NASCE O SOL A DOIS DE JULHO
Conheça a Cavalaria 2 de Julho, time de futebol americano da Bahia
Inspirada no hino e na independência da Bahia, a Cavalaria 2 de Julho segue colocando o futebol americano baiano no mapa nacional

Por Marina Branco

"Nasce o sol a Dois de Julho, brilha mais que no primeiro. É sinal que, neste dia, até o sol, até o sol é brasileiro". O hino da Bahia que deu nome à equipe de futebol americano de Salvador leva, acima de tudo, a identidade do estado cada vez mais representado no esporte, indo além de fronteiras nacionais e internacionais.
O som do apito ecoa no campo, a luz desse mesmo sol brilha refletida no capacete, e a Cavalaria 2 de julho escreve a história que começou na areia há tantos anos, desafiou a falta de estrutura, sobreviveu a crises e hoje figura entre os clubes mais organizados e respeitados do país.
Leia Também:

Do Vitória à Bahia
A história começou antes mesmo do nome "Cavalaria" existir. O futebol americano desembarcou na Bahia entre 2009 e 2011, ainda tímido, jogado em praias e praças, com atletas improvisando uniformes e equipamentos.
Os primeiros times baianos, pequenos e fragmentados, foram abrindo espaço para o esporte aos poucos. No entanto, em 2014, dois deles enfrentaram dificuldades financeiras e acabaram se fundindo. Dessa união, nasceu o Vitória Futebol Americano, primeiro grande projeto coletivo do estado.
Anos depois, em 2017, surgiria o marco definitivo para a formação da Cavalaria. O atual presidente Thiago Nascimento lembra o momento em que o grupo decidiu que era hora de dar um novo passo - um que representasse toda a Bahia, e não apenas a capital.

"A gente queria uma ligação maior com o nosso estado. O nome ‘Vitória’ representava uma cidade, e nós queríamos representar um povo inteiro. Foi aí que nasceu a Cavalaria 2 de Julho", conta Thiago.
O nome foi escolhido com ajuda de um professor de história, e carrega uma das maiores simbologias da independência baiana. O 2 de Julho, data que celebra a expulsão das tropas portuguesas em 1823, virou o emblema da equipe. O cavalo do escudo tem a forma do número 2, as sete cristas representam os heróis da luta, e as cores remetem ao uniforme dos marechais da independência.
"Trouxemos elementos daquele momento histórico: as cores, o cavalo em forma de dois, os detalhes do uniforme. Queríamos que o time tivesse alma baiana", explica Thiago.

O início de tudo
A história e simbologia são lindas - mas o caminho não foi nada fácil. Os primeiros anos da Cavalaria foram de persistência, contra dificuldades financeiras, falta de campos e até crises logísticas.
O episódio mais delicado veio em 2018, quando, durante um jogo em casa, uma falha nos refletores impediu a partida de acontecer. O risco de W.O. poderia ter causado uma suspensão de até três anos, o que praticamente encerraria o projeto.
"Foi um momento muito difícil. Por pouco não fomos eliminados. Mas conseguimos reverter e seguir em frente. Isso fortaleceu o grupo e mostrou que estávamos prontos para lutar", relembra o presidente.

A virada tinha que vir, e começou com estrutura. A Cavalaria se profissionalizou: montou núcleo de saúde, departamento de preparação física, corpo técnico multidisciplinar e passou a contar com atletas e treinadores norte-americanos.
O que antes era um time amador, agora se transformava em um projeto esportivo sólido, que unia formação, rendimento e identidade. "A Cavalaria é o futebol americano otimizado da Bahia. Temos estrutura, técnicos, saúde, preparação e uma organização que faz o atleta evoluir constantemente", resume Thiago.
A formação do Flag Football
Enquanto o futebol americano de contato, o Full Pad, crescia, outro braço da Cavalaria nascia: o Flag Football, versão sem contato direto e com fitas presas à cintura.
Quem conta essa história é Erick, atual coach de flag, que entrou no time em 2019, quando ele ainda se chamava Dollar Street. "Eu já acompanhava o esporte, mas nem sabia que havia um time em Salvador. Entrei já adulto, e o flag, naquela época, era só uma categoria de desenvolvimento para quem queria jogar full pad", explica.

