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ABRE ASPAS

Tia Má fala sobre medo de criar um filho negro no Brasil: "É muito cruel"

Comunicadora estreia monólogo potente em Salvador

Por Gilson Jorge

03/08/2025 - 7:00 h
Maíra Azevedo e seus filhos: Aladê Koman e Ayanna Luiza
Maíra Azevedo e seus filhos: Aladê Koman e Ayanna Luiza -

Há cerca de 10 anos, a jornalista Maíra Azevedo agitou as redes sociais com a personagem Tia Má, que dava dicas, conselhos e broncas em vídeos bem-humorados. Durante um bom tempo, conciliou o seu perfil online com o trabalho na redação do Grupo A TARDE.

Com o seu talento, foi convidada a participar como consultora do programa Encontro com Fátima Bernardes, na Rede Globo. Era o começo de uma nova trajetória para essa soteropolitana batalhadora e firme, que fez da sua voz um instrumento de defesa das mulheres e das pessoas negras, fazendo, por meio do riso, o público refletir sobre machismo e racismo.

Depois de participar na TV do programa Humor Negro, Maíra apresenta nos próximos dias 7 e 8 de agosto, às 19h, o espetáculo E eu com tudo isso?, dirigido por Magali Moraes, no Teatro Jorge Amado (Pituba). Nessa entrevista para A TARDE, a jornalista, atriz e escritora fala sobre o humor como estratégia de sobrevivência, a luta das mulheres negras na criação de filhos e o caminho percorrido desde a sua infância.

Primeiro, nos conte sobre o seu novo espetáculo...

A ideia é mostrar a rotina sobrecarregada das mães. É um espetáculo que fala das minhas histórias, mas eu percebo até mesmo nas redes sociais, quando eu compartilho um pouco da minha rotina, que muitas mulheres se identificam, porque nós temos que fazer tanta coisa ao mesmo tempo. E a gente está nessa geração-sanduíche, as mulheres entre 30 e 50 anos, que têm que cuidar dos filhos, mas também dos pais para cuidar, porque você tem que estar ali atenta, prestar atenção aonde eles foram. A quantidade de coisas que a gente precisa equilibrar. Por isso, o nome é "E eu com tudo isso?". Porque às vezes a gente faz tanta coisa e percebe que está se deixando por último. A última pessoa que você lembra de cuidar é de você. Eu fui tentar fazer uma brincadeira, tentar rir desse caos. É tanta demanda que tem que dar conta que às vezes a gente vai se perdendo. É exaustivo.

A gente esquece de nossas prioridades, de ir ao médico e cuidar da saúde, porque a gente precisa estar pronta para o trabalho, pronta para os filhos. Uma coisa cruel que eu percebo é essa cobrança de a gente estar sempre disponível para os nossos filhos. É desumanizar um pouco a mulher. E tem essa questão que mesmo as mulheres que não são mães ocupam a função de cuidadora na família quando alguém está doente. Quem é que vai para o hospital dormir? Fulana. Porque o homem não sabe fazer isso direito. O homem usa o não saber, a ignorância, como um privilégio, para continuar sem precisar se preocupar

E o homem nunca é cobrado pela família...

Pois é. Eu até brinco que quando a sogra fica doente quem vai cuidar dela não é o filho dela, mas a nora. Quem cuida de uma mulher sempre é outra mulher.

E como é para extrair graça disso? Como falar desses problemas com leveza?

Eu acredito muito em usar o riso como instrumento de reflexão, essa é uma das marcas do meu trabalho. A gente consegue achar graça dessa nossa capacidade de equilibrar os pratos. Muitas vezes a gente se submete a, ou entra em situações que são risíveis mesmo. Mente para poder dar conta, esquece dos compromissos mas diz que estava lembrando. Quantas vezes eu vou brincar de maquiagem com minha filha e ela está ali, me maquiando, e na cabeça dela ela está brincando, mas eu estou descansando por cinco minutos. Eu deito e digo: pode me maquiar. Eu sempre digo que mulheres, pessoas pretas, quem faz parte de grupos oprimidos, precisa estar o tempo todo criando formas de resistir. E a gente cria estratégias mesmo.

Sabe aquela frase do professor Jorge Portugal? "Apesar de tanto não, tanta dor que nos invade, somos nós a alegria da cidade". Porque é isso, a gente tem uma capacidade de rir das nossas mazelas. Nós que somos pessoas pretas, às vezes quando sofremos racismo precisamos rir para seguir, porque aquilo é tão doloroso que é preciso rir para seguir. Essa é a minha estratégia. Convocar as pessoas para rirem juntas. E tem a questão da união. Aquele alívio de saber que eu não estou sozinha, que eu não sou louca. A gente entende que quando acontece uma coisa ruim não é porque eu seja uma mãe ruim, uma companheira ruim, uma filha ruim.

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Nessa sua trajetória, você tem conseguido sensibilizar as pessoas ao redor sobre os sofrimentos da mãe?

Acho que consigo, mas é importante dizer algo, porque é uma realidade. Eu sou uma mãe real, que prepara os filhos para ir à escola, que vai à reunião, que está presente, que tenta equilibrar o trabalho com o cuidar das crianças. Eu que tomo conta da minha casa. Há dias em que eu acho que falho. Não sei se estou conseguindo conscientizar as pessoas. Há uma romantização da figura materna na sociedade, a mãe tem que estar sempre disponível. Isso é desumanizador. Às vezes, na minha casa eu preciso dar um grito de ‘eu não estou aguentando’. A gente precisa dar um basta. Tem dias que eu fico na dúvida se passei do ponto e perdi as estribeiras.

