ABRE ASPAS
A baiana que encantou o jazz: Rosa Passos fala sobre arte, timidez e resistência
Como veterana de Salvador virou referência da bossa nova no exterior
Por Gilson Jorge

Rosa Passos nasceu e cresceu na Rua Castro Neves, em Brotas, em uma família de classe média. Suas irmãs mais velhas tinham amizade com uma menina chamada Simone, que anos depois seria uma cantora conhecida em todo o país, com sucessos como Tô voltando. Rosa, por sua vez, dedicou-se ao piano desde os três anos de idade, incentivada pelo pai, um engenheiro amante das artes.
Mas a voz mansa de outro baiano, João Gilberto, arrebataria aquela menina de Brotas para a música popular, antes da adolescência. Adulta, Rosa casou-se com o muritibano Paulo Sérgio Passos, que se tornou servidor público federal, e mudou-se com ele para Brasília, onde se apresentou em público pela primeira vez, com uma banda, em um bar da capital federal. Fã das divas do jazz, moldou um registro vocal inconfundível e, em 1979, gravou seu primeiro disco, Recriação, iniciando sua carreira profissional propriamente dita.
Enquanto a sua antiga vizinha Simone emplacava nas rádios brasileiras hits como Cigarra e Delírios e delícias, Rosa construía, passo a passo, uma respeitadíssima carreira internacional que a tornaria amiga da cantora canadense Diana Krall, entre outros.
E,m Brasília, onde ainda reside, Rosa costuma fazer pratos baianos para oferecer aos amigos e manter a conexão com a terra natal. Por telefone, a cantora conversou com A TARDE sobre a sua carreira, a amizade com Ivete Sangalo e demonstrou entusiasmo com a oportunidade de fazer uma turnê pelo Brasil, incluindo duas apresentações do show Suíte brasileira no Teatro Sesc Casa do Comércio, em Salvador, nos próximos dias 26 e 27. No repertório, músicas de Dorival Caymmi, Djavan, Ary Barroso, Tom Jobim e composições autorais.
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Completam-se agora 70 anos desde que você começou a tocar piano, aos três anos de idade. Mas aos 11, quando você ouve João Gilberto cantar e tocar violão acontece a grande virada em sua cabeça. Como foi essa mudança?
Quando eu tinha 11 anos, minha irmã mais velha comprou um compacto duplo, a trilha sonora do filme Orfeu do Carnaval. Ela colocou para tocar João Gilberto cantando A felicidade. A minha cabeça girou totalmente e o mundo parou naquele momento com a forma com que João Gilberto cantava e tocava o violão. Mexeu comigo profundamente e eu achei que meu caminho musical era por ali. Falei para meu pai que não queria mais tocar piano, queria o violão.
Seu pai a incentivou muito. Como era a relação de sus pais com a música?
Meu pai era engenheiro elétrico, mas ele sempre teve a preocupação de colocar música na educação de todos nós. Eu sou a caçula de cinco irmãos. Minha irmã mais velha era química, minha outra irmã, socióloga, e meus dois irmãos, engenheiros. Eu fiz o curso de letras vernáculas na Ufba. Mas quem decidiu pelo caminho da música fui eu. Graças a meu pai, por ter colocado a música na nossa educação.
Aí você se casa com Paulo Sérgio Passos, muda para Brasília e começa a cantar em bares...
Cantar nos bares era legal, gostoso, mas não era de forma profissional. Na noite, eu aprendi muita coisa boa, mas eu comecei a carreira mesmo em 1979, quando eu gravei meu disco, Recriação, com composições minhas e do meu parceiro Fernando Oliveira, também baiano. Nós nos conhecemos em Salvador, antes de eu viajar para Brasília. Nós tínhamos um amigo comum, Elmo, que era um mecenas e reunia em sua casa um grupo de músicos às sextas-feiras. A gente fazia música e mostrava o que estava compondo. Foi aí que eu conheci Fernando e nós começamos a parceria. Ele virou o letrista de minhas músicas.

Quando você começou a apreciar as divas do jazz?
Desde a infância. Meu pai sempre gostou de ouvir jazz, tanto cantado quanto instrumental. Então, eu cresci ouvindo o que há de melhor no jazz. E isso me ajudou muito, inclusive eu tenho muita influência do jazz na minha música. Além de João Gilberto, eu tive uma influência que foi Johnny Mathis. E eu ouvia muito instrumental de jazz quando eu era solteira.
O jazz sempre esteve presente na minha vida e eu comecei a ouvir as cantoras Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Nancy Wilson, além do pianista Bill Evans, toda uma escola de jazz que eu tive a possibilidade de ter às mãos. De poder ouvir, aprender muita coisa e fazer da minha música uma música brasileira, com suingue, mas com uma conotação jazzística. Sem perder a brasilidade. Por isso que as portas no exterior se abriram para mim muito rapidamente. Durante dez anos, eu viajei ao exterior todos os anos, com a possibilidade de mostrar a música brasileira em 42 países. Estados Unidos, Europa, Ásia, América Latina... viajei bastante.
O fato de você morar em Brasília, onde há tantos diplomatas e residentes estrangeiros ajudou a internacionalizar a sua carreira ou não teve nada a ver?
