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“Salvador foi uma cidade planejada igual a Brasília”, diz especialista

Arquiteto e professor de História da Arquitetura do Brasil fala sobre legado

Gilson Jorge

Por Gilson Jorge

09/11/2025 - 6:05 h
“A capital da América Portuguesa nasceu com planta e maquete”, diz Francisco Senna
“A capital da América Portuguesa nasceu com planta e maquete”, diz Francisco Senna -

A Ademi completou 50 anos e há uma série de comemorações. E neste roteiro, o lançamento do Livro Salvador Grandes Obras, que será lançado no próximo dia 12, às 17h, no Museu de Arte R$190. Mas não é um livro sobre a Ademi. A entidade resolveu, junto com o editor, Fernando Oberlaender, da Editora Caramurê, editar um livro que contasse a história da arquitetura Salvador ao longo de toda a sua existência.

O livro é dividido em duas partes. A jornalista, antropóloga e professora Cleidiana Ramos, ex-colaboradora de A TARDE, foi designada para escrever sobre os moradores de prédios emblemáticos da cidade, com um olhar humano e antropológico. Arquiteto e professor de História da Arquitetura do Brasil, Francisco Senna, foi convidado a escrever sobre a arquitetura soteropolitana ao longo dos séculos. Nesta entrevista, Senna conta parte dessa história.

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Do que trata exatamente o livro?

É um livro de arte, com muitas ilustrações, todas devidamente selecionadas para se encaixar em cada capítulo. Tudo feito com muito cuidado, com muito diálogo entre o editor e nós dois, Cleidiana Ramos e eu. Eu comecei a historiar desde a chegada do colonizador, obviamente tratando das influências do nativo e do africano escravizado, que trouxe não só a mão-de-obra, mas também sua cultura.

A arquitetura tem vários aspectos. Não é um livro profundo, é um panorama. O livro traça uma trajetória que nunca foi traçada em uma publicação, abordando os materiais de construção, os sistemas construtivos, as tipologias arquitetônicas, os partidos (conjuntos de diretrizes e técnicas), os estilos arquitetônicos e os tipos de moradia, a civil, a religiosa e a militar. A análise é dividida por etapas e por estilos mais semelhantes e pelo fator cronológico, inclusive.

Quando chega ao século 20, eu não retrato as edificações de destaque no sentido da participação da Ademi enquanto associação. Mas aquilo que mais impactou, em termos de arquitetura propriamente dita, a cidade. E é um livro também de urbanismo, do desenvolvimento da cidade, das suas avenidas. Aborda os meios de transporte, é um livro muito gostoso e leve. Porque é um livro de história, mas não é técnico.

Havia o Centro Histórico e algumas ilhas de urbanismo. A grande virada vem no século 20...

Salvador sempre pensou no seu urbanismo como um todo, em cada etapa de sua história. Ela nasceu planejada, com planta e maquete trazidas de Portugal. Da mesma forma que Brasília, Salvador foi uma cidade planejada. Ao longo de sua história, Salvador teve vários projetos de desenvolvimento urbano que seguiram toda uma proposta, um traçado. Por exemplo, no século 19, no governo do oitavo Conde dos Arcos, que ficou de 1810 a 1818 na Bahia, houve um grande projeto de desenvolvimento urbano, inclusive com a ampliação do Porto de Salvador e a construção de novas edificações. No início do século 20, com J. J. Seabra, foi a mesma coisa, nós tivemos um projeto de transformação urbana, com a criação de avenidas, como a Sete de Setembro e a Jequitaia, e novas edificações na cidade. N

a década de 40, tivemos o Escritório de Planejamento Urbano da Cidade do Salvador (Epucs), com planejamento integrado, quando surgiu todo o planejamento das avenidas de vale. E da metade desse século até os dias atuais outros projetos foram se sucedendo em escala, no sentido de aperfeiçoar a conjuntura. Salvador tinha, no início do período estudado, cerca de mil habitantes, e hoje tem mais de dois milhões. Sempre houve planejamento com uma arquitetura voltada para o seu tempo, com os recursos disponíveis.

No início, por exemplo, era uma arquitetura de taipa e palha. Depois, vem a cal, vem a cerâmica. Depois, vem a alvenaria de pedra com cal, quando se começa a explorar cal também, com uma caieira (forno para fabricar cal e tijojos) em Itaparica. E aí nós vamos ter no século 19 o ferro e o vidro. E no século 20 o concreto armado. Obviamente que foi transformador, e com a tecnologia amparada também nos avanços energéticos. Sem a energia elétrica, não teríamos os elevadores e não poderíamos atingir a verticalidade.

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Quando começou a produção de cal em Itaparica?

A primeira caieira que abastecia Salvador surgiu na primeira década após a fundação da cidade, quando descobriu-se que Itaparica tinha muitos sambaquis, depósitos de conchas ao longo da praia. E a cal é extraída das conchas, que eram queimadas. Se a gente observar a alvenaria da época vê muitos pedacinhos de conchas misturados com a argamassa, que é justamente a cal provinda delas.

