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RACISMO

Defesas que não aparecem na súmula: Aranha e a resistência negra

Ex-goleiro relembra ofensas racistas e transforma sua dor em voz contra o preconceito

Por Marina Branco

22/08/2025 - 18:29 h
Aranha (esquerda) durante o seminário 'Racismo no Futebol: Combate à Discriminação nos Estádios'
Aranha (esquerda) durante o seminário 'Racismo no Futebol: Combate à Discriminação nos Estádios' -

A trajetória de todo jogador de futebol é feita de histórias. A cada jogo, torneio ou temporada, novas memórias são adicionadas à carreira de um atleta - algumas de alegria e vitórias, e outras de dor e derrotas. Para o goleiro Mário Lúcio, ou Aranha, como é conhecido, no entanto, a dor vai muito além das quatro linhas.

Homem negro, Aranha se tornou um símbolo da luta contra o racismo no esporte quando, em 2014, no jogo entre Grêmio e Santos pela Copa do Brasil, foi vítima de ofensas racistas vindas das arquibancadas. “Mais de 20 mil pessoas estavam fazendo som de macaco e me xingando. O racista precisa de duas coisas pra agir — se sentir confortável que ninguém ao redor vai criticar, e seguro porque ele sabe que sua integridade física está garantida. Lá, foi assim", contou no seminário 'Racismo no Futebol - Combate à Discriminação nos Estádios'.

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A luta do ex-goleiro, no entanto, era travada desde a infância, com sua carreira sendo perpassada pela cor de sua pele desde o primeiro momento. Ainda criança, treinando na base de um clube pequeno, Aranha chamou a atenção de um presidente de time, que quase o contratou - não fosse a cor de sua pele.

“Eu joguei um jogo, ainda criança, e me destaquei. Quando acabou o treino, o presidente apertou minha mão e disse: ‘Você agarra muito, pena que é crioulo’. Eu disse ‘é, né’. Perdi o teste e fui embora”, conta.

Algum tempo depois, mais uma vez, o racismo entrou no caminho de sua qualidade. Na época, Aranha jogava em um clube de Campinas, cidade do interior de São Paulo para onde os fugitivos da Guerra de Secessão foram - por isso, a última no Brasil a abolir a escravidão.

Quando foi dispensado do clube, recebeu a ligação de um empresário que queria cuidar de sua carreira. Ainda no orelhão, questionou a motivação que levou o antigo treinador que tinha no clube que o demitiu a pedir que um empresário cuidasse dele, e decidiu tirar a dúvida com o próprio.

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“Foi assim que o racismo me deu meu primeiro empresário. O presidente disse que se não ia jogar goleiro negro no profissional, era pra dispensar da base. Mas tinha um que meu treinador acreditava e pediu pra um amigo cuidar. Fui pra um time com 23 japoneses, só eu de brasileiro. Ali, comecei a desenvolver minha carreira, porque eu tinha uma pessoa branca que chancelava minha presença no futebol”, relata.

Seja pela vida que levou, seja pelo lugar que ocupa na sociedade, Aranha sempre soube que não é possível desconectar o que pessoas negras vivem da história que carregam. “Vou em escolas, empresas, contando histórias sobre a minha vida, e as pessoas se surpreendem, se sensibilizam em relação a esse problema. Não dá pra resolver um problema sem falar sobre ele, e o Brasil não falava sobre racismo no futebol. Isso é de 2014 pra cá", diz.

“Por que o jovem e o homem negro são tão fissurados por calçado? Porque na época da escravidão, o negro escravizado não podia usar, e o liberto podia. Só nisso, já criava uma rivalidade entre negros, porque um era superior. Ter um calçado se tornou significativo. Hoje, todo mundo tem acesso. Mas agora, a diferença está nas marcas, no preço. O que acontecia lá atrás influencia hoje ainda", reflete.

Goleiro Aranha durante sua passagem na Ponte Preta
Goleiro Aranha durante sua passagem na Ponte Preta | Foto: Divulgação/Reprodução/EL País

Proibição dos negros no futebol

O ex-goleiro lembra que, no passado, os negros eram legalmente proibidos de jogar futebol, e mesmo quando a proibição caiu por terra, ainda precisavam da proteção de dirigentes - brancos - dos clubes para continuar jogando. “O Vasco vinha ganhando muitos campeonatos com muitos negros no elenco, e a Federação Carioca mandou uma carta mandando tirar os negros ou tirariam o clube do campeonato. O clube mandou tirar do campeonato", lembra.

A história perpassa diversos times atuantes até os dias de hoje: "A Ponte Preta tem uma macaca como mascote porque era um time de classe trabalhadora. O futebol não era só para brancos, era para brancos e ricos. Mas caiu no gosto popular, reuniu multidões. Com a pandemia, os estádios tão diminuindo, ficando mais luxuosos, mais caros, e a gente vai voltando pro futebol elitista lá do início".

A busca, então, é por andar para frente, em direção a um futebol que veja o talento de crianças como foi Aranha e não os dispense pela cor da pele. Que enxergue todo e qualquer atleta como igual pela bola que joga dentro de campo e, principalmente, como ser humano digno de respeito.

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