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ENTREVISTAS

"Não podemos admitir um estado paralelo norteado pelo crime", diz ministro do STJ

Confira entrevista exclusiva do ministro do STJ, Teodoro Silva Santos

Divo Araújo

Por Divo Araújo

03/11/2025 - 5:05 h
Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Teodoro Silva Santos após entrevista
Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Teodoro Silva Santos após entrevista -

A democracia não se sustenta sob o medo ou sob o domínio do crime. Para o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Teodoro Silva Santos, o Estado brasileiro deve reafirmar diariamente sua soberania e o poder da lei diante das organizações criminosas. “O Estado Democrático de Direito não convive com a ameaça, a baderna ou qualquer coisa que venha coagir a liberdade”, disse ele, em entrevista exclusiva ao A TARDE.

Em passagem por Salvador para participar do XX Congresso Brasileiro de Procuradoras e Procuradores Municipais (CBPM), o ministro destacou a necessidade de fortalecer as instituições e de garantir a atuação equilibrada das forças de segurança. “O Estado tem o dever de enfrentar o perigo, mas é preciso agir dentro da lei”, pontuou.

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Ao abordar temas como o fortalecimento do sistema judicial e o uso da inteligência artificial na Justiça, Teodoro Silva Santos aponta que a modernização do Judiciário deve caminhar junto à preservação da imparcialidade e da confiança pública. “O cidadão, quando bate à porta da Justiça, o faz confiando que é o último bastião”.

Ministro, o senhor já afirmou que o fortalecimento da democracia brasileira depende do enfrentamento às organizações criminosas. Por que essa relação é tão decisiva para a consolidação da nossa democracia?

Porque nós estamos em um Estado Democrático de Direito e ele não admite, nem tolera a violência. A preocupação do Estado Democrático de Direito é com a paz, a tranquilidade e o sossego público. E o nosso maior interesse como Estado é exercitar a democracia. Não é ela estar só no papel. É a democracia sendo exercitada, é o cidadão tendo liberdade de andar, tendo a sua integridade física garantida. São os órgãos legítimos, as entidades, as instituições dos três poderes livres, independentes, tranquilos. De maneira que não tem como o Estado Democrático de Direito conviver com a ameaça, a baderna ou qualquer coisa que venha coagir ou abortar a peça mais importante da democracia, que é a liberdade. O Estado Democrático de Direito, eu repito, convive com a paz, a harmonia, a tranquilidade e a ordem pública. De maneira que só há um Estado. Nós não admitimos um Estado paralelo, norteado pelo crime, que tenha como desiderato destruir o que é mais sagrado, que é a paz pública.

As cenas da megaoperação no Rio expuseram mais uma vez o poder bélico e organizacional das facções criminosas. Diante desse cenário, o senhor acredita que o país precisa de um novo marco legal específico para o combate às facções?

Sinceramente falando, a minha atuação no Superior Tribunal de Justiça é na área de Direito Público e o problema de segurança pública tem a ver com cada Estado. O problema de segurança pública diz respeito ao sistema penal criminal e, por conseguinte, acredito que as pessoas mais talhadas, mais confortáveis e mais técnicas para responder uma pergunta dessa, que é uma pergunta importante, são as próprias autoridades ligadas ao sistema penal brasileiro, especialmente o ministro da Justiça, que, a bem da verdade, está se comportando muito bem. É um problema a ser resolvido dentro do Estado Democrático de Direito, usando todos os mecanismos legais que a lei faculta. Porque a lei dá o instrumento aos agentes de segurança pública para agir, desde que seja dentro dos parâmetros legais. E o Código Penal Brasileiro disciplina quando o policial está agindo em situações difíceis, mas amparado pelo próprio Estado. De maneira que nós temos o Instituto Excludente da Criminalidade, nós temos o Exercício do Direito do Dever Legal, nós temos o Instituto da Legítima Defesa. O Estado de Direito é forte porque ele emerge da Constituição Federal. Portanto, quem tem força é o Estado. Notadamente, o Congresso Nacional, quem vai legislar sobre a matéria, que é muito importante. Eu já soube que estão sendo elaboradas leis específicas para o combate às facções.

Mas o senhor tem defendido que, em operações realizadas em comunidades periféricas, o Estado deve agir com cautela redobrada, evitando arbitrariedades e combatendo a criminalização da pobreza. Como garantir que as forças de segurança atuem nesses territórios de forma eficaz, mas sem violar direitos e garantias fundamentais?

