MUITO
Fórum inédito da Osba discute futuro das sinfônicas e celebra legado de Gal
Orquestra celebra a eternidade de Gal Costa em concerto especial na Concha

Por Gilson Jorge

No final de 2022, a Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba) ganhou os holofotes e recebeu muitos comentários, positivos e negativos, ao realizar na Concha Acústica do Teatro Castro Alves um programa que incluía música popular, o Osbrega – Concerto do amor. Não era a simples execução de canções românticas, mas um espetáculo inteiro concebido a partir do universo dos bregas, incluindo uma homenagem às profissionais do sexo.
Foi um acontecimento. Em cinco dias, os ingressos esgotaram e a Concha ficou apertada, com o público gritando, gemendo ao som de músicas de Reginaldo Rossi, sob a batuta do maestro Carlos Prazeres. Mas houve quem reclamasse. O regente Ricardo Castro, responsável pelo Neojiba, publicou nas redes sociais um protesto contra a exibição atípica de uma orquestra, desatando uma polêmica que duraria meses.
A treta clássica ficou no passado, mas a discussão sobre o desempenho das orquestras sinfônicas segue afinado. Tanto que nos próximos dias 24 e 25 acontece em Salvador o 1° Fórum Osba de Orquestras Sinfônicas – Música de Concerto em Movimento, que traz à cidade representantes do Theatro Municipal de São Paulo, da Orquestra Sinfônica de São Paulo e da Orquestra Sinfônica de Sergipe.
O Osbrega foi apenas o ápice das tentativas de aproximação da Osba com novas audiências. Os músicos eruditos às vezes se fantasiam de personagens de filmes durante as apresentações do Cine Concerto, projeto que envolve a execução de trilhas sonoras da sétima arte. E já houve programas voltados aos repertórios de Carnaval e das festas juninas.
Fiel
Prazeres afirma que essas apresentações especiais da Osba representam apenas 5% das atividades da instituição, que segue fiel a Brahms, Beethoven, Mozart e outros compositores que forjaram essa formação musical na Europa do século 17.
Filho de imigrantes portugueses pobres com formação clássica, Carlos Prazeres conviveu desde sempre com os universos erudito e popular.
Torcedor apaixonado do Vasco da Gama e frequentador de botecos e festas populares, o maestro destoa da imagem tradicional de um líder de orquestras. Mas, apesar da abertura a apresentações temáticas, reafirma seu compromisso essencial com o repertório erudito.
"O desavisado pode pensar nesse sentido, que não vamos mais tocar Beethoven porque Baiana System traz mais público. Esse tipo de pensamento jamais existiu da minha parte", ressalta o maestro, ainda rescaldado pelas críticas que sofreu desde o Concerto do Amor. "O nosso intuito é tornar a orquestra acessível ao povo", remarca.
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Carlos Prazeres pontua, entretanto, que para conseguir a popularização, a orquestra precisa falar a linguagem da sociedade: "E a gente não pode falar com a sociedade baiana sem falar de Carnaval, de São João, sem falar de Gal Costa e de festas e figuras que são ícones dessa sociedade".
No dia 26, data em que Gal completaria 80 anos, a Osba vai realizar na mesma Concha Acústica do TCA, às 19h, um concerto em homenagem à cantora, morta em 2022. Com direção de Manno Góes, a apresentação encerra o simpósio, que acontece nos dois dias anteriores no Goethe Institut.

