CLASSIFICAÇÃO HISTÓRICA
Tricolor na cabeça, gol nos pés: bastidores do Bahia na Copa do Brasil
A atacante marcou o gol que ajudou o Bahia a se classificar para a semifinal na primeira participação

Por Marina Branco

A Copa do Brasil recebeu um novato nesta temporada - e o tal calouro já é um dos quatro melhores times do país na competição. Mostrando a que veio desde a primeira partida, o time feminino do Bahia amontoou classificações inéditas em sua primeira participação no torneio, coroando a campanha "surpreendente" com uma classificação para a semifinal.
Em campo, foi tão difícil quanto prometia ser. Na última quarta-feira, 24, as Mulheres de Aço encararam o Red Bull Bragantino na Bragança Paulista, em um jogo único no Estádio Municipal Cícero de Souza Marques. No tempo regular, os dois times ficaram no empate, com gol do Esquadrão aos 18 minutos do primeiro tempo e a virada chegando no último lance da partida, aos 55 do segundo tempo.
Vieram, então, os eletrizantes pênaltis, onde brilhou a estrela da goleira tricolor Yanne, que pegou duas bolas e deixou o placar em 3 a 1, com gols de Gica, Cássia e Tchula para o Bahia.

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O gol da sobrevivência
Mas a bola do pênalti não foi a única que Cássia mandou para o gol naquele dia. Autora do gol no tempo regular que manteve o Bahia vivo na competição, a atacante escreveu seu nome na história do clube pela classificação inédita, colocando o Bahia na mais alta prateleira do futebol nacional.
"Na hora, eu pensei naquele que tem feito tudo na minha vida, que é Deus. Foi um momento de reflexão, de olhar para o alto e agradecer por todas as bênçãos. Sabemos que não fizemos um bom jogo, mas poder estar classificada é o que importa", conta Cássia.
O feito foi grande, porque a pressão também era. A consciência de que o duelo tinha peso histórico já estava clara antes mesmo de a bola rolar: "A comissão técnica, o Felipe (Freitas, técnico do time), vem sempre enfatizando a importância de continuar fazendo história. Nem todos os jogos vão ser bons, mas a dedicação e o sonho de realizar algo grande nos mantêm concentradas".

A um pênalti de fazer história
Foi essa concentração que fez com que o Esquadrão não se desmantelasse ao tomar o empate tão perto do grito de classificação. Com a chegada dos pênaltis, a certeza era que o time estava preparado, já que vinha treinando penalidades para o torneio sem prorrogação desde o início da temporada.
"O Felipe coloca todas as atletas para treinar pênaltis todos os dias. A gente sabia que uma hora iria precisar disso e ontem aconteceu. Estávamos confiantes. Treinamos com nossas goleiras diariamente e isso faz muita diferença", diz.

Elas sabiam que seriam exigidas e, no caso de Cássia, realmente foi. Coube a ela uma das cobranças decisivas, e ela não deixou a desejar. "A caminhada do meio campo até a marca do pênalti parece eterna. Passa um milhão de coisas na cabeça, até a insegurança, mas a confiança estava muito alta. Eu sabia que faria porque estava muito preparada. Mentalizei e deu certo", relembra.
Se de um lado as batedoras cumpriram sua missão, do outro brilhou a goleira Yanne, que defendeu duas cobranças. "Assim como elas nos incentivam a bater o melhor pênalti, a gente incentiva (as goleiras) para que façam a melhor defesa. É muito difícil para a goleira, mas elas estão muito bem preparadas. O Felipe, preparador de goleiras, treina elas todos os dias. Evoluímos juntas", explica Cássia.

