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NEGRO É LUXO

Negócios com alma: empreendedores negros e a força do black money na Bahia

Empreendedores e criadores baianos destacam inovação, cultura e impacto social em iniciativas que fortalecem futuro, diversidade e inclusão

Ana Cristina Pereira

Por Ana Cristina Pereira

16/11/2025 - 7:47 h
Designer Camila Oliveira cria acessórios com memória afro
Designer Camila Oliveira cria acessórios com memória afro -

Não é por acaso que os baianos Paulo Rogério Nunes e Gilson Rodrigues estão em Belém, acompanhando de perto os debates e tomadas de decisões da COP30. Desenvolver estratégias para pensar o futuro e superar problemas herdados do passado é um caminho que cruza a vida e atuação dos dois empreendedores, destaques nacionais e internacionais quando o assunto são negócios, tecnologia, diversidade e inclusão – sobretudo da população negra.

Os dois atuam em várias frentes. Paulo Rogério é criador da Aceleradora Vale do Dendê, com sede no Centro Histórico, que já apoiou mais de mil empresas, e de outras iniciativas como o festival Afrofuturismo, cuja próxima edição acontece em dezembro. Gilson Rodrigues é o articulador do G10 Favelas, que nasceu em Paraisópolis, São Paulo, com ações voltadas para impulsionar negócios dentro de comunidades populares e comandados por pessoas que moram nelas. Hoje, o grupo está presente em vários estados, acelerando startups e projetos de impacto social.

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“Belém virou não só a capital oficial do Brasil, mas a capital do mundo para se pensar o futuro, pelo menos nessas duas semanas”, localiza Paulo. Em seu último livro, Vamos Falar de Futuro (Matrix), ele convida o leitor, através de 100 perguntas, a pensar o tema através da tecnologia e seus dilemas éticos, e em áreas como cultura, religião, política e biotecnologia. Sobre o futuro do black money, enxerga uma possibilidade real de mais negócios e mais nichos de mercado dentro desse guarda-chuva amplo da cultura negra.

“A cultura negra move o mundo de várias maneiras. Dominamos áreas criativas, como na moda, no esporte, no entretenimento e no cinema. Quando eu falo domínio, é sobre as narrativas serem, em maior parte, feitas por pessoas negras ou sub-representadas. Porém, historicamente, esse dinheiro não circula como na mão destas pessoas. Então, eu vejo que o potencial da gente melhorar essa narrativa para conseguir gerar mais negócios”, avalia.

Na Vale do Dendê, são muitos exemplos de sucessos, como das empresas Dendezeiros, AfroSaúde, Ateliê Mão de Mãe e Encantos da Maré – algumas ajudadas pela startup. Entre as novidades, Paulo cita uma parceria com a Unicef, que vai selecionar estudantes, especialmente negras e periféricas, para pensar soluções tecnológicas para problemas climáticos que impactam as vidas nas cidades. “Empreendedorismo também é uma atitude perante a vida mesmo, de tomar conta dessa própria narrativa e criar projetos, programas”, reforça.

Provocando mudanças

Gilson Rodrigues explica que sua presença em Belém está diretamente ligada à ideia de controlar narrativas e transformá-las em ações. Em outras palavras, mostrar que moradores de comunidades populares podem ajudar a barrar as mudanças climáticas que têm peso maior sobre os mais pobres. “As milhões de pessoas aglomeradas em favelas sofrem mais com o frio e com o calor, tendo, por exemplo, muitos problemas respiratórios”, diz Gilson.

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O líder comunitário tenta sensibilizar o setor público e atrair investimentos privados para iniciativas como o Afro Favela Refazenda, que cria áreas verdes e hortas urbanas, ocupando pequenos espaços nas favelas, mas melhorando a qualidade da alimentação, do ambiente e ainda gerando lucro. Segundo Gilson, esse e outros projetos do G10 Favelas querem fazer com que o potencial econômico das pessoas que moram nas comunidades, estimado em cerca de R$ 300 bilhões anuais, seja percebido e reinvestido nela mesma.

“Ignorar esse potencial seria como desprezar o PIB de uma empresa como a Vale”, compara Gilson, acrescentando que o G10 atraiu grandes empresas para dentros comunidades, como o Bradesco e Casas Bahia, mas quer fazer uma moradora entender que pode ser muito melhor abrir sua loja de roupas por lá do que em um shopping. “A ideia é a gente olhar para o que tem, não para o que falta”, pontua Gilson, que conta um pouco de sua história no livro O Filho da Mudança – O improvável que se tornou Inevitável, que será lançado no Dia da Consciência Negra, no Palacete Tira Chapéu.

Articulações

Criador do termo afroempreendedorismo e grande articulador do setor a partir da Bahia, o economista Mário Nelson Carvalho é otimista com o cenário atual, apesar dos entraves históricos no acesso ao crédito e das deficiências de formação da população negra, que acabam minando boas ideias. “Os nossos modelos são focados na população branca, herdeira, com acesso fácil ao dinheiro”, afirma Mário, destacando a importância das articulações e compartilhamento de experiências, sobretudo dos jovens empreendedores.