Não teve nada a ver, não. Os contatos vieram do exterior mesmo. Quando eu comecei a viajar para os grandes festivais de jazz, tinha um escritório na Europa que cuidava da minha carreira. Um empresário europeu que cuidava da minha agenda, dos concertos que eu participava. Não tem nada a ver com Brasília.
Com algumas exceções, os grandes artistas da música brasileira se instalam entre São Paulo e Rio. Você é uma das poucas a morar em Brasília. É muito diferente tocar a carreira a partir do Distrito Federal?
Olhe, para mim não mudou nada. Sabe por que? Minha carreira foi muito internacional. Por incrível que pareça, eu passei a maior parte da minha vida no exterior. Praticamente o ano todo viajando para os festivais. Durante dez anos, eu praticamente não me apresentei no Brasil. No ano passado, eu fiz algumas coisas aqui, mas também sempre me apresentando nos Estados Unidos. Todos os anos eu me apresento no Lincoln Center (Nova York).
Eu estou no mercado americano há 25 anos. No ano retrasado, eu fiz o Lincoln Center com Ron Carter e Kenny Barron, fazendo homenagem a Tom Jobim. Tenho convites constantes para os Estados Unidos, Europa, América Latina e Japão. Eu criei uma carreira internacional muito bem consolidada. O ano passado eu decidi ficar sabática, ficar quietinha em casa. Agora, eu estou com um empresário maravilhoso, Sérgio Chimite, que é empresário de Ivan Lins também. Ele me procurou no ano passado. Eu disse a ele que ia ficar quieta, mas que em 2025 eu queria o Brasil. Porque eu vou lhe dizer: eu estou realizando o sonho de estar cantando no meu país. Você acredita nisso?
Eu acredito...
Porque viajei dez anos para a Europa com a agenda fechada oito meses antes, agenda fechada nos Estados Unidos, e aqui nada. Eu pedi a Chimite que ele me prometesse que eu cantaria aqui. O meu grande sonho é cantar no meu país. Eu estou feliz, realizada. Consegui fazer coisas muito grandes através do meu trabalho, como fazer o Carnegie Hall sozinha com meu violão, ganhar o título de doutora pela Berklee College Music. Viajar pelo mundo todo com Yo-Yo Ma. Tantas coisas maravilhosas que me deixam realizada. Mas ainda preciso me sentir feliz no meu país.
Aí chegamos ao disco É luxo só, em homenagem a Elizeth Cardoso...
Foi um grande amigo meu, Paulo Rezende, que me fez uma proposta. Ele me disse que Elizeth estava esquecida pelo público brasileiro e perguntou se eu não faria um disco em homenagem a ela, dizendo que eu seria a pessoa certa para fazer um disco assim, para trazer Elizeth de volta. Eu passei alguns meses pesquisando o cancioneiro dela e fiz o disco É Luxo só. Era uma grande referência na minha vida como intérprete.
Quando Paulo Rezende levou o disco para a gravadora Biscoito Fino, Olívia Hime ficou encantada...
Foi uma coisa. Eu tinha gravado com a banda, Lula Galvão fez os arranjos. Com Jorge Helder no baixo e Rafael Barata na bateria. Eles vieram a Brasília e nós gravamos o disco de uma forma muito gostosa, descontraída e, naquele momento, sem o compromisso de mostrar a qualquer gravadora. Só que Jorge Helder, que vai até para Salvador comigo nesse show, não se conformou e disse: "Não é possível que a gente vai deixar isso numa gaveta". Ele levou para Olívia Hime e ela imediatamente quis lançar. Jorge me ligou e disse para a gente colocar no mercado. A gente então deu andamento às coisas e o disco foi muito bem recebido pela imprensa, pela crítica.
As pessoas gostam muito desse disco, que teve uma boa penetração no exterior. É um disco que eu gosto muito, porque é uma grande responsabilidade. Tudo o que ela fez é definitivo. Graças a Deus, eu consegui fazer do meu jeito, homenageando a grande Elizeth.
Eu vi que há interações no Instagram entre você e Ivete Sangalo. Vocês se aproximaram, uma vai ao show da outra. Tem mais alguém dessa geração na Bahia que você curte?
Eu confesso que não estou acompanhando. Como eu moro em Brasília, eu não sei das cantoras novas de Salvador. Com Ivete, a gente já era amiga antes do Instagram. Ela já curtia o meu trabalho e uma vez numa entrevista ela falou de mim e de Gil como referências para ela. Quando eu fui fazer um show em Salvador há muitos anos, nós criamos uma amizade, um carinho, e depois ela me convidou para o DVD que ela gravou no Maracanã (Multishow ao vivo: Ivete no Maracanã) e depois ela me convidou para um estúdio no Rio de Janeiro.
A gente se encontrou e gravou a minha música Dunas. E nós fomos criando um laço de amizade, de carinho e de respeito. Quando nós gravamos vídeos no Instagram já éramos amigas. Inclusive eu estou aguardando para ver se ela vai nesse meu show agora, e também Margareth Menezes, de quem eu também tive a alegria de participar do DVD (Margareth Menezes para Gil e Caetano, em homenagem aos 50 anos de carreira da dupla). Nós gravamos juntas Eu vim da Bahia, de Gil, e criamos também um laço de amizade.
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