Por favor, fale um pouco do momento em que Portugal começa a trazer materiais de construção para cá.

Importantíssimo. Salvador foi a grande capital da América Portuguesa por 214 anos, então, a relação administrativa era também em Salvador. Salvador era uma cidade portuguesa edificada aqui no Brasil. Então, não só com tecnologia, com mão-de-obra, com partido, mas também os materiais de construção. A pedra de lioz, que é um calcário português, foi trazida para cá para grandes edificações. Vou trazer aqui dois exemplos de prédios integralmente construídos com essa pedra, a Catedral Basílica e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, entre outras edificações. Até meio-fio de calçada com lioz português.

E os mestres portugueses vieram para cá ensinar à mão-de-obra local como fazer. E se utilizou muito aqui a madeira. Agora, olha que interessante: enquanto nós importamos a pedra portuguesa e a tradição dessa construção, nós exportamos para lá muita madeira e Portugal passou a ser construído com madeira do Brasil. É uma troca. Tanto que em Portugal existe um tipo de arquitetura do século 19 que se chama casa de brasileiro. Porque é uma influência brasileira na arquitetura de Portugal.

Por exemplo, o azulejo na fachada das edificações em Portugal não existia até que foi feito aqui no Brasil, em Salvador, em São Luís do Maranhão. O azulejo era usado na decoração interna dos edifícios. Mas devido à grande umidade daqui, passou a ser usado para revestir as fachadas. E aí Portugal passou a adotar também como um elemento decorativo.

Imagem ilustrativa da imagem “Salvador foi uma cidade planejada igual a Brasília”, diz especialista
| Foto: Clara Pessoa | Ag. A TARDE

Que madeira enviamos a Portugal?

O jacarandá, mas era uma madeira tão rara que não era usada na construção civil, mas no mobiliário e em certos detalhes, inclusive da arquitetura religiosa. Tanto que em Portugal o jacarandá é conhecido como pau-santo. Agora, o cedro, a sucupira e a madeira de lei eram usadas na construção. Madeira de lei era aquela madeira de qualidade que era submetida a uma legislação para cobrança de impostos. A madeira ordinária, usada em cercas, não era legislada para cobrança de impostos

Quais são as obras arquitetônicas soteropolitanas de cada época?

No século 16, início da colonização, tudo é muito simples ainda, da taipa ao tijolo, aquilo que a gente chama de arquitetura missionária. Aqui em Salvador, nós temos dois exemplos de arquitetura religiosa desse período, a Igreja de Escada, no Subúrbio Ferroviário, e a Igreja de Nossa Senhora de Mont Serrat, em Humaitá, dentre outras pequenas coisas. No século 17, nós temos a arquitetura monumental, uma arquitetura em grande escala.

Só para citar alguns exemplos importantes da cidade, em termos de arquitetura religiosa, temos a Catedral Basílica, o Mosteiro de São Bento, o Convento do Carmo, o Convento de Santa Teresa, o Convento de São Francisco. Em termos de arquitetura militar, o Forte de São Marcelo, que é fantástico, dentre outras fortificações, como Santo Antônio da Barra, Santa Maria, São Diogo, Mont Serrat, que é do finzinho do século 16. No século 17, tivemos arquitetura monumental civil, o Solar do Ferrão, Solar do Berquó, Solar dos Sete Candeeiros. No século 18, temos o que o grande historiador americano Robert Smith chamou de fase mundana, o barroco rococó, que não é tão monumental, mas é muito mais rica em decoração do que qualquer outro período.

No barroco rococó, você tem muito ouro aplicado à arquitetura, muita prataria, muita pintura, recursos artísticos em grande escala. E o exemplo de maior destaque aqui na Bahia é a Igreja de São Francisco. Todas as nossas igrejas que consideramos patrimônio da humanidade datam desse período. No século 19, nós vamos ter a presença do estado, ou seja, do Império Português, com construções palacianas, monumentais, temos a Associação Comercial da Bahia, o Hospital Santa Izabel, dentre outros. E aí nós vamos ter no final do século 19 uma influência da Europa Central, da arquitetura gótica, que a gente chama de neogótica, como a Igreja do Campo Santo e a Igreja do Sagrado Coração de Jesus.

A Igreja dos Mares já é do século 20. Quando entra o século 20, estilos vão mudando muito rapidamente. A gente começa o século com o ecletismo do art noveau. No início do século 20, temos arquitetos italianos, temos o atual Palácio do Rio Branco, o Palácio da Aclamação, o Palacete do Tira Chapéu, as casas da Rua Chile. Muita coisa no Comércio. Depois nós vamos ter, na década de 30, o art decó, aí já entra o concreto armado e nós temos grandes exemplares aqui na Bahia, como o Elevador Lacerda, o Instituto do Cacau, o Hospital das Clínicas, o Edifício Oceania e aquele conjunto todo da Praça Castro Alves, incluindo o edifício de A TARDE, onde hoje é o Fasano.

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