A virada veio em 2020, quando o grupo decidiu transformar o flag em um time independente, com calendário e metas próprias. A pandemia interrompeu os planos, mas, em 2022, a Cavalaria realizava um sonho, estreando oficialmente no Campeonato Brasileiro de Flag Football.
Desde então, a equipe se consolidou como uma das principais forças da região, com resultados expressivos: 3º lugar no Nordeste, 2º na Taça Prata Nacional, e, a partir de 2024, a criação da categoria feminina, marco histórico para o esporte baiano.
"Hoje o flag é tão importante quanto o full pad. Temos as três categorias em pé de igualdade. O flag masculino, o feminino e o futebol americano de contato convivem dentro da mesma estrutura", reforça Erick.
O nascimento do feminino: a camisa 1 e o primeiro touchdown
Quando Samai chegou à Cavalaria, o time feminino ainda era uma promessa. Apaixonada por esportes, foi convidada por uma amiga para uma seletiva em Salvador, e o que começou como curiosidade virou paixão.
"Nunca havia tocado em uma bola oval. Foi fora de tudo o que eu conhecia, mas fui aprovada e aceitei o desafio", relembra a atleta. Ela testemunhou a equipe se reestruturando para receber as mulheres, num processo feito "com respeito e paciência", e foi aos poucos se tornando parte integrante do processo.

Logo, faria história - vestindo a camisa número 1, Samai se tornou a primeira atleta feminina da Cavalaria e autora do primeiro touchdown oficial do time feminino.
"Escolhi a camisa 1 porque tenho essa personalidade de iniciativa. Fui a primeira atleta e fiz o primeiro TD oficial. É coisa de Deus, inexplicável", conta, emocionada.
O flag feminino trouxe resultados rápidos, conquistando medalha na Copa Nordeste e criando planos ambiciosos para o Regional Nordeste. No entanto, muito além das vitórias, Samai fala de pertencimento.
"Somos mães, esposas, adolescentes, e somos acolhidas como família. É isso que me motiva: saber que posso contar com todos, dentro e fora de campo", relata.
A visão do capitão: liderança e legado
Entre os veteranos, Índio, capitão da Cavalaria e atleta da Seleção Brasileira de Flag, é uma das vozes mais respeitadas. Ele viu tudo nascer - jogou antes do nome Cavalaria existir e acompanhou a transformação do projeto.
"Entrei quando o time ainda tinha outro nome. Conhecia pouco do esporte, mas me apaixonei. Estudava vídeos, PDFs, treinava por conta própria. Desde então, nunca parei", relembra.

Índio foi protagonista da primeira classificação aos playoffs em 2017, viu o time bater na trave várias vezes e agora celebra o amadurecimento do grupo. Mais do que atleta, ele se tornou formador, levando a experiência da seleção para dentro do time e ensinando as novas gerações.
"Ser capitão da seleção me ensinou sobre liderança e comportamento. Quero que todo mundo cresça comigo. Hoje só eu estou na seleção, mas quero que venham muitos outros atletas da Cavalaria no futuro", projeta.
Bastidores da Cavalaria
A história que cresceu sob os olhos de Índio foi captada por muitas pessoas essenciais na trajetória da Cavalaria dentro e fora dos campos, apaixonando pelo esporte até os que não eram apaixonados. É o caso de Paulo, atleta de full pad e preparador físico, que entrou em 2018 como fotógrafo e acabou se tornando jogador.
"Conheci o time por um amigo, o Índio. Levei uma câmera para tirar fotos e acabei ficando. Em 2020, voltei a treinar e nunca mais saí", lembra. Paulo viu a Cavalaria crescer técnica e estruturalmente. Para ele, o time se tornou exemplo de organização e evolução dentro do futebol americano brasileiro.
"Desde a pandemia, quando aproveitamos para nos organizar internamente, o clube cresceu muito. Hoje somos referência de gestão e preparo", comemora.