É agir dentro da lei. Os integrantes da polícia são técnicos, nós sabemos. O Código Penal diz quando eles devem agir e o limite de agir. Por exemplo, nessa operação lá do Rio de Janeiro eu soube que foram apreendidos mais de 80 fuzis. É uma situação muito difícil. Morreram quatro policiais. Claro que as instituições vão apurar o que ocorreu, mas houve essa apreensão muito grande de fuzil. Isso é alarmante. Eu acredito que não são todos quartéis no Brasil, não são todas as unidades militares, policiais militares ou até a Polícia Civil, que têm essa quantidade de fuzil. De maneira que é uma situação complexa. Porque, queira ou não, o Estado não pode negar de fazer segurança à sociedade. O Estado tem o dever de enfrentar o perigo. Eu acredito que tudo será apurado. O que foi feito dentro da lei será amparado por lei, sem dúvida. A gente tem que pedir a Deus que acabe essa guerra. Que as facções deixem a sociedade em paz. Que o Estado Democrático de Direito seja efetivado e que tudo seja harmonizado. Agora, o que não se pode fazer é desmoralizar o Estado de Direito. Porque isso é desmoralizar a soberania do Brasil, é afrontar o cidadão de bem que paga seus impostos e quer segurança na rua. A polícia tem o dever de combater o crime com as armas que tem e com os meios que a lei permite. De maneira que essa problemática do Rio é lamentável.

O senhor é autor do livro “Juiz das Garantias sob a Óptica do Estado Democrático de Direito”. Qual é a importância dessa figura para evitar os excessos?

O juiz das garantias surgiu no ordenamento jurídico brasileiro decorrente da redemocratização. Ele existe em todos os Estados Democráticos de Direito. O que é o juiz das garantias? É exatamente uma cisão de atribuições de magistrado. Tem o magistrado que acompanha o inquérito policial, que decide sobre prisão, interceptação telefônica, quebra de sigilo, quebra de violação de domicílio, etc. Ou seja, esse juiz das garantias, que fica na fase de investigação, se dedica a garantir que ela seja feita pela polícia e pelo Ministério Público, obedecendo os ditames legais e constitucionais. Assim como o dever de garantir todos os direitos constitucionais do investigado, ele tem a obrigação de assegurar o direito que o Ministério Público tem para promover ação penal. De maneira que o juiz das garantias não pode mandar produzir prova de ofício, não pode mandar investigar, não pode prender de ofício. Só pode agir quando provocado, ou pela polícia judiciária ou pelo Ministério Público. Por exemplo, na hora que se prende em flagrante, automaticamente a polícia tem que apresentar o preso ao juiz das garantias. É onde entra a audiência de custódia. Quem faz a audiência de custódia é o juiz das garantias. Quando entrou em vigor, era o juiz das garantias quem recebia a denúncia. Ou seja, decretava prisão, revogava, praticava diversas ações na fase de investigação, que é chamada fase pré-processual, e quando terminava tudo, ele recebia denúncia, e depois quem ia fazer instrução era outro juiz. Só que entraram com uma ação de arguição de inconstitucionalidade do juiz das garantias no Supremo Tribunal Federal. E o STF declarou que o juiz das garantias é constitucional, porém fez algumas restrições. Qual foi a restrição? O STF disse, olha, o juiz que investiga não pode praticar nenhum ato na fase de julgamento para não quebrar a imparcialidade dele. Quem vai julgar? Um juiz neutro que não acompanhou a investigação. Na hora que o promotor oferece a denúncia, acaba a figura do juiz da garantia. Ofereceu a denúncia, o juiz da garantia não pode fazer mais nada. Aí entra o juiz da instrução. O que é o juiz da instrução?É aquele juiz que recebe a denúncia, faz a instrução criminal, vai ouvir as testemunhas de acusações de defesa, ouve o acusado e julga o processo. Ou seja, são dois juízes com distintas participações. Isso tudo para preservar o que é mais sagrado no devido processo legal, que é a imparcialidade.

O Judiciário brasileiro tem, hoje, condições de oferecer essa estrutura?

Nós já estamos implantando. O Conselho Nacional já traçou diretrizes sobre isso. Aí você pode dizer: ah, mas tem comarca que só tem um juiz. Mas o juiz das garantias pode funcionar até a distância. Hoje, 90% do Poder Judiciário brasileiro já está informatizado. E o juiz das garantias se faz de forma informatizada. Até com a interpretação que o Supremo Tribunal Federal deu ao juiz das garantias, a audiência de custódia pode ser feita por videoconferência. De maneira que o juiz das garantias é um avanço no sistema processual penal brasileiro. Tudo isso para blindar o que é mais sagrado no devido processo legal, que é a imparcialidade do juiz e o julgamento justo.