Ainda tem surpresa?
Em meio a tantos feitos e jogos vencidos, o clube que chegava como novato de se escrevia como surpresa já não é mais "surpreendente" para ninguém - o Bahia se torna, cada vez mais, forte candidato ao título, se tornando a cada partida um adversário mais temido no futebol feminino.
"Foi uma grande surpresa. Vim para somar com as meninas que já estavam aqui desde a Série A2 e que deram continuidade a essa história. Não temos jogadoras de grande nome, mas temos qualidade, entrega e garra. Nosso objetivo é ir além: já estamos entre os quatro, mas queremos ser o melhor do Brasil", conta Cássia.
"Mostramos no mercado para o que viemos. Antes viam o Bahia como um time que talvez fosse cair novamente. Hoje, todos olham de forma diferente. Estar entre os quatro da Copa do Brasil e entre os oito do Brasileiro mudou a visão de todos", completa.

Gigantes pela frente
A próxima etapa é, então, o sorteio para a semi - e vem por aí algum gigante do futebol. As opções para o Bahia são Corinthians, Palmeiras ou São Paulo, sendo o Esquadrão o único clube fora de São Paulo a seguir vivo na competição.
Quanto ao escolhido, a goleadora garante que o grupo não pode, nem quer escolher: "Cada jogo é um jogo. Seja quem for, vamos estar preparadas. Trabalhamos desde o começo do ano para todas as competições. Nosso pensamento é mentalizar que podemos estar na final. A confiança está muito alta e vamos lutar para coroar esse trabalho com o título".

A confiança vai junto às jogadoras e também à torcida tricolor, que vem segurando a mão das Mulheres de Aço ao longo de toda a temporada e nunca deixa de ser relembrada por Cássia.
"O futebol feminino ainda é pouco valorizado. Precisamos muito da nossa torcida, porque é um jogador a mais dentro de campo. Seria importante ter todo mundo vibrando conosco. Espero que a semifinal seja em casa e que a torcida esteja lá, nos apoiando para chegarmos à final", pede.
Passado, presente e futuro
Muito além da trajetória inédita que o Bahia vem vivendo, a própria Cássia vive uma história pessoal durante a Copa do Brasil. Além do Bragantino e do Atlético-Mineiro, clube que passou antes pelo caminho do Tricolor, o Esquadrão encontrou o Grêmio, ex-time da jogadora.
"Tenho um carinho muito grande pelo Grêmio. Fui muito feliz lá, ganhei dois títulos do Gauchão e tenho amigas que torço muito por elas. O futebol é isso: a gente escreve histórias nos clubes. Deixei um legado no Grêmio e agora quero deixar no Bahia", afirma.

A meta é, então, seguir construindo a história e o legado que começou por lá e segue agora no Bahia. "Quero deixar um legado de persistência, coragem e acreditar que é possível. Muitas pioneiras abriram caminhos e hoje temos mais oportunidades, mas ainda precisamos avançar. Quero que as novas gerações aproveitem o que conquistamos e continuem a escrever a história do futebol feminino", projeta.
Tricolor da cabeça aos pés
A história vai se construindo, mas algumas coisas nunca mudam - uma delas, a tradição da "sorte" de Cássia, que chama a atenção de qualquer torcedor pelo penteado que usa em campo.
Do Grêmio ao Bahia, sempre teve o costume de trançar o cabelo, e nunca deixou que suas tranças fossem comuns. Em jogos importantes, Cássia leva as cores do clube nos cabelos, amuleto da sorte que deu certo na partida que lhe rendeu o gol.

"Costumo fazer esse penteado nos clubes que passo, e aqui não poderia ser diferente. Coincidentemente, jogamos com a camisa tricolor e combinou tudo. Nem tinha perguntado antes para saber qual usaríamos, foi coincidência. Acho que ficou bonito e, sim, vai voltar na semifinal para dar sorte de novo", garante.
Com protagonismo, gols e personalidade, Cássia transformou a noite em Bragança Paulista em um capítulo histórico do Bahia. Na primeira participação na Copa do Brasil Feminina, o clube já está entre os quatro melhores do país - e sonha ainda mais alto em todo o futebol nacional.
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