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Novas regras do governo podem mudar o dia de quem vive no Pelourinho

Comerciantes temem gentrificação

Gilson Jorge

Por Gilson Jorge

21/12/2025 - 16:07 h
Novas normas do Iphan dividem expectativas em Salvador
Novas normas do Iphan dividem expectativas em Salvador -

Quando o uruguaio Nico de La Cruz, jogador do Flamengo, pegou a bola para iniciar a disputa de pênaltis contra o PSG, na tarde da última quarta-feira, 17, dois clientes do Bar do Preto Velho, no Pelourinho, começaram a secar o time carioca, que consideram protegido pela mídia e pela arbitragem nacional. Torcedor do Bahia, como seus dois amigos, o dono do estabelecimento, Adailton Araújo, por sua vez, torcia pelo sucesso do representante brasileiro, enquanto aguardava a entrada de clientes.

Há 11 anos à frente do negócio notabilizado por seu tio, Domingos Lemos, figura lendária do Centro Histórico, Adailton combinou de conversar com a reportagem de A TARDE sobre um Manual de Normas do Iphan para a reforma de imóveis históricos, lançada na segunda passada, tão logo o jogo terminasse. Um dos seus amigos parece curioso com a presença do desconhecido no ambiente e, de vez em quando, lança um olhar para o comerciante.

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A desconfiança tem suas razões. Há pouco tempo, Adailton recebeu de outro empreendedor local o que no mundo dos negócios se descreve como "oferta hostil", quando alguém manifesta o desejo de comprar uma empresa que não foi colocada à venda.

Adailton não tem motivos para sair. Com a morte de seu tio, aos 91 anos, ele assumiu um dos negócios que mais se identificam com o "Pelourinho raiz", a venda que se tornou famosa pela comercialização de rapé, destilados e artigos ligados aos cultos afro-brasileiros. Depois que se casou com a pernambucana Gilda, o casal passou a vender também roupas e sandálias artesanais produzidos por ela.

Adailton ficou à margem das discussões sobre a nova cartilha e afirma não ter sido informado sobre o processo de mapeamento e avaliação dos cerca de três mil imóveis pelo Iphan ao longo dos últimos sete anos. Mas teme que, de alguma forma, esse novo movimento leve a um processo de gentrificação semelhante ao que ocorre a poucos metros do seu estabelecimento, na Rua Chile, ocupada gradualmente por negócios voltados a setores de maior poder aquisitivo.

"Seria interessante que as pessoas que têm uma história no Pelourinho permaneçam", afirma o comerciante, que pretende deixar a barba crescer daqui a algum tempo e resgatar no estabelecimento a figura do mítico Preto Velho, um dos antigos ícones do Afoxé Filhos de Gandhy, cuja sede fica em frente ao bar.

"Eu jamais vou deixar a minha fé e, futuramente, quem vai ser o Preto Velho vai ser eu", afirma o comerciante, cujo negócio está instalado em um imóvel pertencente ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac). Em uma das paredes, acima de garrafas de destilados e objetos de culto, Adailton expõe com orgulho duas fotos do Preto Velho com o ex-governador Antônio Carlos Magalhães, morto em 2007. Em uma das fotos, aparece também o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, morto em 2010.

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Adailton é proprietário do bar Preto Velho, onde homenageia seu pai, o famoso Preto Velho do Pelourinho
Adailton é proprietário do bar Preto Velho, onde homenageia seu pai, o famoso Preto Velho do Pelourinho | Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE

Importância

Apesar das preocupações de Adailton, a o manual do Iphan pode ser uma boa notícia para o seu negócio. Presente à apresentação do documento, na segunda-feira, a ativista social Nilma Santos destaca a importância da Portaria 297/2025, uma norma inédita e detalhada que orienta a preservação e as intervenções em imóveis tombados no Centro Histórico e na Cidade Baixa de Salvador.

"São áreas fundamentais não apenas para a história da nossa cidade, mas para a memória cultural do Brasil", afirma Nilma, coordenadora do Centro Cultural Que Ladeira é Essa?, entidade sediada na Ladeira da Preguiça, que desenvolve ações educativas e antirracistas no Centro Antigo.

Nilma considera que essa portaria do Iphan foi construída com ampla participação social, envolvendo moradores, pesquisadores, universidades e órgãos públicos. "Isso demonstra um compromisso real com o diálogo e com as necessidades de quem vive nesses territórios", declara a ativista.

O documento estabelece diretrizes e critérios técnicos para intervenções em milhares de imóveis, além de praças, escadarias, encostas e vias públicas. "Isso traz mais segurança jurídica e previsibilidade, permitindo que moradores, coletivos, empreendedores e gestores públicos saibam exatamente como intervir, restaurar e ocupar esses espaços, evitando conflitos e descaracterizações do patrimônio", avalia Nilma.

A ativista social Nilma Santos
A ativista social Nilma Santos | Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE

Outro ponto destacado pela ativista é que a norma busca equilibrar preservação histórica e demandas contemporâneas, incorporando temas como acessibilidade, mobilidade urbana, adaptação às mudanças climáticas, uso social dos imóveis e políticas de habitação. "O documento reconhece que o patrimônio precisa estar vivo, integrado à dinâmica da cidade e às pessoas que constroem esse território todos os dias", avalia Nilma.

A ativista acredita que em relação à Ladeira da Preguiça, a sua área de maior foco, essa portaria se torna ainda mais estratégica. "A Preguiça é um território histórico, cultural e popular, marcado por processos de resistência, mas também por décadas de abandono, especulação imobiliária e disputas sobre seu uso e ocupação. Ter regras claras do Iphan significa criar condições para que a requalificação aconteça com a permanência dos moradores, com respeito às práticas culturais locais e com protagonismo da comunidade, e não como mais um processo de expulsão ou apagamento", acredita a ativista.

Para Nilma, essa normativa representa uma oportunidade de pensar a Ladeira da Preguiça, e todo o Centro Antigo, como espaços de memória, cultura viva, direito à cidade e justiça social. "Preservar o patrimônio é, acima de tudo, preservar pessoas, histórias e modos de vida", define a ativista.

A portaria do Iphan entra em vigor no próximo dia 29 de janeiro, 45 dias após a data de sua publicação no Diário Oficial da União. Intervenções físicas anteriores à sua vigência que não descaracterizem os imóveis não serão alvo de exigências adicionais por parte do Iphan.

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