, percepção, materialidade e sensorialidade.
A brasiliense Poli Pieratti trouxe para a capital baiana sua primeira mostra individual. Com texto crítico da escritora e curadora Veronica Stigger, o público vai se deparar com 11 obras ancoradas no mito da ninfa Galatea – uma das nereidas da mitologia grega – a partir de uma poética marítima que pensa o mar enquanto sonho, campo de mistério e força.
Pieratti conta que costuma fazer exposições específicas para o lugar em que vai exibir as obras. “No caso da Galatea, além da relação com o nome e a narrativa, cada tela é dedicada a uma dimensão arquitetônica do espaço, então usei os pilares, os padrões do piso e as janelas como referências de enquadramento para minhas imagens, criando um conjunto que dialoga diretamente com o espaço, como um site-specific”.
As telas rememoram tanto paisagens sensoriais quanto a mitologia feminina. Elas estão situadas em uma zona limítrofe entre abstração e figuração, e fazem alusão a rochedos, ondas, falésias, corais e também à própria imagem de Galatea.
“(A mostra) Tem trabalhos inéditos, com díptico, políptico e telas individuais. Todos eles abordam a imensidão e a complexidade do mar a partir de tons frios, quentes e metálicos. Há telas de grande, médio e pequeno formato, afirmando assim uma diversidade de composições que imergem na mesma temática”, define a artista.
“São pinturas com presença de pastel seco e tintas à base de água. Em geral, uso muita água para pintar, então as telas possuem uma fluidez. Por vezes, pinto sobre algodão e por vezes sobre o linho cru – mantendo a trama aparente”, arremata Poli.
O interesse da artista por temas como memória, mito, território e corpo já esteve presente em mostras anteriores, como Submersas e Terra do mar. Em A invenção da maré, as obras de Poli funcionam como encaixes da própria arquitetura através de um diálogo direto com o espaço físico da galeria.
Pieratti conta que, ultimamente, o mito da ninfa Galatea tem norteado seu trabalho. Que tem pensado o mar como um ambiente extremamente vivo, onde o feminino ecoa nas águas mais brandas e também nas mais ferozes.
Diz ainda que sua obra quer chegar às pessoas como um dispositivo para ativação de memórias. “Minha intenção é evocar uma atmosfera, criando um clima que ultrapassa os limites da tela para que elas possam ter sentidos transbordantes, imprevisíveis”.
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Imersiva e coletiva
Já a paulista Estela Sokol optou por uma instalação com 300 módulos fotoluminescentes – montada no espaço escuro da galeria – que absorvem luz artificial à noite e irradiam luminosidade durante o dia. A intervenção inclui ainda esculturas de parede e de chão, além de um letreiro de neon na fachada da casa.
Com texto assinado por Alana Silveira, diretora da Galatea Salvador, a exibição propõe uma experiência imersiva e sensorial, em que luz, tempo e presença do público tornam-se elementos ativadores da percepção.
“A exposição leva o título da canção eternizada por Gal Costa, que evoca o amor como uma experiência luminosa e transformadora. As instalações tentam dar corpo a essa atmosfera. O projeto parte da minha pesquisa sobre cor e luz e suas possíveis relações com a arquitetura”, argumenta Sokol.
Composta por peças modulares em formato de gomos, com variações sutis de tamanho, espessura e tons, Chuva de prata é acompanhada por um pequeno conjunto de trabalhos – pintura expandida e escultura – que dialogam com a instalação. “As peças se dispõem em movimentos ondulantes, lembrando escamas invertidas que revestem o espaço”, detalha a artista.

De acordo com Sokol, o público é convidado a vivenciar uma experiência sensorial e imersiva. “Desde o letreiro em gás neon azul instalado na fachada do prédio até o interior escuro do cofre. Dentro da sala, a instalação reage à luz e ao tempo, acendendo e se transformando como uma chuva que brilha no escuro — um espaço de encantamento e silêncio”.
A artista ainda desloca os limites entre pintura e escultura por meio da sobreposição de materiais translúcidos e opacos, produzindo variações cromáticas mesmo sem o uso da tinta. Suas obras evocam silêncio, delicadeza e economia de gestos.
Sokol reconhece que, de modo geral, sua arte quer criar espaços de suspensão – lugares onde a luz, a cor e o tempo possam ser percebidos de forma sensível. “Em Chuva de prata, a ideia é provocar o olhar e o corpo a perceberem a transformação da luz, e o modo como ela incide sobre o espaço e nós mesmos”.
Terra e céu
Fica claro que as duas exposições não estão no mesmo espaço à toa. Há uma interação, um diálogo entre elas, já que tanto Pieratti quanto Sokol estão se expressando através do elemento água, não importa se em termos estéticos ou simbólicos.
“Sinto que nossos trabalhos, apesar de terem materialidades muito diferentes, abordam expressões de leveza e de peso, harmonizando elementos pelo espaço e utilizando diversas formas que, a partir da cor, criam um conjunto coeso. São exposições que se afirmam enquanto experiências sensoriais, acho que é aí que encontramos a maior ressonância”, observa Poli.
Sokol lembra que ambas as pesquisas partem do diálogo com os elementos da natureza e da arquitetura a partir da cor e da água. “A travessia entre as duas salas propõe uma continuidade sensorial — um fluxo entre maré e chuva, terra e céu”.
Feliz por estar expondo aqui, Estela considera a Bahia um lugar de inspiração e de reencontro com a força dos elementos. “A luz intensa, a energia do sol, a arquitetura, o mar e todo aquele axé. Desenvolver este trabalho em Salvador, especialmente nesse edifício histórico na Rua Chile, foi uma forma de propor um diálogo com a cidade e sua energia luminosa”.
Já Poli Pieratti tem uma relação mais próxima com a capial baiana, já que tem família por aqui e costuma vir com muita frequência. “Pode parecer meio místico, mas eu considero a Bahia uma terra encantada e espero seguir percebendo essa força toda. Sou muito grata por ter uma relação com esse Estado, é sempre engrandecedor”.
Mais informações nos sites galatea.art e lucianabritogaleria.com.br.
A invenção da maré e chuva de prata / Galatea Salvador, Rua Chile, 22 / até 16 de janeiro de 2026 / terça a quinta, 10 às 19h – sexta, 10 às 18h – Sábado, 11h às 15h / gratuito
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