Ele cita como exemplo a sexta edição do encontro Vozes do Afroempreendedorismo – Potências Negras, Futuros Possíveis, que aconteceu na quarta passada, no auditório do Sebrae, tendo na linha de frente a Associação de Jovens Empreendedores da Bahia (AJE). “É muito potente reunir cerca de 400 pessoas para falar e ouvir sobre como empreender também faz parte da história da periferia, das pessoas negras”, comemora Mário, que é diretor institucional da Associação Nacional de Coletivos de Empresários Afro-Brasileiros e integra os conselhos fiscais de instituições como Olodum, Fundo Baobá e da Vale do Dendê.

Ele dá nome a uma premiação anual para quatro destaques do setor, entregue durante o evento. Nesta edição, os premiados foram a designer Najara Black, o auditor fiscal da ONU Vitor Maciel, o cantor e compositor Matheus Aleluia e a gerente adjunta da Unidade de Gestão e Estratégia (UGE) do Sebrae Bahia, Isabel Ribeiro.

“Não diria que é fácil empreender, mas estamos no caminho certo, de fortalecimento coletivo, marca da africanidade. Assim como temos uma política de investimentos para o agronegócio, precisamos de uma para o afronegócio, que aumente a transferência de dinheiro”, resume Mário, que aponta destaques de afroempreendimentos tanto em áreas tradicionais, como moda, gastronomia e serviços, quanto na área de tecnologia.

Cases de sucesso

A marca Dua e o serviço AfroSaúde são dois bons exemplos do que Mário Nelson está falando. Ambos nasceram no final da década passada, liderados por jovens empreendedores negros, que souberam canalizar criatividade, inovação e referências da própria história.

Quem está à frente da Dua é a designer, ourives e estudante de artes plásticas Camila Oliveira, que criou a marca de acessórios junto com a mãe. Depois de trabalhar em várias empresas, ela resolveu apostar em seu próprio negócio, com bijouxs que entrelaçam elementos como búzios, figas, carrancas e delicados instrumentos percussivos. A última coleção, Samborê, lançada em setembro, é inspirada no samba da Bahia.

“Minhas referências vêm muito da arte popular, da cultura e das memórias familiares”, afirma Camila, que começou online e, desde 2023, mantém loja e ateliê no Rio Vermelho. “Apesar do alcance das redes sociais, acho que a loja física é muito importante, para ter essa troca direta com os clientes. Ela foi uma das seis selecionadas na Bahia para o projeto Mãos da Moda, iniciativa da rede Nordestesse, com patrocínio da Riachuelo e governo do estado, que vai aproximar novos criadores e grupos de artesãos tradicionais.

A coleção de Dua será feita em parceria com a Associação Artesanal Chitarte, formada por 17 mulheres de Cachoeira, que trabalham com o bordado de crivo rústico. O resultado será apresentado no ano que vem, em Salvador, e no Dragão Fashion Brasil, em Fortaleza. “Acredito que será uma experiência muito boa”, diz Camila, para quem um dos ganhos do empreendedorismo é justamente essa possibilidade de fazer pontes com outros criadores, sobretudo mulheres.

Clínica digital

No caso do jornalista Igor Leo Rocha e do dentista Arthur Lima, o insight para a criação do AfroSaúde veio tanto das histórias pessoais quanto de uma amiga diante da dificuldade de encontrar profissionais negros na área da saúde. Depois de passar por uma aceleração na Vale do Dendê e ganhar um financiamento do Google, eles chegaram ao formato da plataforma, que conecta pacientes a profissionais negros de saúde e bem-estar.

Arthur Lima e Igor Rocha ampliam acesso à saúde com o AfroSaúde
Arthur Lima e Igor Rocha ampliam acesso à saúde com o AfroSaúde | Foto: Olga Leiria / Ag. A TARDE

Atualmente, são 2,4 mil profissionais de todo o país, entre médicos, dentistas, nutricionistas, psicólogos e terapeutas – os dois últimos são maioria. Pela plataforma, os clientes podem buscá-los, agendar e pagar as consultas – onlines ou presenciais. Também é possível acessar receitas, solicitação de exames e outros serviços. Para os profissionais, além das facilidades de uma clínica digital e desburocratizada, e conseguir uma renda extra, Igor diz que a plataforma oferece uma espécie de rede de pertencimento.

“Eles serão buscados pelo que realmente são e não serão desrespeitados e confundidos como profissionais de outras áreas”, afirma Igor, destacando o racismo estrutural ainda muito presente em clínicas e hospitais. A empresa tem sete funcionários e comemora a meta de ter atingido o faturamento de R$ 1 mi em 2023, mesmo tendo tido uma queda no ano seguinte. “Estamos confiantes, pois este ano já impactamos 30 mil vidas”, afirma Igor, que aconselha aos futuros empreendedores a investirem em qualificação e a pedirem ajuda, sempre. “Desde o começo estamos pedindo ajuda e ajudando”.

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