ABANDONO
Em Dias d´Ávila, cidadãos sofrem sem atendimento de saúde
Filas que varam a madrugada, agendamentos que demoram meses e falta de remédios são rotina no município
Por Alan Rodrigues
“Eu vim cedo, mas não consegui”. “Está um caos a saúde em nossa cidade, estamos a quatro meses sem psiquiatra para atender os pacientes com problemas mentais”. “Eu tomo remédio controlado, tanto para pressão como para enxaqueca e lá no CAPS nunca tem”.
Os relatos são de usuários da saúde pública em Dias d´Ávila, Região Metropolitana de Salvador, e refletem um cenário de descaso e abandono. Por motivos óbvios, os nomes dos entrevistados serão mantidos em sigilo.
São pessoas que buscam atendimento de saúde e são submetidas, sistematicamente, a humilhações, constrangimentos e uma espera sem fim. Quem pode, recorre ao sistema privado. Do contrário, só o que resta é a fé. E continuar peregrinando, varando madrugadas, sem saber se ou quando finalmente terão um atendimento digno.
A situação não é nova. A TARDE denunciou em janeiro de 2023 a falta de remédios e a dificuldade para marcação de consultas e exames. Desde então, a situação não melhorou em nada. Pelo contrário, se agravou ainda mais.
Usuários do SUS denunciam caos na saúde de Dias d´Ávila
Uma das pacientes ouvidas pela reportagem está grávida e teve que andar mais de 2 km para tentar agendar um ultrassom. Ao chegar, foi comunicada que deverão retornar à unidade de saúde de origem e aguardar. Até quando? Essa pergunta fica sem resposta.
Loteamento de vagas
É na Central de Marcação que o descaso fica mais evidente. A Secretaria de Saúde limitou a oferta de consultas nos bairros (veja ofício abaixo) e determinou o encaminhamento para a central “sem garantia de vaga”. Com isso, para conseguir atendimento a um especialista, os cidadãos têm que virar a noite na fila.
A central dispõe de uma recepção com cadeiras e ambiente climatizado, mas o espaço só abre às 8 horas da manhã. Antes disso, a espera que começa a partir das 2 horas da madrugada – para alguns até no dia anterior -, acontece ao relento, muitas vezes sob chuva, além do sacrifício do deslocamento dos locais mais distantes e do risco de assaltos.
“Ontem estive no posto e me falaram que, se quiser consulta, tem que ir na central pra marcar pra fora, em salvador, nem avisaram nada, cadê a agente de saúde do bairro pra avisar, estava aguardando a consulta, se não tivesse ido saber não saberia de nada, um descaso terrível”, desabafa uma paciente.
“Mandou a gente retornar sexta-feira, dia 6, mas vai marcar primeiro dos vereadores do atual prefeito e o que sobrar é nosso, loteria, quem pegar, pegou”, acrescenta outra moradora da cidade que denuncia um esquema de loteamento de vagas entre os vereadores da base do prefeito Alberto Castro.
A denúncia não é isolada. Muitos pacientes relatam que, após varar a madrugada na fila é comum ver as senhas se esgotarem rapidamente. Já houve caso de chamar apenas 10 pessoas e mandar dezenas de volta para casa.
“Paciente de muletas, doente, o gerente diz que tem que dormir na fila, porque não é melhor do que ninguém”, revolta-se uma outra usuária do SUS no município. E completa: “Tem vaga pra vereador”.
“A gente tem que vir dormir na fila, sentar em papelão, chovendo ou não, com idade avançada ou não, mas se chegar algum assessor de vereador com uma pasta de documentos tem vaga pra eles”, corrobora outra mulher que tenta agendar um neurologista para o neto e já perdeu algumas noites na fila.
Bairros
E não é só na central que a situação é revoltante. Nas unidades básicas dos bairros a situação é a mesma. No Genaro, outra avó procurou um dentista para aliviar as dores do neto, que desenvolveu uma inflamação após perder um dente. “Criou uma bolsa de sangue no lugar, cheguei lá e o dentista não podia atender. Marquei para dia 27 de setembro. Uma criança de 11 anos que tá com dente doendo tem que esperar, mas fazer o que né”?
No CAPS, os pacientes que precisam de remédios de uso contínuo também enfrentam problemas. No bairro Jacumirim a filha de uma idosa ouviu que precisaria esperar atender todos os agendados para depois ela passar pelo médico, sem qualquer prioridade. “Você acha que minha mãe, que tem problema de Alzheimer, com 78 anos, ia ficar lá até meio-dia ou sei lá que horas”?
No posto do bairro Almirante Saldanha, a neta de uma idosa com artrose, além de não conseguir marcar a consulta para renovar as receitas ouviu que somente sua avó poderia realizar o agendamento. “Eu falei que ela sente dor nas pernas e nem sempre ela tem dinheiro pra pagar um Uber ou moto. Mesmo assim ele disse que eu não podia, tem que ser ela pra pegar".
A TARDE solicitou posicionamento à Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Dias d´Ávila mas não houve retorno até a publicação dessa reportagem.
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