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Nova geração da arte baiana rompe clichês e brilha no Prêmio Pipa 2025

Prêmio Pipa 2025 reconhece força e diversidade da arte feita no estado

Por Gilson Jorge

06/07/2025 - 5:00 h
JeisiEkê trabalha com pinturas, pigmentos naturais e instalações
JeisiEkê trabalha com pinturas, pigmentos naturais e instalações -

Quem circula pela noite do Rio Vermelho ou acompanha os eventos culturais no circuito central de Salvador deve ter visto em algum momento Ana Dumas conduzindo o simpático carrinho multimídia. Ana sempre se definiu como uma Ideas Jockey, ou seja, uma DJ das ideias, alguém que mixa música, fotos e projeções para enviar uma mensagem. Um conceito que aprendeu com o alagoano DJ Abutre.

Foi depois dos 40 anos que, provocada pela pandemia e pela impossibilidade de aglomerar pessoas, que Ana deixou aflorar outras sensibilidades artísticas. Contemplada por um edital da Lei Aldir Blanc, Ana promoveu em 2021 a exposição virtual Colônia Vírus, em que fazia um paralelo entre a invasão cibernética na sociedade e a chegada ibérica a esse continente no século 15.

É do sítio do Descobrimento do Brasil, aliás, que essa artista meio negra, meio indígena, produz arte em boa parte do ano. Mais especificamente da cidade do Prado. Distante do circuito tradicional de artes, Ana foi surpreendida com a inclusão do seu nome na lista dos 75 indicados ao Prêmio Pipa 2025. O prestigioso evento que desde 2010 traz visibilidade a artistas de todo o país.

O processo de seleção não prevê candidaturas. Cada um dos jurados escolhidos indica três nomes e, feita a tabulação dos votos, chega-se ao resultado. "Eu não tinha a menor noção. No dia 1° de abril, dia da mentira, eu recebi a notícia e achei que era trote. Sempre me achei uma artista de armário. Minha primeira exposição institucional foi em Luanda, em 2010", relata a artista.

Este ano, a lista do Pipa trouxe cinco indicações da Bahia, uma pessoa não-binária e quatro mulheres que nasceram ou trabalham no estado. Em comum, apresentam em seus trabalhos signos de uma baianidade contemporânea e, mesmo com inspiração local, fogem da noção de uma arte essencialmente baiana, como às vezes se exige nas entrelinhas de editais.

Curador do prémio para o Nordeste, o crítico baiano João Victor Guimarães, que também votou na lista, considera que o número de artistas locais no Pipa deste ano é resultado de uma série de movimentos políticos e socioeconômicos que levaram o mercado de arte brasileiro a olhar para a produção baiana.

"É um movimento conflitante. Tanto há uma valorização desses artistas quanto há uma limitação dessa valorização", aponta João Victor, que enxerga a ocorrência de uma leitura fetichista acerca dessas produções e do próprio território baiano. "É como se a Bahia fosse Salvador e produzisse só um tipo de arte. Isso não é verdade. É como se a arte baiana correspondesse a um imaginário saudosista de Jorge Amado, de Caymmi, de Verger, de Carybé e tudo isso", aponta o curador.

Para João Victor, o Pipa permite ampliar lentes para a efetiva produção artística da Bahia e, com a política de incluir todos os indicados no acervo permanente do site, combate um efeito colateral das premiações, a efemeridade. "O prêmio resvala também na limitação da inserção. O mercado da arte é feito de eleições. É um sistema muito moldado para o biênio. A cada dois anos, parece que os interesses mudam", avalia o curador.

Essa lógica, na visão de João Victor, faz com que artistas que estavam em ascensão corram o risco de uma decadência precoce. "O site do Pipa é uma fonte precisa para pesquisadores, curadores, escritores e estudiosos de arte do Brasil e do mundo", declara João, para quem mais importante do que o artista ganhar o prêmio é ter a sua trajetória documentada por um canal respeitado. "Apenas com essa documentação, o Pipa se manifesta contra o apagamento”, defende o curador. Ou seja, os novos baianos da elite das artes visuais são também eternos.

O curador aponta que, no geral, essa geração está partindo de uma leitura autônoma das referências baianas, nacionais e internacionais. "Há um nível elevado de proposição e de complexidade da pesquisa artística, muitas vezes da técnica utilizada e de materiais diversos", elogia João Victor.

Coerência

Lucimélia Romão pondera que toda arte reflete o seu tempo
Lucimélia Romão pondera que toda arte reflete o seu tempo | Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE

Professora da Escola de Belas Artes da Ufba, Ines Linke menciona que as pessoas da Bahia indicadas ao Prêmio Pipa apresentam em seus trabalhos uma coerência em relação às suas trajetórias e referências e se relacionam com nosso contexto atual.

As experiências de vida e perspectivas afro-brasileiras marcam presença nas indicações, entretanto se distanciam do discurso identitário que marca a história da arte baiana. "Esses conceitos e representações estão em transformação e deslocamento desde sempre. A ideia de baianidade é atravessada por imaginários e valores modernistas, que são muitas vezes perpetuados e reforçados pela arte. Eu acho que é bom ter mudanças e ver novas perspectivas e abordagens que criam tensões e fricções fazendo parte dessas dinâmicas e negociações no campo da cultura", avalia a professora.

Paulista de nascimento, ex-moradora de Minas e residente em Cachoeira, Lucimélia Romão teve sua indicação ao Pipa ligada ao seu trabalho em torno da ideia de genocídio, um tema muito presente na Bahia quando se pensa em violência policial, mas que não é um assunto sujeito a um, digamos, certificado de origem, termo da gastronomia para produtos de uma determinada região.

