INTERAÇÕES URBANAS
Salvador em movimento: exposição provoca o público a repensar a cidade
Mostra questiona o que é público e o que é privado por meio da arte

Por Grazy Kaimbé*

A CAIXA Cultural Salvador inaugura nesta sexta-feira, 14, às 19h, a exposição Lugar Nenhum é Logo Ali, como parte do Play Festival, que chega pela primeira vez à capital baiana. Com entrada gratuita até 8 de fevereiro de 2026, o evento propõe uma imersão nas relações entre arte, cidade e educação por meio de diversas linguagens e atividades abertas ao público.
Idealizado e dirigido pela curadora Tathiana Lopes, 49, o Play Festival é definido por ela como “uma plataforma livre de acesso às artes”. Depois de sua primeira edição no Rio de Janeiro, em 2023, o festival desembarca em Salvador.
“O Play tem como objetivo promover diálogos entre arte, educação e cidade. Em Salvador, a ideia é que a cidade atravessasse diretamente a exposição, tanto na escolha dos artistas quanto nas obras, especialmente as comissionadas para essa mostra”, explica.
A curadora conta que concebeu o título Lugar Nenhum é Logo Ali como uma provocação sobre distâncias, ausências e presenças, tanto físicas quanto simbólicas. “O que é ‘logo ali’ pra mim pode não ser ‘logo ali’ pra você. O Play tem muito esse olhar para as infâncias e juventudes, para as diversas realidades dentro de uma mesma cidade”, afirma.
Segundo ela, o festival também propõe pensar as tensões entre público e privado, acesso e exclusão, realidade e ilusão. “A proposta é que a rua atravesse as paredes da galeria. Queremos discutir o que é o espaço público, o que é o espaço institucional e como os corpos se deslocam entre eles”, diz Tathiana.
A mostra reúne obras dos artistas Vik Muniz, Marepe, Milena Ferreira, Mano Penalva, Laís Machado e Maxim Malhado. Ao todo, são 18 trabalhos, quatro deles inéditos, criados especialmente para esta edição. “Convidei artistas de diferentes gerações e com vivências distintas da cidade de Salvador. Suas obras convidam a uma interação direta e lúdica com o público, com instalações que estimulam a circulação, o deslocamento e o brincar dentro do espaço expositivo”, explica Tathiana.
As obras convidam o público a uma interação direta e lúdica, por meio de instalações que exploram diferentes texturas, materiais e objetos do cotidiano, estimulando pessoas de todas as idades a circular, interagir, se deslocar e brincar pelo espaço expositivo.
Para a artista visual Milena Ferreira, 33, essa é uma das potências da mostra. Milena participa com duas obras: Das Coisas que a Terra Não Come e A Paisagem Nunca Tá Pronta. A segunda é uma instalação inédita, com cerca de 12 metros de extensão, que convida o público a atravessar o espaço com o corpo. “É uma mostra que pensa a cidade e a nossa relação com ela. Mesmo acontecendo dentro da CAIXA Cultural, ela propõe uma reflexão sobre o que é público e o que é privado, sobre como experienciamos a arte e a cidade”, comenta Milena.
Milena, que utiliza materiais de construção civil, fragmentos de paredes, restos de casas transformados em texturas táteis e mapas simbólicos em suas obras, dá detalhes de como são feitas cada peça. “São materiais brutos, mas o resultado é sensível. Quero que o público atravesse, investigue e se reconheça em algo que está ali”, diz a artista.
Ao questionar como Salvador pode ser representada na exposição, ela enfatiza que a cidade é um corpo vivo, em constante movimento. “A gente vive a cidade com o corpo, subindo e descendo ladeiras, atravessando bairros, encontrando o mar. É um corpo composto por outros corpos. Pensar essa presença é essencial”, reflete.
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A arte como escuta
Outra artista presente na mostra é Laís Machado, 34, atriz e artista visual de Salvador. Ela também apresenta duas obras: Água Fóssil, um decíptico formado por dez aquários, e Deriva Sonora, uma peça sonora que se conecta a esses aquários. Ambas partem de uma pesquisa sobre o Caminho das Águas e os rios soterrados de Salvador.
“Água Fóssil é uma releitura de um trabalho que criei em 2020, chamado Telmai. São aquários que funcionam como identidades dos rios de Salvador, rios encapsulados, mortos há bastante tempo, resultado de um projeto de cidade que os asfixia”, explica Laís.
A artista revisita, em sua pesquisa, estudos feitos em 2015 sobre as bacias hidrográficas da cidade. “Voltei a esses lugares dez anos depois e percebi que as fontes estão em estados totalmente diferentes. A obra é também uma atualização desse retrato urbano”, afirma.
Com Deriva Sonora, a transforma a escuta em ferramenta política e poética. “Mobilizar a escuta é essencial. Salvador é conhecida como a cidade de Oxum, mas, das 14 bacias hidrográficas, só temos dois rios vivos. É um paradoxo. Quero chamar atenção, e afeto, para essa questão urgente”, observa.
Ela celebra o fato de expor pela primeira vez em sua cidade natal. “Desde 2018, sempre expus fora. É curioso que uma curadora que não é daqui me convide para mostrar meu trabalho aqui. E fico feliz porque o projeto olha para as infâncias, e pensar a arte contemporânea mediando essa relação é potente”, observa.
O brincar como linguagem
Um dos fios condutores da exposição é o brincar, entendido não só como atividade infantil, mas gesto de liberdade e invenção. ”Existe uma liberdade e uma espontaneidade nas infâncias, na relação com os objetos, com as pessoas, com a rua, que vamos perdendo à medida que crescemos. O brincar é um fio condutor que convida à liberdade na relação com as obras e com o espaço, explica Tathiana Lopes.
Segundo a curadora, a proposta é que o visitante se torne co-autor da experiência. “É uma exposição para ser vivida, não apenas observada. O corpo conduz o encontro com as obras”, completa.
Ela também observa que essa abordagem lúdica não simplifica o conteúdo. “O primeiro contato é leve, mas as camadas mais profundas provocam reflexões sobre a cidade, suas diversidades e suas memórias. A experiência vivida com o corpo cria memória, vai além da contemplação”, destaca.