Mas existe uma romantização dessa mulher que faz tudo. É muito difícil a gente conseguir conscientizar quando toda uma estrutura social diz o contrário. A gente tem cada vez mais mulheres conscientes de que são mães, mas não se reduzem a isso. Hoje você vai questionar que a mulher teve filho e voltou para o trabalho. Mas ninguém questiona o homem que teve filho e voltou a trabalhar. Parece que o bonito é essa mãe que está sempre disponível. O pai quando é um cara legal é exaltado como se fosse extraordinário. E a mãe, que é extraordinária, todo mundo trata como se ela não estivesse fazendo nada demais.

Voluntariamente, você ainda assumiu a responsabilidade de mostrar às crianças negras a sua beleza, com o livro A menina que não sabia que era bonita. Você inclusive participou na sexta-feira do Festival Literário do Livro em Muritiba.

Para mim, escrever esse livro foi muito importante. Foi uma forma de fazer as pazes comigo, com a criança que eu fui. Eu não me achava bonita, eu não ouvia isso dentro de casa. E há um tempo, ainda mais em famílias pretas, você não era educado para ouvir que reforçar a autoestima era importante. O importante era você ter o que comer, ter o que vestir e educação. A gente não tinha consciência de que essas conversas sobre autoestima, falar de beleza, também ajuda a formar um ser. Na nossa geração isso não era visto como algo fundamental e estruturante na formação de uma pessoa. Então, esse livro surge para fazer as pazes com a criança que eu fui, mas na verdade ele nasceu no momento em que eu fui brincar com a minha filha Ayanna, que tem quatro anos. Quando ela estava perto de fazer três, eu disse para ela: "Filha, você é tão linda!". Aí, ela olhou para mim e fez assim: "Eu sei". Você percebia que não era arrogância, ela sabe porque a gente vem de uma geração que faz as pazes com isso.

A gente diz a ela, "como você é bonita, como você é inteligente", entendendo a importância de elogiar. Quando ela falou que sabia, eu lembrei que na infância eu não sabia. Aliás, aos 44 eu ainda não sei, por mais que eu olhe para mim e goste do que veja. Essa falta de elogio a gente traz para o resto de nossa vida. É importante elogiar as crianças. O racismo, a homofobia e o capacitismo fazem com que crianças que integram esses grupos se sintam estranhas. Quando a gente diz a uma criança para ela se olhar no espelho e reconhecer uma beleza que veio antes dela, ancestral, é uma convocação para a gente fazer as pazes com a nossa ancestralidade, mas também com a nossa beleza. De ser quem a gente é. Não há nada mais belo do que você ser você. A gente tem várias belezas, a de ser simpático, a de ser agradável, a de ser bonito esteticamente.

Esse livro faz as pazes com a Maíra de cinco anos, mas também convoca as crianças de hoje que têm uma evolução, têm à disposição alguns produtos que olham para a gente, porque na nossa época não tinha. Há um avanço e houve esse avanço por conta de quem veio à nossa frente na luta. As crianças de hoje lidam melhor com a sua aparência. Mas ainda assim a TV, apesar da nossa maior participação e a depender do que você esteja assistindo, ainda reproduz de maneira estereotipada a nossa presença.

Imagem ilustrativa da imagem Tia Má fala sobre medo de criar um filho negro no Brasil: "É muito cruel"
| Foto: Denisse Salazar | Ag. A TARDE

Mas pensando no seu filho mais velho, Aladê, que está perto de atingir a maioridade, existe uma outra face. Você declarou recentemente o seu temor de que ele não seja mais percebido como uma criança e os riscos que um jovem negro corre. Aliás, criança negra tem que ser muito mais vigiada e controlada do que uma criança branca, para que ela não seja alvo de violência. Como é isso para você?

Eu sempre falo que isso é uma das coisas mais cruéis. Meu filho é adolescente e quer viver plenamente essa fase. Mas esse cuidado é com os dois. Eu também chego para Ayanna e digo que tem coisas que não vai dar para ela fazer. Até para poupá-los de serem alvos do escárnio. Mas isso também é muito cruel porque eu tiro deles o direito de viver plenamente. Eu digo para meu filho: "Acho melhor você não usar casaco de capuz". Eu tirei dele o direito de vestir aquela roupa que ele queria, de vivenciar as experiências dele. Mas eu preciso manter o meu filho vivo. Esse é o meu maior papel na função de cuidadora, zelar pela vida dele.

Às vezes, vamos ter conversas que serão desagradáveis. Muitas vezes, o adolescente não entende. Eu digo para ele que lá na frente ele vai me entender. Mas é muito cruel e eu consigo entender quando ele fica irritadiço. É muito cruel. Eu lembro que eu tinha que estar com o cabelo muito bem penteado, a trancinha muito bem feita. Eu não podia usar o cabelo solto, porque senão eu seria ridicularizada. Aquilo era cuidado de minha mãe, minha avó. Mainha trançava o meu cabelo e eu dormia com um lenço, para que ao chegar à escola o meu cabelo estivesse sempre penteadinho

Minha filha vai para a escola com o black dela alto. Na década de 80, ela seria ridicularizada. A gente ouvia que era cabelo palha-de-aço, a gente era medusa, a "nega do cabelo duro que não gosta de pentear". Luiz Caldas ainda fez essa música, Fricote, que todo mundo ouvia. Para a gente, era um grande deboche.

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