Sobre a discussão em torno da ideia de identidade baiana, Lucimélia pondera que toda arte reflete o seu tempo. "A gente está vivendo esse momento de violência exacerbada no Brasil, um período de muita denúncia, e muito atravessado pela tecnologia. Matam uma pessoa no Maranhão, não tem como não ser atravessado. Eu aqui na Bahia ou uma pessoa no sul do Brasil. Antigamente, era muito mais forte o regionalismo", afirma a artista.

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Lucimélia cita o caso das gravuras, que passaram de culturas regionais, com a ideia de gravadores baianos, até o momento em que as diferenças geográficas foram praticamente borradas. "Outro dia uma amiga da Bahia estava falando que viu uma menina de São Paulo brigando na internet porque viu uma pessoa daqui com algo semelhante", exemplifica a artista.

Na lista de indicações do Pipa, Ani Ganzala celebra. "Para mim, foi uma surpresa ainda mais especial por estar compartilhando esse momento com artistas muito queridas. Artistas baianas que trabalham com diferentes linguagens", afirma Ani, ao elogiar o trabalho das amigas e ressaltar que o grupo apresenta ao mundo uma linguagem baiana contemporânea.

"Ana Dumas, por exemplo, navega por uma linguagem sonora, que é muito potente. JeisiEkê trabalha com pinturas, pigmentos naturais e instalações, e Jasi Pereira é uma multiartista", define Ani, cujo trabalho é mais voltado para a arte urbana.

Ani define a sua obra como íntima e autobiográfica. "Eu estou criando pontes com os meus pertencimentos, com a minha relação com a natureza e com as comunidades das quais eu sou parte e mostrando o encantamento ainda possível neste mundo", declara a artista, negra, candomblecista e pessoa não-binária.

Para Ani, esse encantamento parte da sacralização da natureza. "Tem a ver com o que é vivo e ainda está pulsando, desse mistério que é a vida", afirma Ani, para quem a pintura é também uma forma de falar de memória e identidade. "É uma forma de comunicar quem somos para os vivos e para os que ainda não nasceram”, pontua Ani.

Honrada

Jasi Pereira é multiartista
Jasi Pereira é multiartista | Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE

Jasi Pereira, por sua vez, destaca o fato de que o Prêmio Pipa é uma das premiações mais importantes da América Latina e declara-se maravilhada e honrada com a indicação do seu nome para a edição desse ano. "É significativo porque não é sobre uma obra, é sobre a trajetória, e é sobre o presente, o que está acontecendo aqui e agora no campo das artes visuais no Brasil", afirma a artista.

Sobre a relevante presença baiana na lista de 75 indicados, Jasi vê uma bela representatividade do que está sendo produzido na comunidade artística local, em termos de artes visuais. "Conheço, acompanho a trajetória, principalmente das artistas que, comigo, fazem parte desse grupo de selecionadas do território baiano", afirma Jasi, declarando que as pessoas do grupo baiano na lista contam não apenas com a sua admiração profissional, mas também são companhias que ela preza muito, até por enxergar uma sintonia entre os trabalhos.

"Penso que nossas pesquisas estão relacionadas enquanto identidade, são pesquisas territoriais, pesquisas identitárias, pesquisas que, justamente, vão comunicar algo de primordial, algo de.essencial das vivências na Bahia mesmo, especialmente no meu caso em Salvador", declara a artista, vencedora do Prêmio Artes Tomie Ohtake em 2022.

Na estrada há mais de dez anos, JeisiEkê celebra a conquista da indicação e pontua que as artes visuais são uma linguagem de difícil acesso. A artista sublinha que, historicamente, essa é uma arte produzida e consumida pelas elites, um jogo que começou a virar nos últimos anos. O que engrandece ainda mais a indicação do seu nome.

"Eu que venho da classe trabalhadora, nascida na divisa de Minas com a Bahia, chego a um lugar em que a minha arte é vista e indicada para um prêmio nacional reconhecido como importante", pontua a artista.

Para JeisiEkê, a indicação ao Pipa é um indício de que o seu trabalho está indo no caminho certo
Para JeisiEkê, a indicação ao Pipa é um indício de que o seu trabalho está indo no caminho certo | Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE

Para JeisiEkê, a indicação ao Pipa é um indício de que o seu trabalho está indo no caminho certo. "Para mim, tem muito a ver com esse lugar de comunidade mesmo. De entender que aquilo que eu estou propondo de certa forma está reverberando, está sendo escutado", diz a artista, ressaltando sua satisfação em perceber que o seu trabalho não está sendo em vão.

Uma visibilidade que pode permitir ao artista não apenas o reconhecimento da qualidade do seu trabalho, mas também permite sonhar com a possibilidade de viver dignamente da arte. JeisiEkê é desde o princípio de sua vida profissional uma trabalhadora da cultura, que atua em funções técnicas como estratégia de sobrevivência, mas sempre viu na expressão artística sua forma de se comunicar com o mundo.

"Na infância, era difícil para mim compreender como as pessoas se comunicavam. A forma com que eu conseguia expressar o que estava represado dentro de mim era o desenho, a pintura", afirma a artista, que ao crescer também transitou pelo teatro, pela performance e pelo cinema. "Eu fui aglutinando linguagens dentro do.meu trabalho para poder dizer coisas", pondera a artista.

O resultado final do prêmio foi divulgado na última sexta-feira, dia 4 de julho. Os artistas premiados foram Andréa Hygino, Darks Miranda, Flávia Ventura e a dupla Gabriel Haddad e Leonardo Bora.

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