A curadora também destaca o tempo como elemento essencial da mostra. “Essa é uma exposição para gastar tempo, e isso é algo que quase não nos permitimos hoje. Tudo é muito urgente. Aqui é o contrário. É uma mostra ativa, para estar presente com o corpo e o pensamento, circular, se deixar tocar pelos trabalhos e trocar ideias”, antecipa.
Para ela, o ponto alto da mostra está na interação múltipla. “O ponto alto é essa provocação lúdica, sem simplificar as obras nem o espaço expositivo. É uma exposição para todas as pessoas, e o mais bonito é descobrir que cada um vive de um jeito diferente”, conclui.
Ação formativa e encontros
No sábado, 15, o público poderá participar de oficinas, rodas de conversa e visita mediada na CAIXA Cultural Salvador. Às 10h, tem a Oficina “Abrindo Letras”, com o artista visual Maxim Malhado; às 11h30, Oficina “Das coisas que a terra não come”, com Milena Ferreira; e às 14h, visita mediada com a curadora Tathiana Lopes.
No mesmo dia, às 15h, também haverá uma roda de conversa sobre a exposição Lugar Nenhum é Logo Ali, com Tathiana Lopes, Maxim Malhado, Laís Machado, Milena Ferreira e Mano Penalva. Às 16h, Roda “A cidade como território educativo”, reunindo especialistas de diferentes saberes e áreas do conhecimento. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo site da CAIXA Cultural Salvador.
Play Festival e Exposição “Lugar Nenhum é Logo Ali” / Abertura: sexta-feira (14), 19h / Caixa Cultural Salvador (Rua Carlos Gomes, 57, Centro) / Visitação: terça-feira a domingo, das 9h às 17h30, até 8 de fevereiro de 2026 / Atividades Transversais (debates, oficinas, visita mediada): sábado (15) / Classificação indicativa: Livre / Entrada gratuita / Informações: Perfis Instagram @CaixaCulturalSalvador e @playfestival.art
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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