Mesmo com avanços, o STJ ainda enfrenta um grande volume de processos. Que medidas, seja no campo legislativo ou administrativo, o senhor considera essenciais para tornar o sistema de Justiça mais ágil e sustentável a longo prazo?

Nós já estamos adotando algumas medidas no Superior Tribunal de Justiça. Uma dessas medidas são os chamados filtros. Em regra, o processo começa no primeiro grau, depois sobe para o tribunal ordinário, que são os tribunais regionais federais e os tribunais dos Estados. E daí cabe um recurso para o Supremo, ou ao STJ. Hoje nós já temos um filtro chamado repetitivo. Por que repetitivo? Isso porque chega muitas matérias discutindo o mesmo assunto no STJ. Um tribunal diz uma coisa, outro diz outra, um juiz diz uma coisa, outro diz outra. O que a gente faz? A gente afeta aquela matéria. Leva para a sessão do direito público e uniformiza. E diz: olha, a posição agora vai ser esta. Aí a posição sai através do repetitivo. E esse repetitivo tem força vinculante para o Brasil todo. Quando o STJ dá uma decisão repetitiva, só quem está fora é o Supremo Tribunal Federal. Até porque o repetitivo diz respeito à norma infraconstitucional e o Supremo trata só de norma constitucional. Só esse filtro evita que 40% dos processos do tribunal subam para o STJ. Ganhou em primeiro grau, foi confirmado em segundo grau, já se executa. E aí entra o que é mais sagrado que é o princípio da duração razoável do processo, a celeridade. Evita subir o processo do segundo grau para o STJ. Até porque o Superior Tribunal de Justiça não é uma terceira instância. Não reexamina a prova. Lá nós só interpretamos a lei federal e a jurisprudência infraconstitucional para unificar. Nós só examinamos matérias exclusivamente de direito. Reexame de prova não sobe para o STJ. Temos também o instrumento da relevância, que estamos agora implantando. O Supremo Tribunal Federal implantou há quatro anos e baixou de 45% a 50% dos processos. E nós estamos implantando agora. O que é a relevância? É quando os casos têm interesse público, é não há como mais ser examinado, porque já foi examinado diversas vezes, e por conseguinte vamos aplicar a relevância. Esse filtro também vai evitar que os processos subam para o STJ.

Ministro, quais os principais desafios que o STJ deverá enfrentar nos próximos anos?

Os principais desafios do STJ nós já estamos enfrentando com a dedicação e a coragem do nosso presidente, Herman Benjamin. O maior desafio hoje, não só no Superior Tribunal de Justiça, mas no mundo globalizado, é a inteligência artificial. Nós estamos há um ano já trabalhando com a inteligência artificial, porém com muito cuidado. Porque, no crime, nós lidamos com liberdade e com a vida. E em outras matérias nós lidamos com patrimônio. De maneira que a gente tem que ter cuidado, porque nós sabemos que a inteligência artificial funciona, mas por trás dela tem quem alimente dados. E a gente tem que ter muita cautela na inteligência artificial, principalmente para julgar. Para fazer um relatório, para fazer despacho de mero expediente, tudo bem. Mas para nós, querermos jogar os dados de um processo baseado em outro, e sair o resultado igual, é impossível. Nós não temos como afastar o ser humano, afastar o juiz, afastar o Ministério Público, afastar o advogado, de uma questão complexa. E, portanto, nós não podemos tornar tudo uma máquina, porque não vai dar certo. A inteligência oficial é muito boa para selecionar, para fazer filtro de processo, mas temos que ter muito cuidado, porque lidamos com o Direito. E o cidadão ou a cidadã, quando bate na porta da Justiça, assim o faz, confiando que é o último bastião. De maneira que nós temos que ter um julgamento justo, equilibrado, célere e com imparcialidade.

RAIO-X

Teodoro Silva Santos é ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nascido em Juazeiro do Norte (CE), é graduado, mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Foi delegado de polícia em Rondônia, promotor de Justiça, procurador de Justiça, corregedor-geral do Ceará e desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. É professor universitário e autor do livro O Juiz das Garantias sob a Óptica do Estado Democrático de Direito.

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