Ele lembra com carinho das vitórias marcantes, sendo a primeira em casa contra o Pirates, em 2022, e a histórica sobre o João Pessoa Espectros, em 2024. Mas, como Samai, seu olhar vai além das conquistas - Paulo acredita que o esporte carrega uma mensagem inclusiva e transformadora, muito presente na filosofia da Cavalaria.
"O futebol americano é um jogo de xadrez com gladiadores. É inclusivo: tem espaço para todos os tipos de pessoa, independente de peso ou altura. É um esporte emocionante e desafiador", pensa.
Olhar estrangeiro: quando o mundo descobre a Cavalaria
O crescimento foi tamanho, que a Cavalaria passou dos limites nacionais e chegou ao exterior. Junto a técnicos estrangeiros, o time recebeu atletas de fora do Brasil, como o jogador norte-americano Cox.
Ele chegou ao Brasil para jogar e ajudar no desenvolvimento técnico do esporte, trazendo experiência de outros times brasileiros e bagagem internacional. Hoje, Cox acredita que o time ainda não tem o reconhecimento que merece, mas vê "potencial para coisas grandes".

Mesmo com as dificuldades logísticas, com jogadores vindos de várias cidades, ele destaca a união como o ponto mais forte do grupo. "Temos atletas de diversas cidades jogando como um só. É um teste de comunicação e evolução, mas nossa vontade de continuar lutando é nossa maior força", comenta.
Hoje, Cox acredita que o grupo tem qualidade para competir com os maiores da Superliga e enxerga um futuro promissor para o futebol americano no país. "Existe uma crença de que somos mais fortes e podemos competir com times do topo. Você nunca sabe quem vai estar no jogo, mas quem estiver dá tudo de si", diz.
Futuro da Cavalaria
Apesar de toda a fé que coloca na equipe, Cox também faz um alerta: o esporte precisa investir na base. "Vem crescendo, mas ainda não existe foco suficiente no desenvolvimento dos jovens. Outros países investem muito mais em atletas da juventude", opina.
Campeão por outras equipes, ele acredita que o potencial da Cavalaria vai além da semifinal: "A sensação vai ser boa, mas eu sei que podemos fazer muito mais. Eu quero coisas maiores".

O papel da Cavalaria na formação de base vem sendo feito principalmente pelo NFL Flag, projeto do qual o time é padrinho desde 2024, quando a própria liga americana tomou a iniciativa de popularizar o Flag Football no Brasil.
Duas escolas baianas formaram equipes sub-12 e sub-14 com apoio da Cavalaria, e quatro jovens revelados nesse projeto hoje treinam com o time. "É maravilhoso ver jovens sonhando com o esporte. Eles são o futuro da Cavalaria e do futebol americano no Brasil", diz Erick, orgulhoso.
Da Bahia para o Brasil
Hoje, a Cavalaria 2 de Julho é mais do que um time: é símbolo de resistência, profissionalismo e identidade. Entre suas principais conquistas, estão os títulos do Velho Chico Bowl (tricampeão), o 3º lugar no Nordeste, o 2º lugar na Taça Prata, e, acima de tudo, o reconhecimento de ter trazido uma semifinal inédita para casa, algo jamais alcançado por um time baiano.
"Saímos da praia sem equipamento e hoje estamos entre os melhores do país. É a prova de que evoluímos sem esquecer nossas raízes", resume Thiago Nascimento.

Nos bastidores, a equipe continua a formar atletas, inspirar jovens, abrir espaço para mulheres e consolidar o esporte na Bahia, como reconhece o presidente.
"O 2 de Julho representa a liberdade e a luta do povo baiano. E a Cavalaria carrega esse mesmo espírito: o de nunca desistir, de lutar até o fim e de representar a Bahia com orgulho", conclui Thiago.
Siga o A TARDE no Google Notícias e receba os principais destaques do dia.
Participe também do nosso canal no WhatsApp.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes