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SINFONIA DO CRUSH

Carlos Prazeres: "A orquestra é um microcosmo da sociedade"

Diretor artístico da Osba completa 30 anos de carreira, se divide na direção de duas orquestras e prepara mais um grande concerto para sexta

Por Maria Raquel Brito*

12/11/2024 - 7:00 h | Atualizada em 13/11/2024 - 11:19
Citando Gil, maestro diz que encontrou na Osba a régua e compasso para sua arte
Citando Gil, maestro diz que encontrou na Osba a régua e compasso para sua arte -

Os músicos fazem os últimos ajustes antes do espetáculo: afinam os instrumentos, ajeitam as partituras, se posicionam. Violinos, trompas, violoncelos. Quando o maestro de aparência jovial entra no palco com um sorriso no rosto, não existe mais a velha discussão sobre ficar em pé ou sentado na Concha Acústica: fileiras e fileiras se levantam para aplaudir Carlos Prazeres.

O cenário da última sexta-feira, 8, no concerto Terra Brasilis, que fechou o encontro do G20 em Salvador, se repete Brasil afora, seja com a Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba) ou com a Sinfônica de Campinas, da qual é regente titular e diretor artístico. Toda semana, se apresenta ao menos uma vez. Os espetáculos semanais e os 30 anos de prática espantam qualquer frio na barriga que insista em se aproximar ao se deparar com plateias lotadas.

Nesta sexta-feira, por exemplo, tem mais. É o retorno do OSBArris, que leva a música clássica ao Quadrilátero da Biblioteca Central do Estado, no tradicional bairro dos Barris. Com regência de Prazeres, o concerto terá participação de solistas de destaque no canto lírico nacional: a soprano paulista Marly Montoni, a mezzo-soprano mineira Edneia Oliveira, o tenor carioca Geilson Santos e o barítono mineiro David Marcondes.

Três décadas de carreira já são um marco imponente. Marco esse que veio acompanhado de outro momento significativo na vida do maestro: seu 50º aniversário. Com a chegada do quinquagenário, uma das primeiras coisas que Prazeres fez foi voltar para a terapia. “Não vou encarar isso sozinho”, pensou. Precisava entender as preocupações e belezas dessa fase, do “estou ficando velho?” ao “que beleza é olhar para trás e ver tantas sementes plantadas”.

E são muitas sementes mesmo. Só nos 13 anos à frente da Osba, por exemplo, foram inúmeros projetos, que continuam a brotar. Prazeres sabe que é criativo, e achou aqui o lugar ideal para expressar esse instinto. Citando Gil, diz que aqui encontrou régua e compasso para sua arte. Com o respeito devido aos antecessores, buscou o próprio espaço e deu a própria cara à Osba. Daí, nasceram iniciativas como OSBArris e CineConcerto, em que trilhas de filmes são executadas com músicos caprichando no cosplay, e o Osbrega - Concerto do amor, em que a Osba performa sucessos românticos da MPB.

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Levar a música sinfônica para todas as classes sociais e faixas etárias é um dos pilares do trabalho de Prazeres. As iniciativas esgotam ingressos em tempo recorde e lotam espaços como a Concha Acústica. Em projetos como o Viagens Sinfônicas, que passeia pelas obras de nomes como Gershwin, ele pega na mão do público e o guia pelos sons e sentimentos que existem além das linhas da partitura.

A aproximação tem dado tão certo que rendeu à Osba um grande fã-clube. O nome foi dado pelo próprio maestro: público-crush. “Eu via as pessoas com cara de apaixonadas na plateia, emocionadas. Na mesma hora soltei essas palavras, ‘público-crush’. E pegou, porque é verdade. Temos uma relação orquestra-público muito boa”, conta.

Talento que vem de berço

Nascido e criado no Rio de Janeiro, Carlos Prazeres convive com a música clássica desde que se entende por gente. Brinca que gostaria de ser advogado ou engenheiro, mas os pais não deixaram. Mesmo em tom de brincadeira, o movimento, que vai de encontro às experiências de muitos músicos Brasil afora, é justificável: o maestro é filho de Armando Prazeres, fundador da Orquestra Petrobras Sinfônica e criador de corais como o da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A mãe, Manoela, se destacou como cantora lírica e se apresentou inúmeras vezes em corais. Ele, por sua vez, graduou-se em oboé.

Foi orgânico. Prazeres até tenta se lembrar de um breve momento em que cogitou seguir outro caminho. Precisa de uma pausa para desbloquear essa memória. “Sei lá, talvez piloto de avião. Tenho fascínio por avião”. Mas admite que não daria muito certo. No mesmo grau que admira, tem medo de aeronaves.

Ironicamente ou não, embarca quase toda semana. Precisa fazer isso para conciliar as duas orquestras, a baiana e a de Campinas, que assumiu em 2022. As duas são como filhas de personalidades distintas: a abordagem utilizada na Bahia não é a mesma que funciona para São Paulo, e vice-versa. O maestro explica que, para regê-las, faz um estudo constante do entorno.

Carlos Prazeres (Foto: Lucas Seixas / 2024)
Carlos Prazeres (Foto: Lucas Seixas / 2024) | Foto: Divulgação

A orquestra é um microcosmo da sociedade. Campinas é uma cidade mais conservadora, Salvador é mais progressista. Talvez um CineConcerto, com todos fantasiados, ou o Osbrega não fizessem em Campinas o sucesso que tem aqui. Mas, por exemplo, a música sertaneja ou caipira dariam muito mais certo lá. Eu acho que meu trabalho se define em entender uma sociedade e fazer com que a orquestra seja uma extensão dela

Carlos Prazeres - sobre regências

Apesar das diferenças, as duas têm também muito em comum, como o fato de lotarem concertos por onde passam e de contarem com músicos talentosíssimos e dispostos a embarcar nas novidades. E haja novidades, porque o maestro chegou aos 50 com gás para os próximos 100 anos. Tem em mente a realização de saraus e muitos concertos. Carioca, já pode ser considerado também baiano: recebeu em 2015 o título de cidadão baiano honorário e em 2021 o de cidadão soteropolitano. Foi transformado pelo estado e suas manifestações culturais. Não perde uma, das pipocas do Carnaval até a festa do Senhor do Bonfim.

Nos fones de ouvido, também há diversidade. No topo das playlists está a música clássica, mas lá também tem Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque – sua santíssima trindade – e Milton Nascimento, além de Coldplay – as antigas –, Scorpions, Alceu Valença, pagode dos anos 1990 e o funk carioca, claro.

No último gênero, uma artista em particular. “Volta e meia, onde MC Carol está, eu estou. Eu acho bacana o que ela tem para passar como mensagem, mesmo sendo subliminar. Uma mulher preta, da comunidade, fora dos padrões, mandando ali o recado dela. É importantíssimo”, diz.

Popular e sinfônica

As iniciativas do maestro, que rendem à Osba um pioneirismo reconhecido por orquestras Brasil afora, rendem também julgamentos dos músicos mais conservadores. Nas palavras deles, a popularização que a Osba promove ganha tom pejorativo, e a orquestra estaria ‘abandonando a música clássica’.

Apesar de estar acostumado e aberto às críticas, esse tipo de concepção incomoda o maestro. Segundo ele, a proposta não é aniquilar a parte clássica, mas levá-la para o máximo de pessoas possível.

“Eu sempre deixo muito claro que a minha questão é matemática. Não teria sentido eu substituir uma temporada de música clássica por música popular por um único motivo. Porque orquestras sinfônicas são dispositivos muito dispendiosos, difíceis de manter. Só temos nós para fazer Beethoven, Bach, Tchaikovsky. Nós pegamos uma fatia da temporada para trocar com a sociedade, a sociedade vai ver que a gente também gosta dessas músicas. E fora que dá pra orquestra uma maleabilidade musical também”, defende, antes de lembrar que a Osba conta com profissionais de reconhecimento na música popular, como os sopristas Joatan Nascimento, André Becker e o violinista Mário Soares.

Foram conflitos desse tipo que fizeram com que a segunda metade do ano passado fosse conturbada para a Osba. A Associação Amigos do Teatro Castro Alves (ATCA) quase perdeu a regência da sinfônica baiana para o Instituto de Desenvolvimento Social pela Música (IDSM), grupo que comanda o Neojiba, liderado pelo maestro Ricardo Castro. As críticas de Castro à mescla entre gêneros musicais promovida pela atual gestão da Osba não eram raras. Ele é visto como alguém que tem uma visão eurocêntrica em relação à música clássica, o que preocupou os músicos quando o IDSM venceu o primeiro edital pela gestão da orquestra.

Também foi um período difícil para Prazeres, que se dividia entre sentimentos.

Um lado meu dizia: ‘bom, ciclos começam e se encerram’. Mas, por outro lado, eu estava muito triste. Muito mesmo. Eu fiquei bem deprimido, porque achei que não fosse o momento ainda. Tem tanta coisa que ainda quero realizar. Minha cabeça é uma usina de ideias

Carlos Prazeres - sobre disputa pela Osba

Em maio deste ano, veio o fim da angústia. O segundo edital publicado pela Comissão Permanente de Licitação da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult) decidiu que a fábrica da mente do maestro continuará ativa na Osba por pelo menos mais dois anos, após a ATCA conseguir a maior nota entre os concorrentes.

Para Prazeres, esse é apenas o início dos próximos 50 anos. Encarando de frente o bicho papão que é envelhecer, vai entendendo que a jovialidade não se esvai assim tão fácil. Entre seus planos, um item ocupa o primeiro lugar: continuar ativo, pensante e, acima de tudo, amando.

Concerto OSBARRIS pelo mês da consciência negra / Sexta-feira (15), 18h / Biblioteca Centra l dos Barris / Doação de um quilo de alimento não perecível para o programa Bahia Sem Fome / Classificação indicativa: livre

*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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Tags:

Carlos Prazeres Orquestra Sinfônica da Bahia osba OSBArris Osbrega

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