O maestro considera que a partir da utilização desses símbolos, a orquestra gera o sentimento de que ela é partícipe da sociedade. "Ela não é um disco voador vienense que pousou aqui para nos educar, para nos civilizar. Infelizmente, muitos gestores pensam assim, pensam que a salvação está lá fora", declara o maestro.
A mistura, em algum grau, do erudito com o popular, não é exclusividade da Osba. Fundada em 2000 por dois professores da Universidade Federal de Ouro Preto, a Orquestra Ouro Preto já fez concertos com músicas dos Beatles e tocou junto com cantor Alceu Valença, em um show com repertório do pernambucano.
"Algumas orquestras no Brasil se propõem a fazer somente isso, tocar músicas comerciais de forma orquestrada, afirma o maestro da Petrobras Sinfônica, Felipe Prazeres, irmão de Carlos. "Eu falo aqui como maestro, não como representante da Petrobras Sinfônica. Não acho isso errado, acho que tudo é música", diz o regente, que considera haver preconceito sobre esse tema.
Sofisticado
Felipe não reprova a união entre cantores e orquestras no palco, mas considera que essa fórmula tira o brilho do conjunto erudito, que considera o equipamento musical mais sofisticado que existe. "Há pessoas que vão apenas para ver o cantor", pondera o maestro, que considera interessante a ideia de uma orquestra executar música popular como forma de atrair novos públicos, mas declina da proposta de assumir um projeto em que a orquestra se volte completamente para os fins comerciais.
"Nós fizemos um concerto para gamers, para atrair esse público, que não costuma ir a concertos e foi ver a orquestra tocar a música do Mario Bros", afirma Felipe.
O concerto para gamers, iniciado em dezembro de 2024, fez uma excursão pelo Centro-Oeste e na próxima semana será levado a Porto Alegre e Novo Hamburgo (RS). "Eu não vou ser leviano de afirmar que os gamers vão lotar um concerto de música clássica depois dessas apresentações, mas eu já ouvi um jovem me dizer que foi ao recital depois de ouvir a orquestra tocar música de gamers", declara o maestro.
Mas a busca da aproximação do público por parte das orquestras vai além de mudanças no repertório. Algumas orquestras brasileiras têm apostado em roupas mais informais, propícias ao clima tropical e conversas com o público, no esforço para fugir do padrão europeu, mesmo executando música clássica.
"Hoje em dia, o maestro é um mestre de cerimônias. Não dá mais para entrar no palco em silêncio, tocar, agradecer e tchau. Mas também sou contra fazer palestra, que fica enfadonho", afirma Felipe, ressaltando que para quem está começando a frequentar os concertos faz muita diferença ouvir do regente comentários sobre os temas executados.
Institucionalização

Regente da Orquestra Sinfônica de Sergipe (Osse), Guiherme Mannis considera que o simpósio vai ser um momento de discutir a institucionalização das orquestras. "Precisamos que haja uma continuidade de políticas, uma maior previsibilidade de recursos e que não dependa do governo de plantão e possa cumprir o seu papel na sociedade", afirma.
Mannis afirma que a Osba serve de farol para a Osse: "É uma orquestra que se publicizou. É uma organização que fez contrato com o governo do estado e, a partir disso, dinamizou as suas ações".
Sobre as tentativas de facilitar o contato do público com as orquestras, o maestro da Osse afirma que no primeiro contato muitas pessoas ficam deslumbradas. "O problema é que as pessoas não têm acesso, elas têm essa ideia do teatro elitizado", pontua Mannis.
Essa noção de lugar elitizado implica que na subjetividade de algumas pessoas frequentar o teatro é uma prerrogativa de quem tem muito dinheiro, é culto e entende de música clássica. "Nosso trabalho sempre vai em torno desse aspecto, de popularizar o acesso", afirma o maestro.
O povo é um ovo
As tentativas de aproximação das orquestras do grande público são um tema sensível para essas instituições que são mantidas com recursos públicos e precisam encontrar um equilíbrio entre o culto à música erudita, razão de sua existência, e a conquista de novos admiradores.
"Popularização é uma palavra complexa. No poema Que país é este?, Affonso Romano de Sant'Anna diz que o povo é um ovo, depende de quem o põe e quem o gala", pondera o compositor premiado da Academia Brasileira de Música, Paulo Costa Lima, professor aposentado da Escola de Música da Ufba, que também busca aproximar a música clássica do grande público por meio do Instagram, além de explicar minúcias técnicas das diferentes sonoridades. Seu perfil nessa rede social (@paulo.costalima) soma 175 mil seguidores.
Ele afirma, por exemplo, que popularizar as orquestras pode significar levá-las a locais remotos, a populações que nunca tiveram a possibilidade de ver e ouvir um concerto de música clássica.
"Arthur Moreira Lima colocou o piano em um caminhão e o levou a mais de 400 lugares pelo Brasil. Esse é um caminho que não muda a essência do que está sendo apresentado", pondera o professor.
Outra maneira de popularizar as orquestras apontada pelo compositor é a formação de músicos eruditos em comunidades periféricas, através de projetos sociais. "Isso envolve as famílias, traz novos públicos, mas você ainda não está tocando na essência do projeto cultural, porque eles vão entrar ali para tocar Mozart e Beethoven. Pode parecer até contraditório. Você populariza para não mexer na essência", afirma o maestro.
Para o professor, a questão central das orquestras sinfônicas é em que sentido uma instituição cultural dessa natureza, em uma sociedade como a brasileira, pode ser um projeto de criação que tenha a dimensão nacional. "Você pode fazer, por exemplo, uma parceria com a tradição afro-brasileira", especula o professor.
Sobre o efeito dos concertos temáticos da Osba, o professor lembra o episódio em que a empregada doméstica de um músico foi assistir o Concerto do amor, ouviu em meio a canções românticas um movimento sinfônico de Mahler e, no primeiro dia de trabalho após a apresentação, ficou cantarolando o tema clássico. "Ela já tinha recebido convites para outros recitais, mas nunca quis ir", destaca.
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